"Quero humanizar São Paulo", diz Haddad
O ex-ministro Fernando Haddad está mais longilíneo. E mais confiante.
Acredita que as circunstâncias eleitorais o favorecem, embora, no
momento, a realidade pareça bastante madrasta. O PT perdeu um tempo
precioso na tentativa de fechar um acordo eleitoral com o prefeito
Gilberto Kassab, do PSD, que no fim das contas lançou-se aos braços de
seu padrinho José Serra. Agora busca tirar o prejuízo e formar um arco
de alianças sólido. Para piorar, o partido foi punido pela Justiça
Eleitoral e perdeu o horário gratuito no rádio e na tevê do primeiro
semestre, uma chance de ouro para apresentar um candidato desconhecido
pelos paulistanos. Na única pesquisa de intenção de votos divulgada,
Haddad aparece com 3%, menos da metade do peemedebista Gabriel Chalita e
a quilômetros de Serra (e seus 30%). “É uma pesquisa de 60 dias atrás”,
incomoda-se o ex-ministro. “Vamos ver a próxima rodada.”
Depois de um longo período mergulhado em articulações internas, Haddad
colocou o bloco na rua. No sábado 14, durante um evento em São Bernardo
do Campo, apareceu pela primeira vez ao lado de Lula e Marta Suplicy,
fiadores de sua campanha (ainda que a senadora continue a não demonstrar
empenho e entusiasmo). E tem intensificado os contatos com os
eleitores. Seu principal alvo é a qualidade do transporte público.
Segundo o petista, São Paulo vive um “apagão” no setor. Ele promete
retomar os investimentos em corredores de ônibus, ampliar a parceria no
metrô, desde que o governo estadual aceite estabelecer metas de entrega
de estações, e melhorar a engenharia de trânsito. Promete ainda acabar
com a taxa de inspeção veicular – e mudar o modelo. “Ela não produziu o
efeito desejado. A qualidade do ar não melhorou.” Como ele vê São Paulo
daqui a quatro anos, caso ganhe a eleição? “Uma cidade mais humana.”
CartaCapital: O senhor é o candidato do Lula e de um partido, o PT,
que costuma ter ao menos 30% dos votos na cidade de São Paulo. Ainda
assim, está estacionado na casa dos 3% nas pesquisas. O que acontece?
Fernando Haddad: Você se refere a uma pesquisa de 60 dias atrás, a única
feita até o presente momento. A sua obsessão – e a de muita gente – por
essa pesquisa me parece imprópria. Vamos aguardar uma nova rodada de
pesquisas e verificar a evolução do quadro. Estamos no início do
trabalho. É minha estreia em eleições e tenho total confiança: ao tomar
conhecimento do nosso projeto, a população da cidade vai apoiá-lo
naturalmente.
CC: No início das articulações políticas para a sua candidatura, o PT
e as forças aliadas parecem ter ignorado a alta probabilidade de o
ex-prefeito José Serra participar da disputa. Não foi um erro de
estratégia?
FH: Se houve erro não foi da minha parte. Em todas as minhas declarações
públicas, sempre deixei claro que, no meu entender, a maior
probabilidade era de o Serra participar das eleições. Até porque nos
últimos 12 anos ele participou de cinco das seis eleições. O Serra está
sem mandato e precisava encontrar uma forma de se reposicionar na vida
política.
CC: O senhor elegeu o transporte público como o primeiro mote de sua campanha. O que pretende fazer nessa área?
FH: São Paulo vive um apagão do transporte. É visível. Todas as
pesquisas apontam queda na aprovação dos serviços públicos prestados. Há
claramente uma falta de investimentos. Em primeiro lugar, os prefeitos
posteriores abandonaram os planos em curso durante a gestão da Marta
Suplicy. Quando a Marta assumiu, a prefeitura de São Paulo, herdada do
Celso Pitta, estava quebrada e tinha um terço do Orçamento atual. Mesmo
assim, foram construídos 70 quilômetros de corredores de ônibus. E o que
foi feito depois? Outra coisa: a prefeitura colocou dinheiro nas obras
do metrô, mas não fez um acordo com o governo estadual para estabelecer
metas. Mais dinheiro não tem significado mais estações e linhas. Só tem
representado um preço maior por quilômetro construído. Após 18 anos de
governo do PSDB no estado, ainda não temos clareza sobre o cronograma de
obras do metrô em virtude do constante adiamento daquilo que é
prometido.
