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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, março 15, 2014

A “Marcha da Família” versão 2014


É democrático e legal pedir um golpe de Estado em páginas da internet? O controle remoto resolve isso também? A neo-UDN está fazendo de tudo para repetir aqui 1964

marcha família deus liberdade
Saiu na coluna de fofocas de Felipe Patury, da revista Época:
No próximo dia 22, em São Paulo, sai da Praça da República rumo à Catedral da Sé a segunda edição da Marcha da Família com Deus pela Liberdade. A original fez, em 1964, percurso semelhante dias antes de o ex-presidente João Goulart ser derrubado. Há 50 anos, a organização coube a então primeira-dama do estado, Leonor de Barros, e a mulheres de empresários. A atual foi convocada pelas redes sociais, recebeu apoio de lideranças evangélicas e, pelo Facebook, de um perfil extra-oficial da apresentadora Rachel Sheherazade. O grupo diz contar com a simpatia do filósofo Olavo de Carvalho e até de Denise Abreu, a petista que mandou na aviação civil no governo Lula e ficou famosa por sua predileção por charutos”.
De todas as sandices surgidas com a atual onda de paranóia anticomunista no Brasil — e não são poucas –, uma das mais impressionantes é a chamada Marcha da Família Com Deus II.
Como o nome indica, é uma reedição da Marcha da Família com Deus Pela Liberdade, ocorrida em 1964 em resposta ao comício da Central do governo João Goulart.
Desta vez, uma “convocação para o povo brasileiro” está marcada para o dia 22 de março. Pede-se uma “intervenção militar” e não um golpe, embora seja evidentemente um apoio a um golpe. O site “oficial” é ideia da paulistana Cristina Peviani, “desempregada atualmente, graças às nossas faculdades falidas”.
“Vivemos em um versão “DEMO” de uma “DITA” Democracia, que nos foi: AMPUTADA, SEQUESTRADA E CONDICIONADA por que LUTOU CONTRA O BRASIL no passado e estão colocando em prática os seus planos de COMUNIZAÇÃO DO PAÍS, que eram os planos desde a década de 60, quando o povo brasileiro que lia jornais e não limpava a bunda com ele, saiu nas ruas no dia 19 de março de 1964, pedindo a INTERVENÇÃO CONSTITUCIONAL MILITAR para evitar que o mal que abateu o leste europeu, se abatesse no Brasil…
Dia 22 de março é o GRANDE DIA, o dia do despertar de nosso povo para sair nas ruas e CLAMAR mais uma vez pela INTERVENÇÃO CONSTITUCIONAL MILITAR, pois precisamos fazer uma verdadeira FAXINA nos 3 PODRES PODERES de nossa Nação que vem sendo comunizada, graça ao apoio dos ABUTRES TOGADOS que ajudam e assinam embaixo todos os crimes cometidos por estes ESCROQUES COMUNISTAS…”
Mas há diversos outros sites divulgando essa conclamação. Um dos mais ativos é o de Ricardo Ribeiro. É uma ode ao pânico e ao nonsense. O site de Ribeiro tem campanhas contra a pedofilia, o Google (!?), a rede Globo “homosatânica” etc. Ribeiro é evangélico fundamentalista e se arrisca na poesia. Escreveu versos sobre homofobia:
“Nesse macabro cenário, só enxergo Bolsonaro
A erguer a voz, sem medo, igual ao Silas
Pelas nossas famílias, combatem essa folia
Mas, quem afinal, soltou e alimenta, a fera da homofobia?”
Ele é nascido no Recife se autointitula “capelão” e “conferencista”. É um pregador. Diz que já foi “diretor de presídio”, embora tenha um crédito de “jornalista” numa reportagem muito louca sobre o bairro de Castro, reduto homossexual em São Francisco.
Já foi bloqueado várias vezes no Facebook por postar fotos e “denúncias” contra gays, socialistas e outras desgraças. Afirma que “os donos do Face são os maiores ativistas gays do mundo”.
Na louca cavalgada de Ribeiro, ele acabou endossando um texto satírico sobre a marcha, publicado na coluna Jornalismo Wando, do Yahoo. Wando foi evidentemente caricato — mas tanto quanto os organizadores do evento.
“Com negros, gays, índios, sem-terra, rolezeiros e toda uma gente diferenciada aninhada no governo, já estava mais do que na hora do gigante se levantar novamente contra o perigo socialista. (…) A nação que salvou a si própria tinha um governo apoiado pela imensa maioria de sua população, e que se mostrava favoritíssimo para a reeleição em 65, o que não quer dizer muita coisa quando não se está em sintonia com militares e civis mais esclarecidos. Hoje, as coisas se encaminham para o mesmo perigoso cenário. Com a iminente reeleição dos esquerdistas e a consequente consolidação do regime totalitário, só mesmo Deus para iluminar nossa Marcha e ajudar a nos livrar desse mal”, escreve.
No ano passado, perto de cem pessoas se reuniram no vão livre do Masp numa manifestação a favor de um golpe militar. Mas os marchadores já conseguiram o apoio de gente como Roger, Lobão e outros para suas hostes. Um general de brigada chamado Paulo Chagas manifestou seu apoio porque acha que a “debacle da Suprema Corte, desmoralizada por arranjos tortuosos que transformaram criminosos em vítimas da própria justiça, compromete a crença dos brasileiros nas instituições republicanas”.
Agora vai. Sangue de Cristo tem poder.
DCM

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