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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, agosto 23, 2013

Elaine Tavares: Precisamos dos cubanos? (esse texto tem que virar viral-compartilhe)

“Os cubanos podem até não salvar todas as vidas, mas, não duvido, eles serão capazes de segurar a mão do que padece e dizer: “não tema, eu estou aqui”. Porque são feitos de outro barro. Socialista.”
médico cubano: está onde ninguém quer ir
Eu aprendi com Enrique Dussel que talvez o único imperativo ético universal seja a vida. Mas, não uma vida qualquer. A vida daquele que é vítima do sistema que o oprime e o envilece. É esse ser que temos de defender com unhas e dentes, para o que vier. Todos os dias, nos deparamos com ele, na televisão, na rua de casa, no mercado, ao virar a esquina. O caído, o desgraçado, o fugitivo, o assustado. A maioria das pessoas faz como naquela linda parábola de Jesus: olha, e passa adiante. Poucos são os que se curvam e acolhem o que está no chão. E é bom que se diga que os empobrecidos da terra não o são por sua culpa. A maioria está nessa condição porque alguém está lhe sugando a vida. Alguém está enriquecendo a custa do outro. É a máxima do capitalismo. Só que é mais fácil permanecer com o véu da alienação. Conhecer dói.
Noite após noite a televisão – esse olho insone  - joga na nossa cara a dor do mundo. Mas, de maneira espetacular, consegue virar o jogo. Os meninos negros, que são assassinados como moscas nas periferias das grandes cidades, não aparecem como vítimas. Eles são os “monstros” que andam por aí a fazer maldade. Ninguém diz o porquê deles ficaram assim, se é que ficaram mesmo. E os bons cristãos fazem o “pelo sinal” e agradecem pela polícia nos livrar dessa “corja”.  Também vemos os “terroristas”, que podem ser os palestinos, os sírios, os iraquianos, os afegãos, sempre serão aqueles que estarão vinculados a algum plano do império estadunidense para vivenciar a “plena democracia”. Não importa se para isso for necessário promover farsas macabras como a do 11 de setembro ou o assassinato de crianças inocentes com armas químicas. Tudo vale a pena porque a “democracia” não é pequena. E a classe média, aquecida em seus cobertores, esfrega as mãos e agradece pelo império fazer a defesa de seu castelo de sonhos, “o mundo livre”.
Esses mesmos falsos burgueses, que pensam estar seguros com seus planos de saúde, agora se levantam contra a vinda dos médicos cubanos. Acreditam na revista Veja. Creem firmemente que essa gente solidária nada mais é do que um povo escravizado que teme desobedecer a Fidel.   Não sabem nada de Cuba, de sua história, da coragem de seu povo em estar há mais de 60 anos enfrentando o maior império da terra, e vencendo. Não sabem que na ilha socialista qualquer pessoa que queira, pode ser médico, engenheiro ou padeiro. Depende apenas de sua vontade. Não sabem que são esses profissionais que se formam na solidariedade ao caído, ao oprimido, que se deslocam para os mais terríveis lugares da terra unicamente para salvar e acolher. São esses jovens médicos cubanos os que estão no Haiti, curando feridas, enquanto os nossos jovens vão para lá de arma em punho, servir de cão de guarda ao império.
Agora vem essa polêmica por conta da vinda dos cubanos. De novo o véu da alienação. Ninguém se pergunta por que um país como o nosso, tão rico, tão cheio de bênçãos, precisa desses abnegados cidadãos? Se os médicos cubanos são aqueles que partem para os confins do mundo, onde a dor do outro é tão intensa que mais ninguém quer ver, por que precisariam vir para o Brasil? Que porcaria de país é esse que arrota caviar, mas precisa dos médicos cubanos, esses que vão aonde ninguém quer ir? 
Pois esse é um país no qual boa parte dos médicos sente nojo dos pobres, sente medo, sente asco. E por conta disso os deixam morrer nas ruas, sem ajuda. Ou olham, sem sequer levantar da cadeira, uma pessoa ter um ataque do coração. Ou são aqueles que sequer levantam os olhos para o doente à sua frente num posto de saúde.  Os que não apertam a mão, os que não tocam, não examinam, não reconhecem o enfermo como ser humano precisando de consolo.
