O SISTEMA DE JUSTIÇA DO URUGUAI
Como se desenvolve o sistema de Justiça do Uruguai
Por Vladimir Passos de Freitas
A República Oriental do Uruguai tem 176.214 km2 e 3,5 milhões de
habitantes, dos quais 1,8 milhão encontram-se na sua capital,
Montevidéu. Poucos sabem que aquele território pertenceu ao Brasil, de
1817 a 1825, sob o nome de Província Cisplatina. Todavia, de nossa
cultura lá pouco ficou, talvez apenas a arquitetura da Colônia
Sacramento, às margens do Rio da Prata.
Os brasileiros que visitam nosso vizinho ao sul ficam encantados com a
tranquilidade do povo e com o elevado grau de cultura de sua gente,
inclusive nas camadas mais populares. No Uruguai, à efervescência
econômica do Brasil contrapõe-se uma melhor distribuição de renda, com
resultados positivos na segurança pública. Há menos milionários e menos
miseráveis.
O sistema judicial do Uruguai é coerente com a forma de viver uruguaia,
ou seja, simples e de boa qualidade. Não há grandes teses inovadoras.
No entanto, as ações tramitam celeremente e o Poder Judicial é
respeitado. Segundo um Juiz Federal de uma vara de crimes contra a ordem
econômica em capital da região sul, uma rogatória expedida ao Uruguai,
regra geral, é cumprida com mais rapidez do que precatórias nas grandes
seções judiciárias do Brasil.
A carreira judicial não é muito procurada, porque os juízes recebem
vencimentos baixos, em torno de 2 mil dólares iniciais. Registre-se,
contudo, que os descontos são pequenos, giram em torno de 10%, enquanto
no Brasil, na esfera federal, eles significam 27,5% de imposto de
renda, mais 12% de INSS. Além disto, os magistrados devem,
obrigatoriamente, passar alguns anos no interior, não raramente em
cidades distantes e pequenas, o que nem sempre é atrativo.
Os que pretendem entrar na carreira judicial devem ser graduados em
Direito, cursar a Escola da Magistratura e ter um mínimo de 25 anos de
idade. Concluído o curso com êxito, poderão ser nomeados Juiz de Paz.
Nos locais mais distantes e pouco populosos o Juiz de Paz não precisa
ser graduado em Direito, poderá ser um juiz leigo, escolhido entre as
pessoas respeitadas do local. Em Montevidéu e cidades de maior movimento
forense, ele deverá ser graduado em Direito e cursar a Escola. Ao Juiz
de Paz cabe conciliar as desavenças, pois não se proporá ação de
reparação de dano civil sem tentar previamente a conciliação perante um
Juiz de Paz. Cumpre-lhe, também, decidir as pequenas questões que lhe
sejam submetidas. O mandato é de quatro anos e não há qualquer garantia
de estabilidade, podendo inclusive ser removido a qualquer tempo no
interesse do serviço público.
Passados quatro anos sem problemas de conduta, poderá ser nomeado para o
cargo de Juiz Letrado, com estabilidade assegurada por lei, e passará a
ter exercício em cidades de porte médio. O Juiz Letrado, ou seja,
bacharel em Direito, deve ter pelo menos 28 anos de idade e quatro de
experiência.
Caso surja vaga em uma Vara (Juzgado), a Suprema Corte de Justiça
escolhe qual juiz suprirá a vaga e decide o seu traslado, nome que se dá
à remoção. Não existe direito à remoção voluntária, como no Brasil. A
corte previamente faz uma consulta ao escolhido, porém a recusa não é
vista com bons olhos, podendo significar a permanência onde se está até o
dia da aposentadoria. O traslado pode ser, inclusive, para sede de
Juízo de menor hierarquia ou remuneração, nesta hipótese sendo
necessário o voto de quatro dos cinco membros da corte.
O passo seguinte da carreira é a nomeação para o cargo de ministro de um
Tribunal de Apelação, podendo atuar no cível ou no crime. Os cargos são
providos sempre por juízes de carreira ou membros do Ministério
Público, que tenham pelo menos 35 anos de idade e oito de experiência
profissional. Não existe sistema de nomeação por antiguidade nem algo
semelhante ao nosso quinto constitucional. (Obs. deste blog: quinto
constitucional: vagas que contemplam integrantes do Ministério Público e
da Advocacia na composição dos lugares dos Tribunais Regionais Federais
e dos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal - art. 94 da
Constituição Federal).
