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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, maio 14, 2013

O PETRÓLEO É NOSSO



(JB)-A Petrobras desfigurou-se quando o governo dos tucanos paulistas e cariocas decidiu entregar a exploração do petróleo a empresas estrangeiras. Uma evidência da entrega: todos os países exportadores de petróleo cobram das empresas estrangeiras royalties, em média, de 80%: em petróleo. O Brasil, por decisão desses senhores, só cobra dez por cento do óleo extraído — e em moeda. Na realidade, essas empresas são donas de todo o petróleo produzido, cuja descoberta se deve à própria Petrobras. 
          Mais do que o petróleo, vindo do solo, a Petrobras extraiu da alma brasileira a sua orgulhosa consciência de povo. Essa consciência vinha sendo construída em difíceis passos políticos, confrontada com a cumplicidade das oligarquias coloniais com a Metrópole, na exploração do trabalho escravo e no saqueio sistemático da natureza, desde o século 17. É bom registrar que ela sempre se associou aos nossos recursos naturais, do pau-brasil ao ouro e a outros minerais.
        A Independência, em 1822, serviu para o surgimento de grupos mais atilados, com ideais democráticos e republicanos, ainda que prevalecessem os interesses oligárquicos. A confluência do movimento abolicionista com a campanha republicana, a partir de 1870, acabaria com as duas instituições caducas, a escravatura e a monarquia. Mas, fora a pequena elite pensante das grandes cidades, não havia consciência de nação. No campo, os grandes fazendeiros viam o país como um território repartido entre eles,  senhores das terras e dos que nelas trabalhavam e viviam.
       Só na segunda década republicana houve quem associasse o desenvolvimento industrial ao bem-estar dos trabalhadores — mas esses visionários foram violentamente reprimidos pelos governos, a serviço das oligarquias e das empresas estrangeiras. Elas controlavam as incipientes manufaturas e o comércio exterior com a venda de nossos produtos primários  - e a importação de bens de consumo, em sua maioria supérfluos.
      A partir dos anos 20, começou a esboçar-se o que podemos entender como a assunção do Brasil, como ele é: uma nação de imigrantes, mestiça de mamelucos e cafuzos, de negros e brancos, de europeus nórdicos e meridionais — e de gente do Oriente Médio e da distante Ásia. Nesse sentido, apesar de seus críticos, a Semana de Arte Moderna, de 1922, teve a sua marcante influência. O Brasil desembarcou definitivamente da Europa com o atrevimento dos intelectuais, muitos deles brasileiros de primeira geração, que tornaram nobre o que antes se considerava vulgar.
     Foi então que despimos as sobrecasacas, trocamos as ceroulas por cuecas, e as mulheres se livraram dos espartilhos para que suas formas desabrochassem sob a regência de uma sensualidade tropical.
     Nesses anos 20, em certos momentos sem uma orientação política e ideológica coerente, surgiram os partidos de esquerda e os movimentos de rebeldia militar com os tenentes, como a gesta heroica, mas prematura, da Coluna. Tudo isso conduziria à Aliança Liberal de 1930, empurrada, como sempre ocorre, pelo confronto de interesses políticos pessoais de personalidades fortes, associado ao conflito  das forças econômicas regionais.    
      É interessante notar que, nesses decênios iniciais do século 20, o petróleo já se situava no centro da disputa geopolítica das grandes potências — e desde a Primeira Guerra Mundial, com o desembarque inglês, comandado pelo coronel Lawrence, na Península Árabe. O livro de Essad Bey, A luta pelo petróleo, é a melhor fonte para entender as intrigas entre os estados e os milionários no esforço pelo controle das jazidas.
      Em 1928, como narra Monteiro Lobato em seu livro sobre o assunto (O escândalo do petróleo), os soviéticos, preocupados em diminuir o elevado consumo de álcool entre seus soldados, propuseram ao Brasil trocar petróleo - do qual grande parte de seu território era,  e continua, encharcado - por café brasileiro. Acreditavam que a nossa bebida contribuiria para aliviar o alcoolismo de suas tropas. Os Rockefeller, donos da Standard Oil e líderes das grandes petroleiras, impediram que fizéssemos o negócio.
      Com Getulio, dentro das amarras do tempo, começamos a levar o problema a sério, com o Conselho Nacional do Petróleo, criado em 1938, e sob a chefia do general Horta Barbosa. Todas as atividades petrolíferas se encontravam sob o controle do Estado, que poderia conceder a exploração e o refino, dentro dos interesses nacionais. Enfim, em 1953, criou-se a Petrobras.
       O lema da campanha popular, O petróleo é nosso, transcendia de seu enunciado. Não era só o petróleo que era nosso. Queríamos dizer que o Brasil, com o petróleo e tudo mais, pertencia-nos, como povo. Na medida em que a Petrobras  se consolidou — mesmo sobre o cadáver de Getulio — entendemos que éramos um povo capaz de conduzir, soberanamente, o seu próprio destino.
      Se não fosse essa consciência, adquirida nas lutas populares, Juscelino não teria sido eleito em 1955, e não teríamos dado o grande salto, dos cinqüenta anos em cinco, durante o seu qüinqüênio: construímos trechos de ferrovias, grandes eixos rodoviários e erigimos Brasília, porque a criação e os primeiros êxitos da Petrobras diziam-nos que éramos um povo tão capaz como qualquer outro, e poderíamos, com isso, construir definitivamente a nossa soberania.
      No entanto, a partir do governo presidido por Fernando Henrique Cardoso, a Petrobras tem sido submetida a lenta, mas criminosa, desconstrução. O Estado vendeu, no exterior, as ações preferenciais da empresa, transferindo assim, em forma de dividendos, os esforços dos técnicos e trabalhadores brasileiros, que, com o seu êxito, ajudaram-nos a criar a consciência de nação soberana.
    A Agência Nacional do Petróleo, ao que parece a isso autorizada pelo cimo do governo, decidiu colocar em leilão, hoje, e pelas regras que remontam a Fernando Henrique, centenas de lotes de exploração de petróleo na costa brasileira. Trata-se de áreas em que a Petrobras investiu centenas de milhões em pesquisa e que serão entregues, em sua maior parte, e ao que se prevê, a empresas estrangeiras.
    Segundo cálculos da Associação dos Engenheiros da Petrobras, divulgados pelo seu ex-presidente Ricardo Maranhão, e pelo seu atual vice-presidente, Fernando Siqueira, o valor desses depósitos fósseis é superior a um trilhão e cem bilhões de reais. As entidades representativas dos trabalhadores da Petrobras estão sem recursos para custear as ações  na Justiça, e a empresa não pode ou não quer tomar estas providências. É o caso de os donos do petróleo, ou seja, os cidadãos brasileiros, abrirem uma conta e contribuírem com o que cada um puder, para constituir um fundo de defesa do petróleo. De novo temos de ir às ruas para dizer que "o petróleo é nosso". 
*MauroSantayana

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