O fotógrafo que a PM cegou quer justiça
*diariodocentrodomundo
28 de agosto de 2013
Sérgio Silva, cujo globo ocular foi destruído por um
tiro de bala de borracha, iniciou um movimento para proibir esse tipo de
munição em protestos.
O 13 de junho foi aquela quinta-feira negra em que a PM paulista brincou de atirar em qualquer coisa que se movesse.
Rosto mais em evidência nos dias que se seguiram, a
repórter Giuliana Vallone da Folha de S. Paulo estampou todas as
manchetes com seu olho roxo, inchado e sangrando. Mas naquela mesma
noite o fotógrafo Sérgio Silva teve um ferimento muito mais grave. Se
tivesse sido a imagem dele a circular nas primeiras páginas, a revolta
popular poderia ter sido ainda maior. Sérgio teve o globo ocular
totalmente destruído por um tiro de bala de borracha. No último dia 25
de julho foi confirmada a impossibilidade de recuperação de sua vista.
Sérgio está cego do olho esquerdo. O período foi de grande angústia pois
os médicos aguardavam alguma evolução no processo de regeneração antes
de uma intervenção mais drástica. Contudo, desde o início mantiveram
Sérgio ciente de que as chances eram mínimas.
Freelancer da agência FuturaPress, era sua primeira
incursão nas manifestações de junho. Até então, esteve trabalhando em
outras pautas. Na avenida Consolação, a imprensa foi atacada cruelmente
por balas e bombas. Após um breve momento entrincheirado atrás de uma
banca de jornal, Sergio saiu para mais fotos e estava olhando o display
da câmera, conferindo seu último click, quando sentiu o impacto e
imediatamente uma dor indescritível.
Sem ter sido socorrido por nenhuma viatura (foi amparado
por um manifestante e dirigiu-se a pé até o hospital Nove de Julho)
também não foi procurado até agora por qualquer agente do estado ou da
polícia. “Nem uma ligação sequer. Até agora estão em silêncio. Seria
interessante sentir que o estado a quem você se dedica, para quem você
contribue e de quem você às vezes depende, tivesse uma preocupação com
você, mas sinceramente nem espero isso mais.” O fotógrafo conta sentir
uma dor diferente hoje. “Todos os dias, quando me vejo no espelho ao
acordar, sinto uma dor enorme pelo que ocorreu”, relata enquanto tira os
óculos escuros. O tampão cor da pele é discreto. “Minha aparência
visual reflete a violência que sofri.”
Sérgio ainda não entrou com uma ação contra o estado até o
momento. “Estou aguardando uma recuperação não só física (em breve
precisará submeter-se a outras cirurgias pois ainda tem duas fraturas
ósseas na mesma região também em consequência do impacto da bala), mas
psicológica para enfrentar essa ação.” Equilibrado, não pretende agir de
cabeça quente ou movido pela raiva que diz ainda sentir, mas cujos
trejeitos tranquilos não deixam transparecer. Não deseja o olho por
olho. Expõe seu raciocínio de forma madura para seus 31 anos. “Tenho
duas filhas, não quero que cresçam revoltadas.”
Diante de tamanho autocontrole, penso se a obstrução visual
provocaria algum efeito no hemisfério cerebral responsável por seu olho
esquerdo (o controle neuronal de cada metade do corpo é invertido ainda
que a tese de que os hemisférios cerebrais possuam uma divisão rígida
de tarefas seja atualmente questionada). Curiosidade de colega de
profissão, pergunto com qual olho ele costumava fotografar. “Com o que
sobrou, no entanto não tenho nenhuma condição de retomar a atividade
agora e acho muito difícil que volte a fotografar”. Inevitavelmente,
busco entusiasmá-lo mencionando Evgene Bavcar, fotógrafo esloveno, cego
de ambos os olhos desde os 12 anos de idade, vítima de guerra.
Inevitável, porém desnecessário. Sérgio não está precisando de esmolas
emocionais.
Atualmente sem atividade remunerada (em adaptação com a
visão monocular, até seu caminhar é inseguro), Sérgio não pretende uma
indenização pura e simples. Iniciou uma petição pública pelo fim das
balas de borracha e bombas de efeito moral em manifestações pacíficas.
Inserido no site www.change.org, o
abaixo-assinado já conta com aproximadamente 50 mil assinaturas. “Eu não
vou parar. A minha luta agora é desarmar essa polícia que se torna mais
violenta a cada dia. Minha luta daqui pra frente não será contra o
estado apenas para requerer uma indenização e um reparo pelos meus danos
físicos e morais. É pelo direito do cidadão de ir para a rua e não ser
atingido por armas não letais que, na verdade, matam sim. Cegam.
Preocupa-me essa mentira acerca da não letalidade. Minha preocupação é
em tirar essas armas das ruas, é proteger a vida das pessoas.”
Mais tarde, naquele mesmo dia em que entrevistei Sérgio,
fui vítima de gás lacrimogênio da PM enquanto buscava fotografar outra
manifestação. Após a ocorrência, veio-me outra questão levantada por
Sérgio: “Quem lucra com essas armas? Quem financia e lucra com a
violência?” Sérgio enxerga longe.
*MauroL.
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