Após a segunda instância abrem-se duas oportunidades aos juízes de
carreira: a Suprema Corte de Justiça e o Tribunal do Contencioso
Administrativo (TCA). Para ser nomeado Ministro destes Tribunais é
preciso alcançar dois terços dos votos do Parlamento, o que obriga a um
esforço político.
Se o candidato indicado não alcançar o quórum mínimo e a Assembleia
Geral convocada para tal fim não aprovar um nome em 90 dias, será
nomeado o membro mais antigo dos Tribunais de Apelação ou do Ministério
Público. Não há hierarquia entre estes dois Tribunais Superiores e os
vencimentos são idênticos. Mas a Suprema Corte goza de um “status”
maior, pois decide as ações em que se discute ofensa à Constituição,
exerce a função correcional dos Tribunais, apresenta os projetos de
orçamento ao Poder Executivo e é a responsável pela administração da
Justiça, inclusive nomeando os magistrados de primeira e segunda
instância e também os Defensores de Ofício.
O TCA foi criado em 1952 para ressalvar os direitos privados que possam
ser lesionados pelas autoridades públicas e também para controlar
eventuais ilegalidades da administração. Ao TCA cabe processar e
decidir, em única instância e sem recurso para a Corte, as questões
envolvendo a nulidade de atos administrativos oriundos da Administração
Pública no exercício de suas funções, inclusive aqueles oriundos de
disputas de órgãos do governos central com os regionais ou locais. Ao
decidir uma ação o TCA pode declarar válido ou nulo o ato
administrativo, nesta hipótese limitando-se a informar à administração
sem que possa outro editar no seu lugar. Eventuais danos oriundos de um
ato administrativo declarado nulo poderão ensejar reparação dos danos
civis, porém nas Varas (Juzgados) e não no TCA.
Cada Tribunal Superior possui cinco Ministros, que recebem pouco menos
do que 5 mil dólares e que podem indicar três secretários de sua
confiança para assessorá-los. Os demais cargos de funcionários do Poder
Judicial, em todas as instâncias, atualmente, são providos por concurso
público. Estes Ministros têm um mandato de 10 anos, ou seja, seus cargos
não são vitalícios. A Suprema Corte já teve representantes femininas,
porém, atualmente, sua composição é apenas de homens. No TCA atua uma
mulher: Mariela Sasson Balleto.
A Polícia no Uruguai trabalha diretamente com o juiz, que deve
dirigir-se ao local do crime tão logo dele tenha notícia. Por isso mesmo
o plantão é rigoroso, sendo proibida a ausência das comarcas nos fins
de semana. Tal atividade passará ao Ministério Público tão logo seja
aprovada a reforma processual em andamento. Porém, os Promotores de
Justiça, que recebem vencimentos iguais aos dos juízes, têm suas
atividades limitadas à esfera criminal, inexistindo atuação em ações
civis, mesmo que coletivas.
Não existe no Uruguai um órgão assemelhado ao nosso Conselho Nacional de
Justiça. Houve, ao tempo do regime militar, um Conselho da
Magistratura, porém foi extinto com a volta à normalidade democrática.
Não há sessão pública ou sustentação oral nos tribunais uruguaios, os
acórdãos são lavrados após discussão entre os membros da Turma em
caráter privado. Os magistrados não usam toga e as relações protocolares
desenvolvem-se com muita simplicidade.
Aos 70 anos de idade, tal qual no Brasil, os magistrados devem
aposentar-se compulsoriamente. Ao fim da sua carreira judicial, eles
recebem uma aposentadoria correspondente a 70% do que recebiam em
atividade. Em caso de morte, a (o) pensionista tem direito a um
benefício previdenciário no valor de 50% do valor recebido pelo finado
quando em atividade.
E assim se desenvolve o sistema de Justiça uruguaio. (Fonte: aqui).
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Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal do TRF 4ª Região.
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Uma vez que o sistema uruguaio não prevê, entre outros, o uso de toga e a vitaliciedade do cargo de magistrado (alcançando, claro, a suprema corte), é lícito concluir: lá, ao contrário do que se observa no Brasil, a fogueira das vaidades não tem chance de prosperar.
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Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal do TRF 4ª Região.
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Uma vez que o sistema uruguaio não prevê, entre outros, o uso de toga e a vitaliciedade do cargo de magistrado (alcançando, claro, a suprema corte), é lícito concluir: lá, ao contrário do que se observa no Brasil, a fogueira das vaidades não tem chance de prosperar.
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