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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, abril 27, 2012

Como é uma sociedade laica?

Como é uma sociedade laica?


Foto: Laura Oliver

O laicismo é um movimento emancipatório, um dos que mais contribuiu para combater a dominação e a lutar contra a perseguição ao pluralismo. Graças ao laicismo temos sociedades mais pluralistas, emancipadas da dominação eclesiástica. Em suas origens, é um movimento religioso, de inspiração cristã, que foi impulsionado por minorias protestantes perseguidas que se viram obrigadas a emigrar para a América do Norte e que, no nascimento dos Estados Unidos, tiveram muito cuidado em assegurar-se de que seria criada uma república laica.

O laicismo é uma tentativa de articular a diversidade e o pluralismo em todas suas manifestações pessoais e coletivas. É uma crítica do clericalismo político, à tentativa das castas sacerdotais de todas as religiões de controlar a ação do Estado. Também é a defesa do pluralismo, da autonomia da ordem jurídica e política, da dignidade e legitimidade de uma moral autônoma, e da liberdade de consciência. Além disso é a reivindicação de uma cultura de tolerância ativa. O laicismo não só se opõe à dominação, mas também é um humanismo que propõe virtudes, implicando na criação de cidadãos e, por isso, dá grande importância à educação.

Uma cultura de tolerância ativa
Estamos muito necessitados de uma cultura de tolerância ativa, na qual todas as pessoas e grupos saibam autolimitar-se e escutar os outros. Temos de praticar uma amizade cívica entre pessoas e grupos cujas  identidades, ideias e trajetórias culturais são diferentes das nossas.

Temos de reconhecer que somos diversos. Temos diferentes identidades linguísticas, sexuais, políticas, ideológicas e religiosas e devemos aprender a conviver, mediante o cultivo da amizade cívica entre pessoas que são ou pensam diferentes. Deve-se superar a pretensão de alguns eclesiásticos de que a religião católica seja o núcleo da identidade nacional, pois isto produz enormes dificuldades para o diálogo interreligioso e o reconhecimento das contribuições das culturas atéias e agnósticas.

A legislação deverá ser fundamentada numa ética cívica de mínimos e os setores confessionais devem reconhecer o pluralismo moral da sociedade. Antes de legislar sobre assuntos delicados deve-se fazer uma cuidadosa deliberação ética. Devemos refletir sobre o papel da religião e das igrejas na vida pública. Devemos considerar as implicações da imigração para ativar o diálogo intercultural e interreligioso.

Uma ameaça à democracia
laicismo defende a liberdade religiosa, mas está contra as instituições que dificultam o pluralismo de uma cidadania diversa. Os fundamentalismos e integralismos religiosos radicais (chamem-se islamismo político, hinduísmo identitário, judaísmo ultra-ortodoxo ou cristanismo neo-integrista (católico ou protestante) constituem uma ameaça para a democracia e devem ser enfrentados, a fim de não impedirem o pluralismo. Portanto, deve-se recusar suas tentativas de que se legisle a partir da verdade que dizem possuir.
Mas não se deve esquecer que a religião é uma questão pública. Nisto coincidem todos os grandes clássicos da sociologia. As religiões não devem ser privatizadas, devem ter uma presença na vida pública e contribuir para isso, mas em democracia, devem autocontrolar seu projeto de hegemonia. Não nasceram em âmbitos de laicidade e devem aprender a viver em contextos laicos, sabendo que existe algo inviolável: a liberdade de consciência.

O processo de globalização tem mostrado a grande força social, cultural e política das religiões. Estas exercem um importante papel público nas democracias avançadas.

Há duas formas de presença pública da religião e das instituições eclesiais. A primeira — forte nos Estados Unidos, Itália e Espanha — constitui um fundamentalismo ético-religioso, com implicações políticas, herdeiro dos integralismos tradicionais. A segunda conecta a inspiração religiosa de transformação social com a produção de cidadania politicamente ativa e o aprofundamento da democracia. É uma nova forma de radicalismo social religioso, vinculado a um cristianismo laico e republicano e aos movimentos por uma globalização alternativa que confluiram no Fórum Social Mundial.

Dentro de todas as religiões há tendências pluralistas. Muitos movimentos religiosos contribuem à emancipação social. Pensemos em sua atividade educativa e sanitária, de atendimento aos mais fracos ou de promoção comunitária em todo o mundo. Hoje, importantes pensadores laicistas franceses como Regis Debray, Edgar Morin ou Frederic Lenoir pedem que se tenha um maior conhecimento e compreensão do fenômeno religioso.

É muito pouco o que se sabe de fenômenos religiosos emancipatórios como o ecobudismo, que trabalha com os mais pobres; o hinduísmo gandhiano, que incentiva o movimento Via Campesina, o judaísmo pacifista, o feminismo islâmico ou o cristianismo republicano que tem ramos evangélicos, anglicanos e protestantes. O papel emancipatório das religiões não se conhece muito, pois a informação religiosa nos meios de comunicação é muito pobre, está muito clericalizada e muito concentrada em assuntos relacionados com os bispos.

Sem laicidade, não há um futuro alternativo para o mundo árabe. Em qualquer um destes países, antes das eleições, deve-se redigir Constituições que impeçam a imposição do fundamentalismo islâmico. O mundo árabe é pluralista, o Islã é pluralista, nos países árabes existem outras religiões. A laicidade do Estado é a única que torna possível que esse pluralismo não seja reprimido e possa desenvolver-se.

Todos nós precisamos aprender a cultura da tolerância ativa, que é a pedra angular da laicidade. Não deveríamos utilizar nossos símbolos de identidade simbólica como armas de negação de outras identidades. Os países, inclusive os micro-países, são plurais e, portanto, países arco-íris. Devemos evitar as guerras de bandeiras. Expressemos nossos símbolos, vendo-os como complementares. Aprendamos a conviver na sociedade civil. Ninguém deveria pretender ter com exclusividade uma pátria ou monopolizar a cultura de um país.Laicidade é o sentido do limite e a capacidade de aprender do outro.

- Rafael Díaz Salazar
Fonte: Mirada Global. Reproduzido via Amai-vos, com grifos nossos.

*Mariadapenhaneles 

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