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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, maio 06, 2013

Há 70 anos, químico suíço descobria o LSD


Além de um céu de diamantes
O controvertido LSD completa 70 anos com seu impacto cultural e terapêutico repensado

RIO - Não existia Lucy, e muito menos diamantes no céu. Em 1943, o mundo vivia a bad trip da Segunda Guerra Mundial quando o químico suíço Albert Hoffman levou os dedos à boca e, sem querer, ingeriu uma substância que vinha estudando em seu laboratório na Basileia, há cerca de cinco anos. Mais tarde, em seu diário, ele descreveu o que aconteceu: “Tive que interromper o meu trabalho no meio da tarde e ir para casa por me ver acometido por uma lerdeza, seguida por uma leve desorientação. Ao me deitar, fechei os olhos e entrei numa espécie de sonho acordado, com a minha imaginação parecendo estar extremamente estimulada. Comecei a ver uma série de imagens extraordinárias, de diversas formas, num caledoscópio de cores. Depois de algumas horas, o efeito passou”.
Aquela substância — a dietilamida do ácido lisérgico, um potente psicotrópico — passou a ser conhecida como LSD. E, 70 anos depois da sua descoberta, após uma longa e turbulenta trajetória, dos porões da CIA às mentes da contracultura sessentista, do desbunde à proibição, ela começa a ser revista, com as portas para o seu estudo, finalmente, reabertas — seu uso terapêutico no tratamento da depressão é considerado promissor — ao mesmo tempo em que o seu impacto no mundo cultural, no Brasil e no exterior, é lembrado de forma “limpa”.
— Hoffman nunca imaginou que iria descobrir algo tão importante e ao mesmo tempo que se tornaria ilegal e proibido — afirma o também suíço Martin Witz, diretor do documentário “The substance”, de 2012, exibido recentemente pelo canal a cabo GNT, com o título “A descoberta do LSD”, e a última pessoa a entrevistar o recluso Hoffman, que morreu em 2008, aos 102 anos. — Ele estava feliz por perceber que, enfim, sua descoberta estava sendo repensada. Por isso mesmo, prometi a ele fazer um filme equilibrado, sem condenações ou celebrações.
No documentário — que acaba de ganhar uma nova versão, em DVD, no exterior — são mostradas as primeiras experiências com a droga, nos anos 1950, logo descobertas pela CIA, que, em plena Guerra Fria, pensou em usá-la de forma controvertida, como uma espécie de “soro da verdade” em possíveis prisioneiros. Na década seguinte, porém, o LSD “fugiu” dos laboratórios e foi parar nas ruas, inflamadas pelo clima libertário daquela época.
— É complicado imaginar como seria a contracultura sem o LSD porque ele estava lá, estava presente, não há como dissociar uma coisa da outra — afirma o escritor, filósofo e jornalista Luiz Carlos Maciel, um dos fundadores do jornal “O Pasquim”, em 1969, e editor da primeira versão brasileira da revista “Rolling Stone”. — Seria leviano dizer que a droga criou aquele panorama, mas não há como negar que ela estava lá, inserida naquele momento libertário, de contestação, de confrontação com os valores estabelecidos.
Com seus poderes alucinógenos promovidos por gente como Timothy Leary, um ex-professor de Harvard que via na droga a possibilidade de “curar” o materialismo da sociedade americana, e pelo escritor Ken Kesey (de “O estranho no ninho”), com seus famosos “testes de ácido”, feitos num ônibus que percorria os EUA, o LSD passou a alimentar os sonhos de uma geração. De forma irresponsável, segundo Hofman, que criticava o seu uso descontrolado e fora dos laboratórios.
— Hofmann ficou chocado com a apologia feita por Leary — lembra Witz. — Ele sabia que o LSD podia ter efeitos colaterais perigosos se tomado em doses grandes e contínuas. Hoffman defendia seu uso sob o controle de especialistas, e Leary fazia o oposto, divulgando o seu uso de forma universal.
No Brasil, como lembram o poeta Chacal e o escritor Jorge Salomão, o contexto era outro, já que o LSD chegou por aqui em meio aos anos de chumbo, em plena ditadura militar.
— A gente saia do cinema, depois de assistir a “Yellow submarine”, dos Beatles, e dava de cara com um camburão na porta. Era o colorido da mente contra o cinzento da realidade, um contraste muito grande — diz Chacal.
— Havia um escapismo inevitável de uma realidade sufocante, que camuflava sonhos reais — ressalta Salomão.
Não demorou muito, e a substância — celebrada por artistas como os Beatles, The Doors, Jefferson Airplane, The Byrds e Jimi Hendrix e escritores como Aldous Huxley e Allen Ginsberg — foi colocada na ilegalidade pelo governo de Richard Nixon, em 1969, com a proibição não apenas do consumo, mas também das pesquisas.
— Essa proibição foi um desastre, já que retardou durante muito tempo os estudos sobre a droga — afirma o psiquiatra e professor da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) Dartiu Xavier da Silveira, que participou, há duas semanas, do Psychedelic Science, congresso sobre psicotrópicos realizado na Califórnia. — Hoje, entre outras coisas, é possível entender melhor seu impacto no meio cultural já que, mesmo não tornando ninguém criativo, ela ajudava o homem na sua eterna busca pela transcendência.
Psicodelia musical:
1) “Lucy in the sky with diamonds”, dos Beatles: um marco da psicodelia da banda, embora John Lennon sempre negasse a referência ao LSD
2) “Purple haze”, de Jimi Hendrix: na letra, ele fala de uma névoa púrpura em seu cérebro e do desejo de beijar o céu
3) “Break on through”, dos Doors: o grupo de Jim Morrison chegou a ser censurado pela própria gravadora por causa da letra, sobre ficar “doido”
4) “Eight miles high”,dos Byrds: a banda usa uma viagem de avião como alegoria de um momento de psicodelia
5) “White rabbit”, do Jefferson Airplane: a letra da vocalista Grace Slick fala de pílulas mágicas e cita o clássico “Alice no País das Maravilhas”
*Nassif

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