Foto: Laura Oliver |
O
laicismo é um movimento emancipatório, um dos que mais contribuiu para
combater a dominação e a lutar contra a perseguição ao pluralismo.
Graças ao laicismo temos sociedades mais pluralistas, emancipadas da
dominação eclesiástica. Em suas origens, é um movimento religioso, de inspiração cristã,
que foi impulsionado por minorias protestantes perseguidas que se viram
obrigadas a emigrar para a América do Norte e que, no nascimento dos
Estados Unidos, tiveram muito cuidado em assegurar-se de que seria
criada uma república laica.
O laicismo é uma tentativa de articular a diversidade e o pluralismo em todas suas manifestações pessoais e coletivas. É uma crítica do clericalismo político, à tentativa das castas sacerdotais de todas as religiões de controlar a ação do Estado. Também é a defesa do pluralismo, da autonomia da ordem jurídica e política, da dignidade e legitimidade de uma moral autônoma, e da liberdade de consciência. Além disso é a reivindicação de uma cultura de tolerância ativa. O laicismo não só se opõe à dominação, mas também é um humanismo que propõe virtudes, implicando na criação de cidadãos e, por isso, dá grande importância à educação.
Uma cultura de tolerância ativa
Estamos muito necessitados de uma cultura de tolerância ativa, na qual todas as pessoas e grupos saibam autolimitar-se e escutar os outros. Temos de praticar uma amizade cívica entre pessoas e grupos cujas identidades, ideias e trajetórias culturais são diferentes das nossas.
Temos de reconhecer que somos diversos. Temos diferentes identidades linguísticas, sexuais, políticas, ideológicas e religiosas e devemos aprender a conviver, mediante o cultivo da amizade cívica entre pessoas que são ou pensam diferentes. Deve-se superar a pretensão de alguns eclesiásticos de que a religião católica seja o núcleo da identidade nacional, pois isto produz enormes dificuldades para o diálogo interreligioso e o reconhecimento das contribuições das culturas atéias e agnósticas.
A legislação deverá ser fundamentada numa ética cívica de mínimos e os setores confessionais devem reconhecer o pluralismo moral da sociedade. Antes de legislar sobre assuntos delicados deve-se fazer uma cuidadosa deliberação ética. Devemos refletir sobre o papel da religião e das igrejas na vida pública. Devemos considerar as implicações da imigração para ativar o diálogo intercultural e interreligioso.
Uma ameaça à democracia
O laicismo defende a liberdade religiosa, mas está contra as instituições que dificultam o pluralismo de uma cidadania diversa. Os fundamentalismos e integralismos religiosos radicais (chamem-se islamismo político, hinduísmo identitário, judaísmo ultra-ortodoxo ou cristanismo neo-integrista (católico ou protestante) constituem uma ameaça para a democracia e devem ser enfrentados, a fim de não impedirem o pluralismo. Portanto, deve-se recusar suas tentativas de que se legisle a partir da verdade que dizem possuir.
Mas não se deve esquecer que a religião é uma questão pública. Nisto coincidem todos os grandes clássicos da sociologia. As religiões não devem ser privatizadas, devem ter uma presença na vida pública e contribuir para isso, mas em democracia, devem autocontrolar seu projeto de hegemonia. Não nasceram em âmbitos de laicidade e devem aprender a viver em contextos laicos, sabendo que existe algo inviolável: a liberdade de consciência.
O processo de globalização tem mostrado a grande força social, cultural e política das religiões. Estas exercem um importante papel público nas democracias avançadas.
Há duas formas de presença pública da religião e das instituições eclesiais. A primeira — forte nos Estados Unidos, Itália e Espanha — constitui um fundamentalismo ético-religioso, com implicações políticas, herdeiro dos integralismos tradicionais. A segunda conecta a inspiração religiosa de transformação social com a produção de cidadania politicamente ativa e o aprofundamento da democracia. É uma nova forma de radicalismo social religioso, vinculado a um cristianismo laico e republicano e aos movimentos por uma globalização alternativa que confluiram no Fórum Social Mundial.
