O "Mensalão" cada vez mais "Mentirão": farsa político-midiática pode ser anulada por tribunal internacional
Tribunal internacional pode anular o julgamento do Mensalão
O STF deveria ter desmembrado o processo do Mensalão ao menos para os
réus que não detinham, à época do julgamento, foro por prerrogativa de
função.
por Valério Mazzuoli*
O histórico julgamento do Mensalão pode, sim, ser anulado pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos (tribunal da Organização dos Estados
Americanos – OEA). A questão, muito simplesmente, é a seguinte: o
Supremo Tribunal Federal deveria ter desmembrado o processo do Mensalão
ao menos para os réus que não detinham, à época do julgamento, foro por
prerrogativa de função; e assim não procedeu. Com isto, violou uma regra
de direito internacional – a do “duplo grau de jurisdição” – prevista
na Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, conhecida como
Pacto de San José da Costa Rica, tratado internacional de direitos
humanos que o Brasil ratificou (obrigou-se) em 1992.
Esse processo internacional, que poderá levar à anulação do julgamento
do Mensalão, inicia-se com uma “queixa” (de qualquer cidadão) perante a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos (que tem sede em Washington,
nos EUA); depois de certo trâmite interno (inclusive com a oitiva do
Estado etc.), pode esta Comissão entender que o país violou a regra
internacional do “duplo grau” e ingressar, em desfavor do país, com uma
ação na Corte Interamericana de Direitos Humanos (sediada em San José,
Costa Rica) para que seja o julgamento do Mensalão anulado.
Há, inclusive, um precedente já julgado pela Corte Interamericana sobre o
assunto, e que se encaixa como uma luva ao caso do Mensalão. Trata-se
do caso Caso Barreto Leiva Vs. Venezuela, julgado pela Corte
Interamericana em 17 de novembro de 2009, ocasião em que o tribunal da
OEA entendeu que a Venezuela violou o direito ao duplo grau de
jurisdição ao não oportunizar ao Sr. Barreto Leiva o direito de apelar
para um tribunal superior, eis que a condenação que este último sofreou
proveio de um tribunal que conheceu do caso em instância única (no caso
do Mensalão, este tribunal é STF). Em outras palavras, o tribunal
entendeu que o réu não dispôs, em consequência da conexão, da
possibilidade de impugnar a sentença condenatória, o que viola
frontalmente a garantia do duplo grau prevista (sem qualquer ressalva)
na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8, 2, h).
Como se percebe, o precedente do Caso Barreto Leiva coincide
perfeitamente com a situação dos réus condenados no processo do
“Mensalão”, uma vez que todos (tendo ou não foro por prerrogativa de
função) foram impedidos de recorrer da sentença condenatória para outro
tribunal interno, em desrespeito à regra internacional do duplo grau que
o Brasil aceitou e se comprometeu a cumprir.
Na Convenção Europeia de Direitos Humanos há ressalva expressa a
permitir o julgamento de quaisquer pessoas pelo mais alto tribunal do
país, sem que tal configure violação ao duplo grau de jurisdição (art.
2º, 2). Porém, no que tange ao nosso país, é certo que nos encontramos
sujeitos à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, desde
que o Brasil aceitou a competência contenciosa do tribunal (por meio do
Decreto Legislativo nº 89/1998); e não há qualquer ressalva –
diferentemente do que faz a Convenção Europeia – no que tange ao direito
ao duplo grau de jurisdição na sistemática da Convenção Americana.
Enfim, considerando a similitude absoluta entre o Caso Barreto Leiva,
julgado pela Corte Interamericana, e o que foi decidido no processo do
Mensalão, não há dúvidas de que este último poderá ser objeto de
impugnação perante o tribunal da OEA. Se isso ocorrer, servirá de alerta
para o STF, em todas as ações que vier a julgar, para que observe, além
da Constituição, também os tratados internacionais (especialmente os de
direitos humanos) ratificados e em vigor no Brasil.
*VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI, 35, é doutor summa cum laude em
direito internacional pela UFRGS e professor da Universidade Federal de
Mato Grosso (UFMT)
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