ELES SÃO RESPONSÁVEIS PELO CORREDOR POLONÊS?
Não foi por explosão espontânea que os médicos cearenses chamaram seus
colegas cubanos de "escravos, escravos!"; o ódio, a violência e o
preconceito demonstrados na noite da segunda-feira 26 foram atitudes
disseminadas, a partir do conforto das redações da mídia tradicional,
por três colunistas; Reinaldo Azedo, em Veja, foi o primeiro a chamar os
visitantes de "escravos"; Eliane Catanhêde, na Folha, acrescentou que
viajariam ao Brasil em "aviões negreiros"; Augusto Nunes, do Roda Viva,
chamou o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, de "princesa Isabel às
avessas"; assim como não existiria o nazismo sem o Mein Kampf, de
Hitler, o corredor polonês de Fortaleza não ocorreria sem os jornalistas
que gravaram no imaginário dos médicos o rebaixamento completo dos
cubanos; nessa toada, a próxima pregação será "lincha, lincha!"?
27 DE AGOSTO DE 2013
247 – O que move o mundo são as ideias. Para frente ou para trás. A
instalação do nazismo, na Alemanha dos anos 1930, foi precedida pela
publicação do ideário de Adolf Hitler, o livro Mein Kempf. Na China
comunista, Mao Tsé-Tung tinha o seu Livro Vermelho, de leitura
obrigatória nas escolas. De ambos nasceram ideologias totalitárias,
cegas aos direitos humanos, avessas à diversidade, pregadoras da
violência.
Hoje, no Brasil, o conjunto dos ideais disseminados por alguns dos mais
conhecidos colunistas da mídia tradicional aponta para um caminho
análogo, sem volta, de interdição do debate, aviltamento do adversário,
exclusão do diferente. Corteja o totalitarismo já superado pela
sociedade brasileira.
"Escravos, escravos!". A palavra de ordem dos médicos cearenses contra
seus colegas cubanos, que se preparavam para receber as primeiras noções
sobre que Brasil é esse que eles vieram apoiar, não foi gritada por
acaso. Essa figura foi gravada no imaginário coletivo dos médicos
cearenses – e pode estar se multiplicando em outras regiões brasileiras –
por três, em particular, colunistas adulados na mídia tradicional.
Do conforto de suas redações, Reinaldo Azevedo, primeiro, classificou em
Veja os médicos cubanos, cujo trabalho é elogiado em todo o mundo no
qual eles atuam em programas do tipo Mais Médicos, da Finlândia à
África, de "escravos". Na Folha, a decana Eliane Cantanhêde disse que os
profissionais viajariam em "aviões negreiros". Augusto Nunes, para não
ficar atrás, escreveu em seu blog que o ministro da Saúde, Alexandre
Padilha, se tornou uma "princesa Isabel às avessas". Todos, sem exceção,
com a mesma imagem de degradação do ser humano.
Não ocorreu à trinca de colunistas circunscrever suas diatribes ao
irmãos Castro, Fidel e Raúl, ou a Karl Marx e Frederic Engels, os grande
teóricos do comunismo. Não. Eles pularam na jugular de cada um e de
todos os médicos cubanos que atenderam, sob supervisão da Organização
Panamericana de Saúde, ao chamamento oficial do governo brasileiro.
Na leitura de Azevedo, Eliane e Nunes, depreende-se que eles são
"escravos" porque merecem. Vivem em Cuba porque são covardes para
enfrentar a sua ditadura. Isso de um lado. Noutra hipótese, felizes,
percorrem o mundo para agirem como arautos do socialismo, espiões à luz
do dia, propagandistas de uma ideologia ultrapassada. Nenhuma linha
sobre o trabalho que os médicos cubanos desempenharam no Haiti pós
terremoto que devastou o país em 2010, classificado de "maravilhoso" por
seus colegas de primeiro mundo (finlandeses). Nada sobre a ação
pacificadora na África, na década de 1970. Nenhuma referência ao
mundialmente exemplar programa de medicina da família executado dentro
da própria Cuba, que por este tipo de expediente tem um Índice de
Desenvolvimento Humano maior que o do Brasil. Zero.
Igualmente, os três colunistas não comentaram sobre os médicos de outros
países – Espanha, Portugal, Argentina, Itália – que igualmente
aceitaram a proposta do governo brasileiro para preencher vagas que os
médicos brasileiros recusaram – com salários de R$ 10 mil por mês.
Afinal, por que entrar em questões mais complexas para análise, se o
mais importante é se divertir pela humilhação aos cubanos?
Sabe-se que, por este tipo de posicionamento rasteiro, a mídia
tradicional está se afogando pela soma de dívidas demais e leitores de
menos. Mas guarda-se ainda, é claro, um tipo de influência muito útil os
momentos mais intensos de polaridade ideológica. Nessas horas, diante
de programas como o Mais Médicos, que, efetivamente, podem mudar para
melhor o padrão de atendimento de saúde nos rincões do País. Os mesmos
rincões que não recebem médicos desde seu desbravamento.
Os três colunistas poderiam usar seus espaços para discutir, porque,
afinal, a chamada classe médica jamais, em tempo algum, como um todo,
voltou seus esforços para o Brasil real. A orientação da medicina
brasileira é cobrar, e caro, pelo menor atendimento. Os médicos querem
os grandes hospitais, jamais os pequenos pronto-socorros. Podia-se
alegar, até aqui, que faltava incentivo para o avanço pelas artérias do
País, mas agora não há mais. A remuneração oferecida pelo governo
superou todas as expectativas. O programa Mais Médicos, por outro lado,
nada mais é que uma cópia escarrada do que já existe em diferentes
partes do mundo, notadamente nos países mais avançados, como Inglaterra e
Alemanha. Lá como cá foi preciso importar profissionais para superar
carências. O que fazer, então, para dizer que o Mais Médicos não presta?
Ocorreu aos três colunistas chamarem os cubanos – esquecendo-se de todos
os outros – de escravos. Uma distorção não apenas da situação que eles
vivem em Cuba, mas uma covardia contra cada um e todos os integrantes do
grupo recém-chegado. A opção foi criar um clima hostil, de guerra, de
oposição total e completa à presença deles aqui. Viraram a mira de seus
canhões para os mais fracos e indefesos.
Após chamar os profissionais de escravos, restará aos colunistas
continuar o linchamento moral sobre eles. Poderiam, como Gandhi ou
Luther King, atuarem pela conciliação entre o homens, mas se inspiraram
em Hitler para disseminar o ódio. O resultado foi visto no Ceará.
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