Maria Rita Casagrande, autora do blog True Love, analisa como o conhecimento e o orgulho pela história e cultura negra podem ajudar a proteger as crianças do racismo
Por Maria Rita Casagrande, no Blogueiras Negras
Há umas duas semanas recebi da escola de
meu filho um documento de atualização cadastral. Qual não foi minha
surpresa: para a escola, ele mora na mesma residência que ambos os pais
(que não residem juntos desde que a criança tem 1 ano) e ele é BRANCO. A
primeira reação é a de imaginar que alguém cometeu um erro. Talvez
fosse mais fácil replicar um endereço apenas, ao invés da tediosa tarefa
que é preencher um endereço para a mãe e outro para o pai. Mas como
explicar para mim e para a criança que a cor dele não foi notada?
Ele me entregou a ficha já fazendo a observação – Tá errado, eu não sou branco!
O negro, ao longo da história, foi tão
apontado como feio, inferior, burro, que isto ainda traz consequências
nocivas para nós negros e permite que “erros” como este sejam cometidos
na intensão de ser agradável. Na ficha consta BRANCO porque evitaria que
nós , a família (mãe negra, pai branco), nos ofendêssemos com o NEGRO estampado no papel, o preconceito interiorizado de quem enxerga desvantagens em ser negro, que faz as associações como cabelo ruim e o asqueroso “black service” e o “afinal quem quer ser negro?”.
Já se passaram muitos anos desde o
“Black is Beautiful” , movimento cultural iniciado por negros nos
Estados Unidos na década de 60, que mais tarde se espalhou entre negros
do mundo todo. O movimento tinha como meta eliminar a noção de que as
características naturais dos negros, como cor da pele, traços faciais e
cabelo são inerentemente feios. O movimento também incentivou homens e
mulheres a pararem de tentar eliminar traços identificados como
africanos, como não endireitar o cabelo ou tentar clarear sua pele.
O esforço do movimento era para
contrariar a ideia típica prevalecente na cultura americana (não apenas
na americana, compartilhamos desta mesma ideia aqui no Brasil) de que
negros são menos atraentes ou desejáveis do que os brancos, tendo em
vista que uma ideia negativa a respeito da negritude é altamente
prejudicial para a psiquê dos afrodescendentes.
Como não estamos mais nos
revolucionários anos 60 e o mundo atual é multicultural, uma pluralidade
de heranças, classes sociais, credos e cores e nossos filhos estudam em
salas coloridas como um arco íris de pessoas e convivem com crianças de
lugares diferentes do globo terrestre, não há a menor necessidade de
enfatizar o orgulho negro ainda mais, certo? ERRADO!
Apesar de terem oportunidades diferentes
de seus antepassados, as crianças afrodescendentes ainda possuem
dificuldade de estar orgulhosos de sua herança racial. Como tão bem
explicitado na repetição do teste das bonecas da década de 40, no qual os psicólogos negros Kenneth e Mamie Clark mostram
uma boneca branca e uma negra para que crianças relacionem aspectos
positivos e negativos a elas. A boneca branca acaba por ser a escolhida
pelas crianças pelas características positivas enquanto a negra era
preterida. O mesmo teste foi feito em 2006 e o resultado foi semelhante.
Diante de situações como estas ou de
pedidos como “eu quero uma franja”, “eu quero ser branco”, “porque não
sou igual a minha coleguinha” ou “porque me chamam de preto se é cor de
lápis”, mesmo a mais preparada das mães ou pais paralisa. Paralisamos
porque passamos por situações semelhantes, paralisamos porque doeu em
nós e pode doer neles.
De acordo com uma pesquisa publicada no Journal of Child Development, estimular
o interesse de uma criança negra a aprender sobre sua raça faz mais do
que lhes dar impulso pessoal, também auxilia academicamente esta
criança. O estudo foi conduzido por Ming-Te Wang e James P. Huguley da Universidade de Pittsburg e da Universidade de Harvard,
respectivamente, e constatou que “a socialização racial”, ensinar as
crianças sobre a sua cultura e envolvê-los em atividades que promovam o
orgulho racial e conexão ajuda a compensar a discriminação racial e os
preconceitos que as crianças enfrentam pelo mundo exterior.
O ensino sobre História e Cultura
Afro-Brasileira, a luta dos negros no Brasil, A cultura Negra Brasileira
e O Negro na formação da sociedade nacional é obrigatório por lei desde
2003 em todas as escola do país. Mas seria isto o bastante para
ensinarmos aos nossos filhos o quanto eles são lindos? Será isto que
fará com que nosso filho ame a cor da sua pele? Este ensino não é
aplicado para crianças na primeira infância (de 0 a 6 anos) , período
decisivo na formação da personalidade, do caráter e do modo de agir do
adolescente e do adulto.
Precisamos criar o hábito de elogiar
nossos filhos. Edificar uma criança é como vestir-lhe uma armadura, tão
forte que elemento nenhum da sociedade poderá feri-lo diante de suas
certezas de que Negro é Lindo. Quantos de nós, adultos
negros, sentimos a dificuldade de aceitar e acreditar em um elogio
sincero. Não conseguimos nos acostumar com o “você é lind@”, “você é
muito inteligente”. Isso não nos foi repetido com o furor necessário
para que ficasse claro que podemos ser, sim, lind@s, inteligentes,
poderos@s.
“Você é gentil. Você é inteligente. Você é importante” – The Help
Alguns métodos que eu adotei dentro de casa e acredito serem válidos:
Conte histórias: conte
você mesmo a história dos negros pelo mundo, as coisas incríveis que
nossos antepassados já fizeram, nossas lutas, conquistas , dificuldades e
vitórias.
Brinquedos: hoje já
conseguimos encontrar bonecas negras com maior facilidade (não com a
mesma oferta e em todos os locais). É importante discutir a
singularidade e a beleza de cada uma destas bonecas. Servirá de alicerce
para a construção da autoestima desta menina ou menino (sim, ensine
também que homens podem cuidar de um outro ser humano).
Ligue os pontos: situe
seu filh@ com relação aos laços culturais que nos ligam ao nosso lar
ancestral – a África. Seja o penteado trançado, a comida que vai pra
nossa mesa, no ritmo da música que a gente escuta. Pontue que esta é
nossa herança, nosso legado.
Incentive a aprendizagem multicultural: existem
negros no mundo inteiro. A história dos negros americanos é diferente
da dos negros caribenhos. Ensine a história dos povos indígenas,
asiáticos, europeus. Crianças são curiosas e o conhecimento não só
aumenta a autoestima como ensina o respeito.
E este último é um exercício para você que me lê. Corre no espelho e repete agora para não esquecer nunca mais: Você é gentil. Você é inteligente. Você é importante. A
autoestima dos pais reflete diretamente na da criança. Tenha orgulho e
acredite que você é capaz de ensinar e seu filh@ capaz de aprender!
*revistaforum
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