Dentro de todas as religiões há tendências pluralistas. Muitos movimentos religiosos contribuem à emancipação social. Pensemos em sua atividade educativa e sanitária, de atendimento aos mais fracos ou de promoção comunitária em todo o mundo. Hoje, importantes pensadores laicistas franceses como Regis Debray, Edgar Morin ou Frederic Lenoir pedem que se tenha um maior conhecimento e compreensão do fenômeno religioso.
É muito pouco o que se sabe de fenômenos religiosos emancipatórios como o ecobudismo, que trabalha com os mais pobres; o hinduísmo gandhiano, que incentiva o movimento Via Campesina, o judaísmo pacifista, o feminismo islâmico ou o cristianismo republicano que tem ramos evangélicos, anglicanos e protestantes. O papel emancipatório das religiões não se conhece muito, pois a informação religiosa nos meios de comunicação é muito pobre, está muito clericalizada e muito concentrada em assuntos relacionados com os bispos.
Sem laicidade, não há um futuro alternativo para o mundo árabe. Em qualquer um destes países, antes das eleições, deve-se redigir Constituições que impeçam a imposição do fundamentalismo islâmico. O mundo árabe é pluralista, o Islã é pluralista, nos países árabes existem outras religiões. A laicidade do Estado é a única que torna possível que esse pluralismo não seja reprimido e possa desenvolver-se.
Todos nós precisamos aprender a cultura da tolerância ativa, que é a pedra angular da laicidade. Não deveríamos utilizar nossos símbolos de identidade simbólica como armas de negação de outras identidades. Os países, inclusive os micro-países, são plurais e, portanto, países arco-íris. Devemos evitar as guerras de bandeiras. Expressemos nossos símbolos, vendo-os como complementares. Aprendamos a conviver na sociedade civil. Ninguém deveria pretender ter com exclusividade uma pátria ou monopolizar a cultura de um país.Laicidade é o sentido do limite e a capacidade de aprender do outro.
- Rafael Díaz Salazar
Fonte: Mirada Global. Reproduzido via Amai-vos, com grifos nossos.
*Mariadapenhaneles
O laicismo é uma tentativa de articular a diversidade e o pluralismo em todas suas manifestações pessoais e coletivas. É uma crítica do clericalismo político, à tentativa das castas sacerdotais de todas as religiões de controlar a ação do Estado. Também é a defesa do pluralismo, da autonomia da ordem jurídica e política, da dignidade e legitimidade de uma moral autônoma, e da liberdade de consciência. Além disso é a reivindicação de uma cultura de tolerância ativa. O laicismo não só se opõe à dominação, mas também é um humanismo que propõe virtudes, implicando na criação de cidadãos e, por isso, dá grande importância à educação.
Uma cultura de tolerância ativa
Estamos muito necessitados de uma cultura de tolerância ativa, na qual todas as pessoas e grupos saibam autolimitar-se e escutar os outros. Temos de praticar uma amizade cívica entre pessoas e grupos cujas identidades, ideias e trajetórias culturais são diferentes das nossas.
Temos de reconhecer que somos diversos. Temos diferentes identidades linguísticas, sexuais, políticas, ideológicas e religiosas e devemos aprender a conviver, mediante o cultivo da amizade cívica entre pessoas que são ou pensam diferentes. Deve-se superar a pretensão de alguns eclesiásticos de que a religião católica seja o núcleo da identidade nacional, pois isto produz enormes dificuldades para o diálogo interreligioso e o reconhecimento das contribuições das culturas atéias e agnósticas.
A legislação deverá ser fundamentada numa ética cívica de mínimos e os setores confessionais devem reconhecer o pluralismo moral da sociedade. Antes de legislar sobre assuntos delicados deve-se fazer uma cuidadosa deliberação ética. Devemos refletir sobre o papel da religião e das igrejas na vida pública. Devemos considerar as implicações da imigração para ativar o diálogo intercultural e interreligioso.