CC: O senhor manteria os investimentos?
FH: Sim, até me disporia a investir mais no metrô. Mas desde que sejam
estabelecidas metas claras. Ainda sobre o transporte: é preciso melhorar
a engenharia de trânsito da cidade, completamente abandonada. A CET
está sucateada e com baixo contingente para enfrentar os desafios.
Nesses anos de inclusão social e maior oferta de crédito, um grande
número de cidadãos conseguiu comprar um carro. E a gestão do trânsito
não acompanhou essa mudança. Hoje há congestionamento nos bairros no fim
de semana, algo que não acontecia. Não há planejamento, não há
engenharia, não há duplicação de vias. Para piorar, as panes dos trens
da CPTM e do metrô são recorrentes. No caso do metrô, acumulam-se
problemas. Houve o horrível acidente da cratera, a acusação de fraudes
na licitação, gestores afastados por denúncias. Tudo isso somado à queda
nos investimentos em manutenção. Isso é ou não é um apagão?
CC: A CPTM e o metrô não são da alçada do prefeito.
FH: Mas e o dinheiro aplicado pela prefeitura, qual é a contrapartida?
No mundo moderno, a administração pública se pauta por metas. Tive o
privilégio de inaugurar no Ministério da Educação um plano de
desenvolvimento com metas quantitativas e qualitativas. Todas cumpridas
até o momento.
CC: No ponto em que estamos, não seria preciso tomar medidas mais drásticas? Ampliar o rodízio, por exemplo?
FH: Não são só os brasileiros que compram carro. Nas nações
desenvolvidas, o indivíduo tem automóvel, mas usa de maneira
parcimoniosa, pois a cidade, o Estado, é capaz de oferecer uma opção de
boa qualidade. Políticas restritivas de uso do carro só são implantadas
após a oferta de um bom sistema de transporte público. Ampliar as
restrições neste momento em São Paulo representaria empurrar mais gente
para um sistema saturado por falta de investimentos estaduais e
municipais. O que pretendo fazer é melhorar a gestão do trânsito e,
simultaneamente, aumentar os investimentos em transporte público. Com
metas, transparência, de forma que a sociedade possa acompanhar e
fiscalizar.
CC: Como ex-ministro da Educação, quais são seus planos para melhorar o ensino público na cidade?
FH: São Paulo é o estado mais rico da Federação. A renda per capita da
cidade é superior àquela da Argentina, do Chile, do Uruguai, do México.
Apesar desse dado, o sistema educacional paulista está aquém do de todos
esses países. Não faz sentido. A cidade pode se tornar uma referência,
mas é preciso investir da creche à pós-graduação. É preciso ter mais
vagas em universidades públicas, mais escolas técnicas. O governo
federal tem recursos disponíveis. Também necessitamos de mais creches e
pré-escolas. E existe um programa federal com dinheiro destinado a São
Paulo que a cidade ainda não foi capaz de usar. É questão de disposição
para fechar as parcerias, os convênios. Outro ponto: vamos implantar a
educação de tempo integral. Vamos estabelecer metas para atingir em
quatro anos um determinado porcentual de estudantes em dois turnos.
CC: Como o senhor imagina São Paulo no final de sua gestão, caso ganhe as eleições?
FH: Quero fazer de São Paulo uma cidade mais humana. Uma cidade promove o
encontro das pessoas. Ela tem de ser convidativa. O governo Lula
melhorou a vida dos brasileiros da porta para dentro. Os brasileiros, e
os paulistanos em particular, tiveram acesso a bens e serviços antes
proibidos à maioria. O prefeito tinha a responsabilidade de cuidar da
porta para fora. Houve um aumento sensacional da arrecadação. O
Orçamento é três vezes maior do que há oito anos. O prefeito Gilberto
Kassab possui cerca de 5 bilhões de reais para investimentos e não
consegue aplicar os recursos. Quando a vida melhora da porta para dentro
e não melhora da porta para fora é sinal de que a cidade não cumpre sua
função de aproximar os cidadãos. E isso se faz melhorando a iluminação,
a mobilidade, a educação, os serviços públicos.
CC: Como a prefeitura pode atuar para deixar a cidade menos violenta?
