A foto de Lucélia Santos no ônibus e a ojeriza patética ao transporte público no Brasil
“O Brasil é o único país que conheço em que andar de ônibus é politicamente incorreto! Vai entender…”.
Lucélia Santos merecia uma estátua. A atriz foi fotografada num coletivo no Rio de Janeiro. O fã postou a foto numa rede social. Ela começou a circular loucamente, junto com especulações acerca da carreira da atriz.
Lucélia estaria pobre, desempregada, passando fome, drogada, bebendo demais, morando de favor, enfim, numa draga — só isso explica uma pessoa famosa, ou ex-famosa, pegar um ônibus, que é claramente coisa de pobre.
Ela respondeu à falsa polêmica com uma série de frases em sua conta no Twitter:
. “Isso porque os ônibus aqui e transportes coletivos, de um modo geral, são precários e ordinários, o que mostra total desrespeito à população!”
. “Em qualquer país civilizado, educado e organizado, é o contrário. As pessoas dão prioridade a transportes coletivos para proteger o meio ambiente”.
. “Os governos deveriam investir em transportes decentes para a população, com conforto e dignidade, e depois pretender fazer discursos”.
. “A imprensa deveria usar sua inteligência para divulgar campanhas para os transportes públicos coletivos de primeira grandeza”.
. “Terminando: o Brasil deveria ler mais, se instruir mais, desejar mais e sair da burrice de consumo idiota e descartável que lhe dá carros!”
Não disse uma bobagem. Uma. A reação à imagem de Lucélia veio, principalmente, dos milhares de jecas que se locupletam no transporte público quando viajam para o exterior e, de volta ao Brasil, não compram cigarro na padaria sem pegar o carro.
É um vício. Semana passada, num programa da rádio Bandeirantes, de manhã, a dupla de apresentadores comentava sobre algum assunto quando a jornalista fez um aparte. Obsequiosa, como se estivesse pedindo desculpas por um crime, ela contou que pegou um metrô, em São Paulo, e foi ótimo. Soava como uma confissão seguida de um arrependimento. Ora, o metrô de São Paulo, apesar da extensão de rede exígua, é bom. Limpo, rápido, eficiente. Os ônibus funcionam razoavelmente bem.
Por que a surpresa com Lucélia? Porque o transporte público está relegado a um papel secundário e é estigmatizado. A primeira providência que uma pessoa que deixou de ser pé-rapado toma é comprar um carro e cuspir em quem anda de buzum. Quem já pegou metrô em Nova York, Londres, Paris etc deve ter visto atores, atrizes, políticos no vagão.
Os premiês britânicos Tony Blair e David Cameron foram fotografados inúmeras vezes sentados, numa boa, lendo seu jornal. O ex-prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, também. Lembrando que Bloomberg é milionário.
Você vai falar que é demagogia. Provavelmente eles preferissem, mesmo, se locomover num Jaguar com motorista de luvas pretas. Mas e daí? Estão dando um exemplo, um recado fundamental, para a população. No Brasil, qual foi o último prefeito de cidade grande que utilizou transporte público para ir ao trabalho? E governador? Nenhum. O sujeito se elege e, junto com o pacote de benesses, vem a vantagem de nunca mais ter de olhar na cara de um cobrador pelo resto da vida.
Lucélia Santos deu uma amostra de civilidade. Escrava Isaura para presidente.
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