Esse é um país aonde os jovens recém-formados se recusam a ir para o interior, para os lugares longínquos, para as selvas, para as favelas, os bairros de periferia. Nem mesmo altos salários os comovem. Deve ser, portanto, um problema de origem. Talvez um problema de classe. Quem é que nesse país pode se formar em medicina? Como pode um jovem da periferia ser médico se o curso exige tempo integral e custa os olhos da cara, mesmo numa escola pública? Pois esse é um país que forma médicos, dentistas, engenheiros, na sua maioria de classe alta. É, portanto, bem diferente de Cuba, que incentiva e garante o ensino dessas profissões, e por ter tantos profissionais pode mandá-los pelo mundo para que ajudem quem nada tem.  
Assim que a vinda dos queridos irmãos cubanos para o Brasil, em vez de causar tanta indignação, deveria suscitar um alerta. Se temos tantos médicos como ficou parecendo nas passeatas dos “de branco”, por que não os encontramos onde eles têm de estar? Por que precisamos da ajuda dos cubanos, se eles estão acostumados a atuarem em lugares perdidos de toda a esperança, como os confins do continente africano, ou as aldeias andinas, ou os empobrecidos países do Caribe, como é o caso do Haiti? Em que medida o país do pré-sal, a quinta economia do mundo, se compara a esses tristes lugares onde só a solidariedade cubana é capaz de chegar?
Essas perguntas é que deveriam ser feitas por nós. O que é a medicina num país capitalista? Ela existe para salvar a vida, para dar conforto ou apenas para fazer girar a roda do lucro das farmacêuticas e dos mercadores da saúde? Por que não temos uma medicina preventiva? Por que não há médicos nos postos de saúde? Por que não estão eles nos hospitais, nas emergências, nas pequenas cidades do interior, no campo?  Onde se esconde toda essa gente que agora anda a vociferar nas ruas?
Sim, nós não deveríamos precisar dos médicos cubanos. Nossa juventude deveria ter acesso às escolas de medicina, de odontologia, de veterinária. Deveríamos formar milhares e milhares de profissionais da saúde, para que cuidassem das gentes de todo o país. Deveríamos ter universidades de massa, nas quais os filhos do povo pudessem se formar com qualidade. E qualquer guri, mesmo aquele que vive lá no interior do Acre, deveria poder fazer realidade o sonho de ser “doutor”. Mas, não é assim. Os médicos que temos são esses que vemos na televisão dizendo que se vierem os cubanos eles não vão ajudar quando eles errarem. Ou seja, que morra o vivente, apenas para provar que estão certos.
É certo que temos também muitos profissionais médicos que se assemelham aos cubanos, que dedicam suas vidas ao juramento que fizeram de cuidar, acolher, curar. Esses, sabemos reconhecer de apenas uma mirada. Mas, ainda são minoria. Para nossa desgraça, o que aparece são esses que vemos na TV a bradar contra os cubanos, mas não contra o estado de abandono que está a população. E é isso que torna tudo ainda mais sórdido. Porque pessoas há que lhes dão razão, e não são poucas. Essas mesmas pessoas que, portando um plano privado de saúde, acreditam estar a salvo. Não estão. Mas, ainda assim, compactuam dos preconceitos, dos absurdos, da alienação e da mentira.
Eu realmente não queria que os médicos cubanos viessem para cá. Queria ter um país que não precisasse dessa ajuda solidária. Mas, ocorre que, em alguma medida, e em tantos lugares, somos tão desprotegidos como os irmãos do Haiti ou de alguma longínqua aldeia africana. É certo que os médicos cubanos são só pessoas, não fazem milagres. Mas, não há dúvidas de que a medicina que se ensina e pratica na ilha caribenha se difere em muito da nossa. Ela pensa o ser como uma vida integral, alguém que tem nome, sobrenome, sonhos, esperanças. Não é um dado na ficha, um inoportuno, um zé ninguém. E é por conta disso que quero receber essa gente única com todo o amor que há nessa vida. Eles saem de suas casas para fazer o que nossos profissionais deveriam fazer. Rogo a todos os deuses que eles tragam, mais do que essa solidariedade abissal, também o germe da rebeldia, para que nosso povo possa compreender que já é chegada a hora de fazermos a transformação. E que a gente avance para um país que não precise dos cubanos, um país que possa ser ocupado por nós mesmos. Mas, para isso, haveremos de mudar a universidade, mudar o país, e sair desse sistema que mercadeja com a saúde e a vida.
Os cubanos podem até não salvar todas as vidas, mas, não duvido, eles serão capazes de segurar a mão do que padece e dizer: “não tema, eu estou aqui”. Porque são feitos de outro barro. Socialista.
*GilsonSampaio

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