FH: A segurança é uma atribuição do governo estadual, mas a prefeitura
pode tomar algumas providências. Uma cidade limpa, iluminada, com
calçamento adequado, muro nos terrenos vazios favorece a segurança. Até a
melhora do trânsito provoca efeitos positivos. Os arrastões pelas
avenidas acontecem por causa dos congestionamentos. Os motoristas,
parados, tornam-se presas fáceis dos ladrões. E há a Guarda Civil
Metropolitana, desprestigiada na atual gestão. Podemos ter uma
combinação de esforços da prefeitura e do governo do estado.
CC: Como resolver o problema da Cracolândia? O senhor é a favor da internação compulsória dos viciados?
FH: Fui um dos primeiros a defender a necessidade de uma política de
ocupação da Cracolândia, com força policial, por causa da presença de
traficantes e crianças. Mas supunha que a ocupação seria feita de
maneira conjugada com a oferta de assistência social e de saúde. Não com
o simples intuito de espalhar os viciados pela cidade, como ocorreu.
Entendo que a internação compulsória sem a participação do Poder
Judiciário é muito temerária. Podemos abrir espaço para práticas das
quais vamos nos arrepender no futuro. Ela tem de ser usada com
parcimônia, quando se tratar de riscos à vida das pessoas.
CC: O próximo prefeito administrará a cidade durante a Copa do Mundo,
um evento fundamental para imagem do Brasil no exterior. Estamos
preparados?
FH: Temos todas as condições para nos preparar. A prefeitura tem feito pouco…
CC: O que falta?
FH: Coisas básicas. Falta um plano de sinalização para estrangeiros, por
exemplo. Vamos precisar de quem fale uma segunda língua para orientar
os turistas. E isso precisa ser planejado já. Faltam praticamente dois
anos para o Mundial. Não sabemos se temos estrutura para receber bem a
todos os que virão, para que eles voltem à cidade e ao Brasil.
Certamente um dos grandes legados da Copa será transformar o País em um
lugar mais atrativo para os turistas. Se eles não foram bem tratados,
levarão uma imagem deformada dos brasileiros. Não vejo um esforço da
prefeitura para preparar a cidade.
CC: Como tornar São Paulo uma cidade ambientalmente mais sustentável?
FH: Existem dois aspectos fundamentais. Avançar na coleta seletiva de
lixo é um deles. Estamos estagnados nessa área. Há tecnologias avançadas
e experiências internacionais bem-sucedidas e fáceis de ser usadas e
reproduzidas. O Brasil aprovou um novo marco regulatório do manejo dos
resíduos sólidos. Todos os municípios têm prazo para se adaptar às novas
regras. O tempo está correndo.
CC: A prefeita Marta Suplicy ficou marcada pela criação de um imposto
destinado a investir na coleta seletiva. Era chamada de “martaxa”. Dá
para investir em coleta seletiva sem criar um novo imposto?
FH: Na verdade, o Serra e o Kassab substituíram uma taxa por outra, de
pior qualidade, e não fizeram nada para melhorar a coleta de lixo. Mas
não dá para ressuscitar taxas ou impostos no Brasil. Veja o caso da
CPMF, criada pelo Fernando Henrique Cardoso. O Congresso a extinguiu e
assim ficou. Vou além. Pretendo acabar com a taxa de inspeção veicular,
pois ela não produziu os efeitos desejados do ponto de vista ambiental.
CC: E como manter a inspeção?
FH: Nos moldes do que se faz no resto do mundo, principalmente nos
países desenvolvidos. Não há sentido em fazer inspeção em veículos
recém-saídos das concessionárias e ainda dentro do prazo de garantia das
fábricas. Se está na garantia, a regulagem do motor para a emissão de
poluentes tem de estar contemplada. Além do mais, o paulistano paga a
maior alíquota de IPVA do Brasil. Metade dessa arrecadação é repassada
ao município. A outra metade é do estado. Vamos atingir 2 bilhões de
reais em arrecadação, dez vezes mais do que deveria custar a inspeção
veicular de toda a frota. Essa taxa é contraproducente. Por causa dela,
boa parte da frota de automóveis da cidade não está licenciada. Outra
parte está licenciada fora do município e do estado, pois os motoristas
buscam uma maneira de pagar menos impostos. Já a qualidade do ar não
melhorou. Diria até que piorou.
*esquerdopata
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