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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, maio 15, 2013

Acusado de estupro, pastor já foi elogiado na Globo







Do Escrevinhador
Acusado de estupro, pastor já foi herói na TV Globo
por Rodrigo Vianna
O Pastor Marcos Pereira, da Assembléia de Deus dos Últimos Dias, está sendo acusado de estupros em série. Teria atacado mulheres que viviam em alojamentos mantidos pela Igreja dele, no Rio de Janeiro. Os indícios são graves. A mídia, em especial o jornal conservador “O Globo”, partiu pra cima do pastor. E não apenas por conta do estupro: investiga-se a vida de Pereira, o patrimônio, tudo.
O curioso é que, há cinco ou seis anos, o mesmo pastor era tratado como herói pelas Organizações Globo. A dica veio de um colega jornalista. Acompanhem: em 2008, “O Globo” denunciou um “Tribunal do Tráfico” em favelas do Rio. Jovens infratores eram julgados, condenados e executados pelos traficantes. O repórter acompanhou de perto um desses “julgamentos”. Quem abriu as portas pro jornalista subir o morro? O pastor Marcos Pereira. Mais que isso: o líder evangélico era apresentado como o homem que – na última hora – impedia a ação cruel dos traficantes. Vejam esse trecho da reportagem:
“Capturado de madrugada, o menor foi algemado e barbaramente torturado: tomou choque elétrico, teve garrafas quebradas em seu corpo, foi espancado com pedaços de madeira, sufocado com fita crepe e recebeu uma facada nas costas. Os traficantes estavam decididos a matá-lo, quando o pastor Marcos Pereira intercedeu e começou a sua defesa.”
O repórter Mauro Ventura ganhou o “Prêmio Esso” de jornalismo com essa matéria. E foi atéentrevistado no Programa  do Jô. Os dois – apresentador e jornalista de “O Globo” – exaltaram o trabalho de Marcos Pereira: “impressionante a coragem desse pastor”; “ele é muito respeitado”; “trabalho fantástico”.  
Não passou pela cabeça de ninguém que o pastor tinha feito um tabalho de RP (Relações Públicas) usando a audiência da Globo? Ou passou pela cabeça, sim, mas a Globo estava na fase de “aproximação” com os evangélicos e aí não era o momento de questionar aliados? Há ainda uma terceira hipótese (foi Ali Kamel, da Globo, quem nos ensinou a importância de “testar hipóteses” no jornalismo): Marcos Pereira é um homem de bem, foi acusado de forma vil e injusta, estaríamos diante de um novo caso “Escola Base”… Será?
Seja como for, não acho que devemos condenar – de forma hipócrita e isolada – o repórter Mauro Ventura. Quantos não agiriam da mesma forma que ele? O caso serve pra mostrar como funciona o moderno jornalismo: essa mania de glorificar o repórter que passa por cima de qualquer risco, e se alia a qualquer um, para conseguir a informação. Vale tudo mesmo?
É bom fazer a ressalva: uma coisa é ter um bicheiro ou pastor de conduta duvidosa como fonte (isso eu não considero absurdo, já que muitas vezes é a única forma de acessar um ambiente ou um esquema criminoso); outra coisa é transformar sua fonte em “herói” para assim manter a “parceria”.
Cinco anos depois, assistir a entrevista do repórter ao Jô é mais do que constrangedor. É revelador. O jornalismo dos novos tempos está nu, e o que vemos não é bonito.
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