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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, agosto 27, 2013

A demissão não basta. É preciso extraditar

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A presidente Dilma agiu rápido, ao demitir o chanceler Antonio Patriota, após a surpreendente fuga de Roger Pinto Molina, com a ajuda de um diplomata brasileiro; a decisão, no entanto, não é suficiente para recolocar o Brasil no trilho da ordem internacional; será preciso também extraditar o boliviano, que responde a vinte processos na Bolívia, por corrupção e até por narcotráfico
Perante a Justiça boliviana, um país com o qual o Brasil mantém relações diplomáticas, o senador Roger Pinto Molina tem diversas contas a acertar. É réu em cerca de vinte processos e responde a acusações de corrupção e até narcotráfico. Como diretor da Zona Franca de Cobija, foi acusado de desviar US$ 1,6 milhão, de acordo com um relatório de promotores bolivianos. Como governador do estado de Pando, foi também denunciado por corrupção.
Molina, que se diz um perseguido político, fugiu da Bolívia com a ajuda ilegal de um diplomata brasileiro, Eduardo Saboia, que desafiou a hierarquia do Itamaraty e feriu todas as normas internacionais – uma atitude que causou a demissão de seu chefe, o chanceler Antonio Patriota (leia mais aqui). A fuga contou ainda com o apoio do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, e de um misterioso empresário que emprestou um jatinho à dupla (leia mais aqui).
Diante da crise aberta pela "operação Argo" liderada pelo senador Ferraço, a presidente Dilma agiu rápido. Demitiu o chanceler Patriota, que se mostrou incapaz de vigiar seu próprio quintal e de monitorar uma situação delicada para as relações do Brasil com seus vizinhos sul-americanos.
No entanto, não é o bastante. A fuga de Molina, que não tinha salvo-conduto para deixar a embaixada brasileira em La Paz, causou indignação na Bolívia. "Na nota diplomática nós expressamos nossa profunda preocupação com a transgressão do princípio de reciprocidade e cortesia internacional. Por nenhum motivo o senhor Pinto poderia deixar o país sem o salvo-conduto", disse o chanceler boliviano David Choquehuanca. Segundo ele, é necessário ter uma explicação oficial do Brasil sobre o tema porque "foram violadas normas nacionais e internacionais”.
"O amparo da imunidade diplomática não pode transgredir normas nacionais e internacionais facilitando neste caso a fuga, a saída irregular do país do senador Pinto. Pode ser um precedente ruim (...) se é que nós, amparados pela imunidade diplomática, vamos permitir esses atos ilegais", prosseguiu o chanceler boliviano.
É evidente que se Pinto Molina fosse um senador norte-americano refugiado na embaixada brasileira em Washington para não responder a acusações de corrupção, o senador Ferraço e o diplomata Saboia não teriam tido a mesma coragem. Da mesma forma, é evidente que o australiano Julian Assange não sairá da embaixada equatoriana em Londres, se não tiver um salvo-conduto. Nem o presidente equatoriano Rafael Correa teria coragem para patrocinar a fuga do fundador do Wikileaks.
Diante da transgressão cometida pelo diplomata Saboia e pelo senador Ferraço, que ainda se julgou no direito de fazer juízos de valor sobre a diplomacia brasileira e suas relações com os vizinhos, só resta uma saída: extraditar o senador Roger Pinto Molina, que, aliás, parecia bem distante de um quadro de depressão nas primeiras entrevistas que concedeu no Brasil.
O pedido de extradição deve ser formulado pelo governo boliviano nos próximos dias. É o que informa a Agência Brasil. Leia abaixo:

Ministério Público da Bolívia diz que analisa pedir extradição de Roger Pinto Molina

Luciano Nascimento
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O Ministério Público da Bolívia estuda pedir a extradição do senador Roger Pinto Molina, disse hoje (25) o procurador-geral interino da Bolívia, Roberto Ramirez. De acordo com a Agencia Boliviana de Información (ABI), agência de informações da Bolívia, Ramirez disse que "como Ministério Público, estamos, atualmente, analisando tudo o que se refere à normativa internacional e à normativa nacional para ver quais são as opções". Molina responde a vários processos na Bolívia por suspeita de corrupção.
O senador boliviano, que é opositor do presidente Evo Morales, ficou abrigado por 15 meses na embaixada brasileira na Bolívia desde que pediu asilo político ao Brasil. O salvo-conduto era negado pelas autoridades bolivianas que alegam que o parlamentar responde a processos judiciais no país. No sábado (24), o parlamentar deixou a embaixada com o auxílio da representação diplomática brasileira. O boliviano chegou nesse domingo ao país por Corumbá (MS), onde se encontrou com o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Ricardo Ferraço (PMDB-ES). Os dois voaram em seguida para Brasília.
O embaixador da Bolívia no Brasil, Jerjes Justiniano Talavera, pediu explicações ao Ministério das Relações Exteriores, Itamaraty, sobre a retirada do senador boliviano da representação diplomática brasileira em La Paz e a viagem dele a Brasília.
Em nota, o Itamaraty, informou que abrirá um inquerito para apurar as circunstâncias da entrada no Brasil do senador boliviano. O diplomata Eduardo Saboia, apontado como principal responsável pela retirada do senador foi chamado para prestar informações a respeito do ocorrido.
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E se José Dirceu se abrigar numa embaixada?

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O que dirão políticos da oposição, como Aloysio Nunes (PSDB-SP), Agripino Maia (DEM-RN) e Pedro Taques (PDT-MT), que empenharam solidariedade ao boliviano Roger Pinto Molina? Será que defenderão que o governo brasileiro dê o salvo-conduto para que o réu mais notório da Ação Penal 470 possa deixar o País? Assim como o político boliviano, Dirceu se vê como alvo de perseguição política. Pela lógica da oposição, se vier a ser resgatado por um senador da Venezuela, de Cuba ou mesmo da Bolívia, será necessário aplaudir esse ato de coragem
Um exercício hipotético daria um nó na oposição brasileira. Imaginem que, numa viagem a Brasília, o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, decidisse fazer um pequeno giro pelo Setor de Embaixadas. E que, por exemplo, se refugiasse na representação de países com os quais mantém boas relações, como, por exemplo, Venezuela, Cuba e a própria Bolívia.
Na condição de asilado, Dirceu estaria em território estrangeiro. E, portanto, não poderia ser preso. Réu mais notório da Ação Penal 470, o ex-ministro da Casa Civil se vê como alvo de uma perseguição política. Não por um governo, como alega o boliviano Roger Pinto Molina, que se diz perseguido por Evo Morales, mas pelo poder real, representado pela aliança entre impérios midiáticos e setores conservadores da sociedade brasileira. Se vier a ser preso, Dirceu continuará a dizer que foi alvo de uma condenação política, imposta por um tribunal de exceção.
Eis que surge, então, a hipótese da embaixada – uma alternativa ruim, mas nem tão desagradável como a eventual vida num presídio. Como o Brasil reagiria se um senador de outro país repetisse a ação de Ricardo Ferraço (PMDB-ES), que pediu um jatinho emprestado a um empresário amigo para resgatar um político de outro país que responde a diversos processos? Será que os políticos da oposição, como fizeram Aloysio Nunes (PSDB-SP), Pedro Taques (PDT-MT) e Agripino Maia (DEM-RN) (leia aqui), editorialistas de jornais, caso do Estadão (leia aqui), e colunistas da grande imprensa, como fez Eliane Cantanhêde, defenderiam o gesto humanitário?
No 247
*comtextolivre 

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