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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, março 31, 2014

Adeus,1964. Bom dia, 2014. Nenhum passado importa mais que o futuro

 Fernando Brito

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Quando a gente fica velho, começa a praticar o erro de achar que tudo o que vivemos no passado  está perto, porque é passado é presente na memória.
Ainda jovem, aprendi isso no convívio com Brizola conversando comigo, em longas noites em volta da mesa redonda de seu apartamento – eu chamada a saleta onde ela ficava de botequim sem cerveja – ,  com um “não fazer caso” com os detalhes dos fatos como se eu os tivesse vivido, ainda não nascido ou bebê.
Aquilo me impressionava e diversas vezes tinha de atalhá-lo e lembrá-lo disso, um tanto sem graça de “cortar” suas “viagens” da memória.
Só depois de muitos ano fui perceber que não importava que que a minha auto-suficiência juvenil achasse  antigas demais para serem úteis aquelas cenas passadas há 30, 40 ou 50 anos.
Talvez se passe hoje o mesmo com muitos jovens quando se recorda o golpe militar que faz 50 anos na madrugada de segunda para terça-feira.
Meus cinco-seis anos de  então não me permitem contar como foi.
Mas posso falar do que foi crescer com ela, a ditadura.
De ser jovem e ter medo. E de ter uma força imensa nos empurrando apesar dele.
Tudo isso, porém, são lembranças, que correm o risco de serem estranhas e algo enfadonhas como as que ouvi, há quase 30 anos, de alguém que viveu tudo muna posição mais central, intensa e dolorosa que a minha.
O que me importa é compreendi que a história é um rio, que conduz as mesmas água de quilômetros e quilômetros atrás mas cujas águas não são mais as de lá, com todas as águas novas que lhe chegaram e de tudo o que se dissolveu nelas ao longo do trajeto.
Toda esta temporada, que hoje se encerra, de recordações sobre 64, embora seja necessária e útil para que se revejam e se compreendam os fatos, restaure-se o valor de um personagem como João Goulart, para que se compreendam melhor outros líderes, tem um conteúdo muito pouco destacado.
O de que o golpe veio para cortar aquela torrente, desviá-la, represá-la, dissipar sua força.
E a da que, embora por outras terras e passando em outros vales, aquele rio lentamente foi buscando, de novo, voltar ao leito que se pretendera interromper.
O projeto nacional-desenvolvimentista foi assumido por quem, de início, o recusava, dizendo que tudo se resumia a trabalhadores  e a patrões, fossem estes de onde fossem.
A importância de líderes que personificassem, traduzissem e simbolizassem justiça e progresso para o povo brasileiro, tão negada entre as forças de esquerda que se reagruparam no PT, transformou-se na maior referência da população para manter o país nesse rumo.
As águas diferem; seu fluxo, não.
Quando, como nesta data sombria, sabemos onde estaríamos no passado, também nos damos conta de que nada começa conosco, nada termina em nós, mais ainda assim somos como a fibra é para a corda: da soma de nossas fragilidades vem nossa imensa força.
E, assim, podemos compreender como nossa pequenez é importante para o espetacular avanço do Brasil à condição que, como poucos países do mundo podem ter, de ser um grande país, dono de seu destino, uma enorme nave com todo seu povo, não com uma casta no convés e uma multidão nas galés.
Eles quiseram decretar o “fim da história”.
E, não obstante, ela retomou seu fio.
Adeus, 1964.
2014 nos aguarda.
*Tijolaço

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