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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, maio 01, 2014

Supremacia da raça branca: A violenta tradição da extrema-direita americana



Supremacia da raça branca: A violenta tradição da extrema-direita americana


Ao contrário dos grupos islâmicos, cuja vigilância custa bilhões de dólares às agências de segurança norte-americanas, os grupos que defendem a supremacia da raça branca desfrutam de grande liberdade para vomitar o seu ódio e promover a ideologia racista
Por Amy Goodman. Tradução para português de Carlos Santos para Esquerda.net. Foto de capa  Library of Congress/Wikimedia Commons.
Frazier Glenn Miller, ex-líder de um ramo do Ku Klux Klan, é acusado de ter assassinado três pessoas em frente a dois centros comunitários judeus nos subúrbios de Kansas City [a 13 de abril de 2014]. Enquanto era arrastado para um carro da polícia, gritou “Heil Hitler!”. Ao contrário dos grupos islâmicos, cuja vigilância custa milhares de milhões de dólares às agências de segurança norte-americanas, os grupos que defendem a supremacia da raça branca desfrutam de grande liberdade para vomitar o seu ódio e promover a ideologia racista. Frequentemente, os seus ataques assassinos são considerados como atos de dementes “solitários”. Estes grupos aparentemente marginais estão, na realidade, bem organizados, interligados e gozam de renovada popularidade.
Em abril de 2009, o Departamento de Segurança Interna dos EUA (DHS, na sigla em inglês) publicou um estudo sobre grupos extremistas de direita. O relatório de dez páginas inclui conclusões como: “A crise econômica e a eleição do primeiro presidente afro-norte-americano são condições únicas para a radicalização e o recrutamento dos grupos de extrema-direita”. Também faz a polémica conjetura de que veteranos de guerra que regressam do Iraque e do Afeganistão poderiam ser recrutados para se juntarem aos grupos que incitam o ódio. O relatório provocou uma onda de críticas, especialmente de grupos de veteranos. Obama tinha assumido o Governo apenas há alguns meses, e a recém nomeada secretária de Segurança Interna, Janet Napolitano, retirou o relatório e pediu desculpa por ele durante uma audiência sobre o orçamento no Congresso.
Mark Potok é um investigador do Centro Legal contra a Pobreza no Sul (SPLC, na sigla em inglês) que há anos vem investigando grupos de extrema-direita que incitam ao ódio e Frazier Glenn Miller, em particular. Potok afirmou a respeito do relatório: “Temos tido um verdadeiro problema com o Departamento de Segurança Interna, desde que foi divulgado à imprensa um relatório sobre grupos de extrema-direita em abril de 2009, pode dizer-se que o Departamento, de algum modo, se acobardou. Basicamente, destruíram a unidade de investigação do terrorismo nacional não islâmico”.
O Centro Legal contra a Pobreza no Sul foi co-fundado em 1971 pelo advogado de direitos civis Morris Dees. Nos anos 80, começou a apresentar processos em tribunal contra grupos da supremacia da raça branca. Representava clientes que tinham sido ameaçados, espancados ou perseguidos pelos grupos. Potok descreve assim Frazier Glenn Miller: “Foi um dos ativistas da supremacia da raça branca mais conhecidos no país durante muito tempo. Esteve ativo no movimento durante mais de 40 anos. Juntou-se a eles, era ainda adolescente muito jovem, participou em grupos como o Partido pelos Direitos dos Estados Nacionais, herdeiro do Partido Nazi dos Estados Unidos”. Miller formou o seu próprio ramo do Ku Klux Klan, que marchava em público vestindo uniforme militar. Relacionava-se com outro grupo da supremacia da raça branca, denominado The Order, que lhe deu 200.000 dólares dos mais de 4 milhões roubados em assaltos a bancos e carros blindados.
Depois de ser processado pelo SPLC, Frazier Glenn Miller chegou a acordo no tribunal, mas violou as condições do acordo e foi considerado culpado de desrespeito penal. Enquanto se encontrava em liberdade sob fiança, desapareceu e emitiu uma grosseira “Declaração de Guerra”, em que expressava a sua vontade de assassinar Morris Dees. Finalmente, foi preso. Potok disse-me: “Inicialmente, acusaram-no de conspiração, com acusações muito graves, em 1987, pelas quais poderia ter sido condenado a prisão durante 20 ou 30 anos. Mas, de fato, conseguiu um acordo com o governo federal e concordou em testemunhar contra … os seus companheiros. Isso teve como consequência uma condenação de apenas cinco anos, da quais unicamente cumpriu três”.
Frazier Glenn Miller cooperou com os promotores federais e testemunhou contra 13 líderes da supremacia da raça branca. Foi libertado da prisão e suspeita-se que recebeu ajuda do Programa federal de proteção de testemunhas, já que se mudou para o Nebraska e mudou o seu apelido para “Cross”. Frazier Glenn Miller, também conhecido como Frazier Glenn Cross, perdeu credibilidade entre os outros defensores da supremacia da raça branca e desapareceu da cena pública, relativamente. Concorreu a cargos políticos no Missouri em duas ocasiões e emitiu na rádio anúncios de campanha abertamente racistas. Finalmente, cometeu o massacre desta semana. Mark Potok aponta: “Talvez, se ele tivesse estado preso em todos estes anos, em vez de se converter em testemunha naquele julgamento, que terminou num fracasso total, não tivesse acontecido o que vimos em Kansas City no outro dia”.
Mark Potok e o Centro Legal contra a Pobreza no Sul encarregam-se de investigar o recente ressurgimento dos grupos de extrema-direita que incitam ao ódio. Quando o questionei sobre a perseguição que o FBI faz a grupos de defesa dos direitos dos animais e a grupos ambientalistas, respondeu: “A ideia de que os eco-terroristas, como lhe chamam, são a principal ameaça terrorista do país, é ridícula. Esta ideia foi, de fato, explicitada por vários líderes do FBI várias vezes no Congresso durante o Governo Bush. Acho que é algo absurdo. Ninguém foi assassinado por um ativista do movimento radical de defesa dos direitos dos animais nem do movimento ambientalista. É verdade que há grupos que estão envolvidos em coisas como largarem fogo a estabelecimentos concessionários de veículos utilitários, mas nunca morreu ninguém, e isso é um grande contraste com o que pessoas como Glenn Miller têm feito”. O SPLC publicará em breve um relatório que vincula membros registados em dois destacados fóruns na internet da supremacia branca com mais de cem homicídios nos Estados Unidos, só nos últimos cinco anos.
Enquanto os muçulmanos que respeitam a lei se veem forçados a esconder-se nas suas casas e os ativistas dos direitos dos animais são considerados terroristas por filmar de forma encoberta o tratamento abusivo nos estabelecimentos industriais de criação de gado, os extremistas de direita que incitam ao ódio têm liberdade para se organizarem, para se manifestarem, armarem até aos dentes e assassinarem com uma frequência assustadora. Já é hora da nossa sociedade enfrentar esta verdadeira ameaça.
Artigo publicado em Truthdig em 16 de abril de 2014. Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna. Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps e Inés Coira para espanhol. 
*Forum

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