Uma ameaça à democracia
O laicismo defende a liberdade religiosa, mas está contra as instituições que dificultam o pluralismo de uma cidadania diversa. Os fundamentalismos e integralismos religiosos radicais (chamem-se islamismo político, hinduísmo identitário, judaísmo ultra-ortodoxo ou cristanismo neo-integrista (católico ou protestante) constituem uma ameaça para a democracia e devem ser enfrentados, a fim de não impedirem o pluralismo. Portanto, deve-se recusar suas tentativas de que se legisle a partir da verdade que dizem possuir.
Mas não se deve esquecer que a religião é uma questão pública. Nisto coincidem todos os grandes clássicos da sociologia. As religiões não devem ser privatizadas, devem ter uma presença na vida pública e contribuir para isso, mas em democracia, devem autocontrolar seu projeto de hegemonia. Não nasceram em âmbitos de laicidade e devem aprender a viver em contextos laicos, sabendo que existe algo inviolável: a liberdade de consciência.
O processo de globalização tem mostrado a grande força social, cultural e política das religiões. Estas exercem um importante papel público nas democracias avançadas.
Há duas formas de presença pública da religião e das instituições eclesiais. A primeira — forte nos Estados Unidos, Itália e Espanha — constitui um fundamentalismo ético-religioso, com implicações políticas, herdeiro dos integralismos tradicionais. A segunda conecta a inspiração religiosa de transformação social com a produção de cidadania politicamente ativa e o aprofundamento da democracia. É uma nova forma de radicalismo social religioso, vinculado a um cristianismo laico e republicano e aos movimentos por uma globalização alternativa que confluiram no Fórum Social Mundial.
Dentro de todas as religiões há tendências pluralistas. Muitos movimentos religiosos contribuem à emancipação social. Pensemos em sua atividade educativa e sanitária, de atendimento aos mais fracos ou de promoção comunitária em todo o mundo. Hoje, importantes pensadores laicistas franceses como Regis Debray, Edgar Morin ou Frederic Lenoir pedem que se tenha um maior conhecimento e compreensão do fenômeno religioso.
É muito pouco o que se sabe de fenômenos religiosos emancipatórios como o ecobudismo, que trabalha com os mais pobres; o hinduísmo gandhiano, que incentiva o movimento Via Campesina, o judaísmo pacifista, o feminismo islâmico ou o cristianismo republicano que tem ramos evangélicos, anglicanos e protestantes. O papel emancipatório das religiões não se conhece muito, pois a informação religiosa nos meios de comunicação é muito pobre, está muito clericalizada e muito concentrada em assuntos relacionados com os bispos.
Sem laicidade, não há um futuro alternativo para o mundo árabe. Em qualquer um destes países, antes das eleições, deve-se redigir Constituições que impeçam a imposição do fundamentalismo islâmico. O mundo árabe é pluralista, o Islã é pluralista, nos países árabes existem outras religiões. A laicidade do Estado é a única que torna possível que esse pluralismo não seja reprimido e possa desenvolver-se.
Todos nós precisamos aprender a cultura da tolerância ativa, que é a pedra angular da laicidade. Não deveríamos utilizar nossos símbolos de identidade simbólica como armas de negação de outras identidades. Os países, inclusive os micro-países, são plurais e, portanto, países arco-íris. Devemos evitar as guerras de bandeiras. Expressemos nossos símbolos, vendo-os como complementares. Aprendamos a conviver na sociedade civil. Ninguém deveria pretender ter com exclusividade uma pátria ou monopolizar a cultura de um país.Laicidade é o sentido do limite e a capacidade de aprender do outro.
- Rafael Díaz Salazar
Fonte: Mirada Global. Reproduzido via Amai-vos, com grifos nossos.
*Mariadapenhaneles
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