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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, agosto 28, 2013


Não foi por explosão espontânea que os médicos cearenses chamaram seus colegas cubanos de "escravos, escravos!"; o ódio, a violência e o preconceito demonstrados na noite da segunda-feira 26 foram atitudes disseminadas, a partir do conforto das redações da mídia tradicional, por três colunistas; Reinaldo Azedo, em Veja, foi o primeiro a chamar os visitantes de "escravos"; Eliane Catanhêde, na Folha, acrescentou que viajariam ao Brasil em "aviões negreiros"; Augusto Nunes, do Roda Viva, chamou o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, de "princesa Isabel às avessas"; assim como não existiria o nazismo sem o Mein Kampf, de Hitler, o corredor polonês de Fortaleza não ocorreria sem os jornalistas que gravaram no imaginário dos médicos o rebaixamento completo dos cubanos; nessa toada, a próxima pregação será "lincha, lincha!"?

27 DE AGOSTO DE 2013 

247 – O que move o mundo são as ideias. Para frente ou para trás. A instalação do nazismo, na Alemanha dos anos 1930, foi precedida pela publicação do ideário de Adolf Hitler, o livro Mein Kempf. Na China comunista, Mao Tsé-Tung tinha o seu Livro Vermelho, de leitura obrigatória nas escolas. De ambos nasceram ideologias totalitárias, cegas aos direitos humanos, avessas à diversidade, pregadoras da violência.

Hoje, no Brasil, o conjunto dos ideais disseminados por alguns dos mais conhecidos colunistas da mídia tradicional aponta para um caminho análogo, sem volta, de interdição do debate, aviltamento do adversário, exclusão do diferente. Corteja o totalitarismo já superado pela sociedade brasileira.

"Escravos, escravos!". A palavra de ordem dos médicos cearenses contra seus colegas cubanos, que se preparavam para receber as primeiras noções sobre que Brasil é esse que eles vieram apoiar, não foi gritada por acaso. Essa figura foi gravada no imaginário coletivo dos médicos cearenses – e pode estar se multiplicando em outras regiões brasileiras – por três, em particular, colunistas adulados na mídia tradicional.

Do conforto de suas redações, Reinaldo Azevedo, primeiro, classificou em Veja os médicos cubanos, cujo trabalho é elogiado em todo o mundo no qual eles atuam em programas do tipo Mais Médicos, da Finlândia à África, de "escravos". Na Folha, a decana Eliane Cantanhêde disse que os profissionais viajariam em "aviões negreiros". Augusto Nunes, para não ficar atrás, escreveu em seu blog que o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, se tornou uma "princesa Isabel às avessas". Todos, sem exceção, com a mesma imagem de degradação do ser humano.

Não ocorreu à trinca de colunistas circunscrever suas diatribes ao irmãos Castro, Fidel e Raúl, ou a Karl Marx e Frederic Engels, os grande teóricos do comunismo. Não. Eles pularam na jugular de cada um e de todos os médicos cubanos que atenderam, sob supervisão da Organização Panamericana de Saúde, ao chamamento oficial do governo brasileiro.

Na leitura de Azevedo, Eliane e Nunes, depreende-se que eles são "escravos" porque merecem. Vivem em Cuba porque são covardes para enfrentar a sua ditadura. Isso de um lado. Noutra hipótese, felizes, percorrem o mundo para agirem como arautos do socialismo, espiões à luz do dia, propagandistas de uma ideologia ultrapassada. Nenhuma linha sobre o trabalho que os médicos cubanos desempenharam no Haiti pós terremoto que devastou o país em 2010, classificado de "maravilhoso" por seus colegas de primeiro mundo (finlandeses). Nada sobre a ação pacificadora na África, na década de 1970. Nenhuma referência ao mundialmente exemplar programa de medicina da família executado dentro da própria Cuba, que por este tipo de expediente tem um Índice de Desenvolvimento Humano maior que o do Brasil. Zero.

Igualmente, os três colunistas não comentaram sobre os médicos de outros países – Espanha, Portugal, Argentina, Itália – que igualmente aceitaram a proposta do governo brasileiro para preencher vagas que os médicos brasileiros recusaram – com salários de R$ 10 mil por mês. Afinal, por que entrar em questões mais complexas para análise, se o mais importante é se divertir pela humilhação aos cubanos?

Sabe-se que, por este tipo de posicionamento rasteiro, a mídia tradicional está se afogando pela soma de dívidas demais e leitores de menos. Mas guarda-se ainda, é claro, um tipo de influência muito útil os momentos mais intensos de polaridade ideológica. Nessas horas, diante de programas como o Mais Médicos, que, efetivamente, podem mudar para melhor o padrão de atendimento de saúde nos rincões do País. Os mesmos rincões que não recebem médicos desde seu desbravamento.

Os três colunistas poderiam usar seus espaços para discutir, porque, afinal, a chamada classe médica jamais, em tempo algum, como um todo, voltou seus esforços para o Brasil real. A orientação da medicina brasileira é cobrar, e caro, pelo menor atendimento. Os médicos querem os grandes hospitais, jamais os pequenos pronto-socorros. Podia-se alegar, até aqui, que faltava incentivo para o avanço pelas artérias do País, mas agora não há mais. A remuneração oferecida pelo governo superou todas as expectativas. O programa Mais Médicos, por outro lado, nada mais é que uma cópia escarrada do que já existe em diferentes partes do mundo, notadamente nos países mais avançados, como Inglaterra e Alemanha. Lá como cá foi preciso importar profissionais para superar carências. O que fazer, então, para dizer que o Mais Médicos não presta?

Ocorreu aos três colunistas chamarem os cubanos – esquecendo-se de todos os outros – de escravos. Uma distorção não apenas da situação que eles vivem em Cuba, mas uma covardia contra cada um e todos os integrantes do grupo recém-chegado. A opção foi criar um clima hostil, de guerra, de oposição total e completa à presença deles aqui. Viraram a mira de seus canhões para os mais fracos e indefesos.

Após chamar os profissionais de escravos, restará aos colunistas continuar o linchamento moral sobre eles. Poderiam, como Gandhi ou Luther King, atuarem pela conciliação entre o homens, mas se inspiraram em Hitler  para disseminar o ódio. O resultado foi visto no Ceará.

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