Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, maio 14, 2014

Em documento, Aécio prega acordo 'urgente' com EUA e fim do Mercosul

Retomar a Alca entra no rol das possíveis 'medidas impopulares' do candidato tucano, que como presidente da Câmara cobrou fechamento imediato de acordo de livre comércio com Casa Branca
por Helena Sthephanowitz 
REPRODUÇÃO
pag_41_livro_o_brasil_e_a_alca.png
Reprodução do documento da Câmara sobre a adesão do Brasil à Alca, ideia defendida com entusiasmo por Aécio
Em recente passagem por Porto Alegre, para uma palestra durante o chamado Fórum da Liberdade, promovido pelo Instituto de Estudos Empresariais (IEE), o senador e pré-candidato do PSDB à Presidência da República, Aécio Neves, propôs o fim do Mercosul, que na sua visão deveria ser substituído por uma área de livre comércio.
A proposta remete à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), um projeto, digamos, neocolonizador para a América Latina, lançado pelo ex-presidente dos EUA Bill Clinton e abraçado pelo governo tucano de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Não chega a causar surpresa as declarações do senador mineiro, se resgatarmos sua atuação como presidente da Câmara dos Deputados.
No ano de 2001, por exemplo, Aécio Neves estendeu o tapete vermelho do Parlamento brasileiro para o então secretário de Defesa dos EUA, William Cohen, empurrar a Alca goela abaixo do Brasil. O seminário "O Brasil e Alca", na Câmara, tinha oficialmente o objetivo de debater o tema, mas politicamente foi uma ação de pressão política, para reduzir resistências e abrir caminhos para a implementação daquele projeto.
Do encontr, foi produzido o compêndio – há quem chame de livro – com o mesmo nome do seminário, organizado pelo ex-deputado neoliberal Marcos Cintra (PFL) e pelo diplomata Carlos Henrique Cardim. O prefácio é de Aécio Neves e, nele, encontramos um pouco de seu pensamento de rendição à dependência econômica do país, via Alca.
O atual presidenciável dava como certa a implementação da Alca, e tratava o evento que acabara de patrocinar como "um marco" para alcançar os objetivos (estadunidenses), chamados por Aécio como "formidável":
"De fato, o Seminário “O Brasil e a Alca”, realizado nas dependências da Câmara dos Deputados, por iniciativa desta Casa, nos dias 23 e 24 de outubro de 2001, pode ser interpretado – e certamente assim o será nos anos vindouros – como um marco na trajetória de nosso processo de integração continental.
(...)
Sem dúvida, a liberalização do comércio em um território habitado por mais de 800 milhões de pessoas, com um PIB conjunto de US$ 11 trilhões, simultaneamente à construção de uma normativa comum em áreas como a de serviços, de investimentos, de compras governamentais e de propriedade intelectual, é, em si mesma, um objetivo formidável."

Este parágrafo acima é uma pérola de servilismo, que parece até escrita pelo Departamento de Estado dos EUA e apenas entregue a Aécio para assinar, pois nem sequer cita as barreiras impostas pelos norte-americanos para a entrada de produtos agrícolas brasileiros, um contencioso histórico.
Ou seja, defendeu integralmente que o Brasil abrisse seu mercado interno para os EUA, sem sequer exigir qualquer contrapartida, mesmo em setores que o Brasil já era mais competitivo.

Como se não bastasse, o prefácio de Aécio ainda trata a Alca como "acordo já firmado", "caráter urgente", e estabelece prazo-limite para 2005, o que faz o texto parecer mais uma peça de lobismo escancarado.
"... Há que se ressaltar o caráter relativamente urgente de tão ambicioso empreendimento. Com efeito, não defrontamos com um mero protocolo de intenções, mas, sim, somos partícipes de um acordo já firmado sobre o cronograma das correspondentes negociações, o qual prevê a conclusão dos entendimentos no horizonte já visível do ano de 2005".
Para se ter uma ideia, a proposta de fazer um tratado de livre comércio amarrando compras governamentais condenaria todo o futuro da política de conteúdo nacional na exploração do pré-sal. Hoje o Brasil já cria uma indústria até de sondas de perfuração, a qual nunca teve. Com a Alca, teria de comprar eternamente tudo em Houston. O resultado imediato disso? Desemprego e desindustrialização no Brasil.
Com a Alca, dificilmente teríamos como escolher o caça sueco Grippen e participar de seu desenvolvimento tecnológico. Seríamos praticamente obrigados, por tratados, a comprar os caças da Boeing e nas condições deles de não oferecer transferência de tecnologia.
Também eram um desastre anunciado as cláusulas de proteção de investimento. Se um investidor americano fizesse uma aplicação financeira no Brasil e o dólar aqui desvalorizasse, teríamos de pagar indenização por isso.
Outro desastre seria a abertura irrestrita do mercado a bancos e seguradoras dos EUA. Imaginem o rico dinheiro da poupança do cidadão brasileiro aplicado no Lehman Brothers, que faliu na primeira das recentes crises internacionais, em 2008...
Agora, a ameaça de acabar com o Mercosul e retomar a agenda da Alca entra no rol das "medidas amargas" e impopulares – já anunciadas, mas ainda obscuras – propostas pelos tucanos.
*RBA

Nenhum comentário:

Postar um comentário