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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, março 16, 2014

O SISTEMA DE JUSTIÇA DO URUGUAI


Como se desenvolve o sistema de Justiça do Uruguai

Por Vladimir Passos de Freitas

A República Oriental do Uruguai tem 176.214 km2 e 3,5 milhões de habitantes, dos quais 1,8 milhão encontram-se na sua capital, Montevidéu. Poucos sabem que aquele território pertenceu ao Brasil, de 1817 a 1825, sob o nome de Província Cisplatina. Todavia, de nossa cultura lá pouco ficou, talvez apenas a arquitetura da Colônia Sacramento, às margens do Rio da Prata.

Os brasileiros que visitam nosso vizinho ao sul ficam encantados com a tranquilidade do povo e com o elevado grau de cultura de sua gente, inclusive nas camadas mais populares. No Uruguai, à efervescência econômica do Brasil contrapõe-se uma melhor distribuição de renda, com resultados positivos na segurança pública. Há menos milionários e menos miseráveis.

O sistema judicial do Uruguai é coerente com a forma de viver uruguaia, ou seja, simples e de boa qualidade. Não há grandes teses  inovadoras. No entanto, as ações tramitam celeremente e o Poder Judicial é respeitado. Segundo um Juiz Federal de uma vara de crimes contra a ordem econômica em capital da região sul, uma rogatória expedida ao Uruguai, regra geral, é cumprida com mais rapidez do que precatórias nas grandes seções judiciárias do Brasil.

A carreira judicial não é muito procurada, porque os juízes recebem vencimentos baixos, em torno de 2 mil dólares iniciais. Registre-se, contudo, que os descontos são pequenos, giram em torno de 10%, enquanto no Brasil, na esfera federal, eles significam 27,5%  de imposto de renda, mais 12% de INSS. Além disto, os magistrados devem, obrigatoriamente,  passar alguns anos no interior, não raramente em cidades distantes e pequenas, o que nem sempre é atrativo.

Os que pretendem entrar na carreira judicial devem ser graduados em Direito, cursar a Escola da Magistratura e ter um mínimo de 25 anos de idade. Concluído o curso com êxito, poderão ser nomeados Juiz de Paz.

Nos locais mais distantes e pouco populosos o Juiz de Paz não precisa ser graduado em Direito, poderá ser um juiz leigo, escolhido entre as pessoas respeitadas do local. Em Montevidéu e cidades de maior movimento forense, ele deverá ser graduado em Direito e cursar a Escola. Ao Juiz de Paz cabe conciliar as desavenças, pois não se proporá ação de reparação de dano civil sem tentar previamente a conciliação perante um Juiz de Paz. Cumpre-lhe, também, decidir as pequenas questões que lhe sejam submetidas. O mandato é de quatro anos e não há qualquer garantia de estabilidade, podendo inclusive ser removido a qualquer tempo no interesse do serviço público.

Passados quatro anos sem problemas de conduta, poderá ser nomeado para o cargo de Juiz Letrado, com estabilidade assegurada por lei, e passará a ter exercício em cidades de porte médio. O Juiz Letrado, ou seja, bacharel em Direito, deve ter pelo menos 28 anos de idade e quatro de experiência.

Caso surja vaga em uma Vara (Juzgado), a Suprema Corte de Justiça escolhe qual juiz suprirá a vaga e decide o seu traslado, nome que se dá à remoção. Não existe direito à remoção voluntária, como no Brasil. A corte previamente faz uma consulta ao escolhido, porém a recusa não é vista com bons olhos, podendo significar a permanência onde se está até o dia da aposentadoria. O traslado pode ser, inclusive, para sede de Juízo de menor hierarquia ou remuneração, nesta hipótese sendo necessário o voto de quatro dos cinco membros da corte.

O passo seguinte da carreira é a nomeação para o cargo de ministro de um Tribunal de Apelação, podendo atuar no cível ou no crime. Os cargos são providos sempre por juízes de carreira ou membros do Ministério Público, que tenham pelo menos 35 anos de idade e oito de experiência profissional. Não existe sistema de nomeação por antiguidade nem algo semelhante ao nosso quinto constitucional. (Obs. deste blog: quinto constitucional: vagas que contemplam integrantes do Ministério Público e da Advocacia na composição dos lugares dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal - art. 94 da Constituição Federal).

