Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, abril 26, 2012

Soares e o nova tirania europeia

Para quem leu o que postamos aqui sobre França e a crise europeia é preciosa a leitura da entrevista publicado hoje em O Globo pelo veterano Mario Soares, um dos líderes do que foi, um dia, a social-democracia daquele continente. E que, infelizmente, concedeu tanto á ideologia neoliberal que, hoje, não serve de referência para a mudança de paradigma que Soares aponta como essencial para o fim desta crise. Que outras vozes lúcidas, como a dele, a façam, se puder, recuperar sua identidade.

Líder civil da redemocratização abandona comemorações oficiais da Revolução dos Cravos

“Mandado ao exílio pela ditadura de António de OliveiraSalazar, Mário Soares chegou a Lisboa três dias depois de os militares tomarem o poder na Revolução dos Cravos. Tornou-se líder civil do restabelecimento da democracia portuguesa. Trinta e oito anos depois, completados nesta quarta-feira, não vai participar das comemorações oficiais da data e sugere, aparentemente esperançoso, que um novo levante está por vir. “É um governo que se preocupa muito com a austeridade. Está sobretudo olhando para números e para o dinheiro, descuidando, ignorando completamente as pessoas.Fundador do Partido Socialista — a segunda força política até hoje no país —, Soares foi o chefe de governo do I Governo Constitucional pós-Salazar e o primeiro presidente diretamente eleito desde então. Foi também o primeiro governante português a pedir um empréstimo ao FMI e acusa o atual governo — o terceiro a fazer o mesmo — de se distanciar dos ideais do 25 de abril de 1974.
Em entrevista ao GLOBO, por telefone, discorrendo com a habilidade de cerca de 70 anos de vida política, o responsável por colocar Portugal na Comunidade Econômica Europeia alerta para o risco de uma “grande decadência” do continente.
O GLOBO: Em que o atual governo está distante dos ideais do 25 de Abril?
MÁRIO SOARES: Estão destruindo o Sistema Nacional de Saúde, criando problemas sérios ao operariado, às pessoas e aos sindicatos. E é um governo que se preocupa muito com a austeridade, olhando sobretudo para números e dinheiro e descuidando, ignorando completamente as pessoas.
O desemprego chegou a 14% mas pode subir mais e há pessoas que estão até passando fome. Isto é um fato e está na lógica contrária do que foi a política depois do 25 de abril de 1974, tínhamos um pacto social, lançamos o Serviço Nacional de Saúde e tratamos os sindicatos sempre com respeito absoluto.
Os militares de abril se portaram duas vezes muito bem, porque fizeram a revolução, cumpriram a promessa de realizar as eleições e abandonaram o poder. Depois disso houve uma tentativa dos comunistas, da extrema-esquerda radical de fazer de Portugal uma Cuba europeia e eles se opuseram pela segunda vez e impediram uma guerra civil. E eles tomaram esta posição (de não participar das manifestações, anunciada pela Associação 25 de Abril na segunda-feira) porque acham que não faz sentido ir a uma cerimônia em que os oradores e as pessoas estão lá de uma maneira geral nos sentidos do atual governo. E eu me associei a eles porque sou amigo deles. Sou solidário com a posição deles.
A mobilização cívica em Portugal de hoje pode levar a um levante semelhante ao de 38 anos atrás, restabelecendo esses ideais?
SOARES: Neste momento há um grande descontentamento na sociedade portuguesa, mas há uma posição pacífica, eu espero que continue a ser pacífica. Mas as pessoas estão protestando e acham que vamos mal. No fundo, é um problema que transcende Portugal, é um problema europeu. É o mesmo que está acontecendo na França, o mesmo que está acontecendo em outros países.
E o senhor acha que há mobilização cívica suficiente para inverter essa lógica que causa tanto descontentamento?
SOARES: Eu penso que não é uma coisa imediata, mas que daqui a um tempo isso vai acontecer.
A carta da Associação 25 de Abril considera que Portugal se tornou hoje um protetorado dentro da União Europeia. O senhora acredita que Portugal perdeu soberania a esse ponto?
SOARES: É evidente que perdeu soberania. Não foi só Portugal, foram Espanha, Itália, tudo. Neste momento, nós temos um problema na Europa muito sério. A Europa ou muda de paradigma ou vai entrar em uma grande decadência. Não é um problema só português, é de toda a Europa.

Segredo de Justiça ou vazamentos seletivos?

Além de tentar anular a validade jurídica das gravações obtidas pela Polícia Federal nas operações Vega e Monte Carlo, o “empresário de jogos” (isso é lindo, não é?) Carlinhos Cachoeira está agora tentendo impedir que o inquérito seja enviado à CPI do Congresso pelo STM.
“A CPI não pode se debruçar em provas que poderão ser consideradas ilícitas”, disse a advogada de Cachoeira, Dora Cavalcanti.
Ora, o argumento é de “cabo de esquadra”, como se dizia no tempo de minha avó.
O argumento de que, pelo seu foto privilegiado, seriam ilegais as escutas realizadas, por envolverem um senador da República, mesmo se considerado – e não é possível que se considere os contatos telefônicos de qualquer pessoa, detentor de mandato ou não,  com o bicheiro sejam uma “investigação” sobre esta pessoa – não invalidaria  as gravações como provas para todos os outros envolvidos, que não tem foro privilegiado e cujo monitoramento foi judicialmente autorizada.
Ou seriam objeto de foro privilegiado os cerca de 200 telefinemas trocados entre Cachoeira e o editor da veja, Policarpo Júnior?
A iniciativa da defesa de Cachoeira, que imita a defesa de Demóstenes Torres, traz, porém, uma questão interessante.
Porque, depois desta peneira – que deixou passar, seletivamente, dezenas de gravações contidas no processo – o inquérito segue em segredo de Justiça?
O que determina o segredo de Justiça?
Em primeiro lugar, o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal:
IX  -todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Portanto, não parece que, neste caso, não é possível, em hipótese alguma, que não se esteja prejudicando o interesse pública na informação, não é?
Onde mais se prevê o segredo de Justiça? No Código de Processo Penal:
Art. 155. Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos:
I – em que o exigir o interesse público;
Como se vê nos grifos, é o interesse público o critério supremo de avaliação da necessidade do sigilo judicial, exceto nos casos de Direito de Família, objetos dete mesmo artigo, em seu inciso II.
Não há razão para que o conteúdo do processo que está no Spremo seja mantido em sigilo. Ainda mais quando isso está sistemática e escandalosamente violado de forma seletiva, a critério de interesses inconfessáveis.
Só toda a verdade pode permitir que a população forme seu julgamento.
E a lei nunca pode ser interpretada como ocultadora de verdades que dizem respeito á coletividade.
*Tijolaço

Nenhum comentário:

Postar um comentário