Após a segunda instância abrem-se duas oportunidades aos juízes de carreira: a Suprema Corte de Justiça e o Tribunal do Contencioso Administrativo (TCA). Para ser nomeado Ministro destes Tribunais é preciso alcançar dois terços dos votos do Parlamento, o que obriga a um esforço político.

Se o candidato indicado não alcançar o quórum mínimo e a Assembleia Geral convocada para tal fim não aprovar um nome em 90 dias, será nomeado o membro mais antigo dos Tribunais de Apelação ou do Ministério Público. Não há hierarquia entre estes dois Tribunais Superiores e os vencimentos são idênticos. Mas a Suprema Corte goza de um “status” maior, pois decide as ações em que se discute ofensa à Constituição, exerce a função correcional dos Tribunais, apresenta os projetos de orçamento ao Poder Executivo e é a responsável pela administração da Justiça, inclusive nomeando os magistrados de primeira e segunda instância e também os Defensores de Ofício.

O TCA foi criado em 1952 para ressalvar os direitos privados que possam ser lesionados pelas autoridades públicas e também para controlar eventuais ilegalidades da administração. Ao TCA cabe processar e decidir, em única instância e sem recurso para a Corte, as questões envolvendo a nulidade de atos administrativos  oriundos da Administração Pública no  exercício de suas funções, inclusive aqueles oriundos de disputas de órgãos do governos central com os regionais ou locais. Ao decidir uma ação o TCA pode declarar válido ou nulo o ato administrativo, nesta hipótese limitando-se a informar à administração sem que possa outro editar no seu lugar. Eventuais danos oriundos de um ato administrativo declarado nulo poderão ensejar reparação dos danos civis, porém nas Varas (Juzgados) e não no TCA.

Cada Tribunal Superior possui cinco Ministros, que recebem pouco menos do que 5 mil dólares e que podem indicar três secretários de sua confiança para assessorá-los. Os demais cargos de funcionários do Poder Judicial, em todas as instâncias, atualmente, são providos por concurso público. Estes Ministros têm um mandato de 10 anos, ou seja, seus cargos não são vitalícios. A Suprema Corte já teve representantes femininas, porém, atualmente, sua composição é apenas de homens. No TCA atua uma mulher: Mariela Sasson Balleto.

A Polícia no Uruguai trabalha diretamente com o juiz, que deve dirigir-se ao local do crime tão logo dele tenha notícia. Por isso mesmo o plantão é rigoroso, sendo proibida a ausência das comarcas nos fins de semana. Tal atividade passará ao Ministério Público tão logo seja aprovada a reforma processual em andamento. Porém, os Promotores de Justiça, que recebem vencimentos iguais aos dos juízes, têm suas atividades limitadas à esfera criminal, inexistindo atuação em ações civis, mesmo que coletivas.

Não existe no Uruguai um órgão assemelhado ao nosso Conselho Nacional de Justiça. Houve, ao tempo do regime militar, um Conselho da Magistratura, porém foi extinto com a volta à normalidade democrática.

Não há sessão pública ou sustentação oral nos tribunais uruguaios, os acórdãos são lavrados após discussão entre os membros da Turma em caráter privado. Os magistrados não usam toga e as relações protocolares desenvolvem-se com muita simplicidade.
                                                                          
Aos 70 anos de idade, tal qual no Brasil, os magistrados devem aposentar-se compulsoriamente. Ao fim da sua carreira judicial, eles recebem uma aposentadoria correspondente a 70% do que recebiam em atividade. Em caso de morte, a (o) pensionista tem direito a um benefício previdenciário no valor de 50% do valor recebido pelo finado quando em atividade.

E assim se desenvolve o sistema de Justiça uruguaio. (Fonte: aqui).

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Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal do TRF 4ª Região.

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Uma vez que o sistema uruguaio não prevê, entre outros, o uso de toga e a vitaliciedade do cargo de magistrado (alcançando, claro, a suprema corte), é lícito concluir: lá, ao contrário do que se observa no Brasil, a fogueira das vaidades não tem chance de prosperar. 

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