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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, agosto 27, 2014

Crise aumenta prostituição de idosos na Coreia do Sul

COREANA
Mais de 400 mulheres entre 50 e 70 anos de idade circulam diariamente no parque Jongmyo, no coração de Seul, capital da Coreia do Sul, vendendo o corpo para sobreviver. Muitas não conseguem e, sem outra opção, cometem suicídio. Os dados e relatos deste texto foram extraídos do jornal New York Times e da BBC News, em Seul.
O parque Jongmyo foi construído em torno de um templo que homenageia o filósofo chinês Confúcio, cujas ideias sobre a veneração aos idosos foram centrais à cultura oriental durante séculos. Os coreanos viviam na certeza de que, um dia, quando chegassem à velhice, seriam cuidados por seus filhos.
Hoje, os tempos são outros. As novas gerações não têm condições de cuidar dos seus idosos, e o Governo não atende às necessidades mínimas da população. Não existe seguro-desemprego ou previdenciário e nem de saúde. Então, os homens e mulheres se veem sem poupança, sem uma aposentadoria que garanta o básico e sem uma família em que se apoiar. A taxa de pobreza na terceira idade, na Coreia do Sul, é de quase 50%, já que 70% dos aposentados recebem apenas 5% do salário médio.
Kim Eun-ja é uma entre as várias idosas coreanas que ganham a vida vendendo pequenas garrafas que contêm uma bebida chamada Bacchus, um energético muito comum entre os coreanos. Ela, aos 71 anos, usa batom vermelho e casaco da mesma cor. Segura uma sacola grande com a bebida que vende, além de se prostituir. Com frequência, essas senhoras também oferecem aos fregueses uma injeção especial que, supostamente, ajuda os clientes a conseguirem uma ereção. As agulhas usadas para essas injeções chegam a ser reutilizadas até 20 vezes. Como resultado, 40% dos homens que frequentam o parque estão infectados por várias doenças.
“Tenho 60 anos e não tenho dinheiro. Não posso contar com meus filhos. Eles também estão em apuros. Praticamente todas as pessoas idosas aqui neste parque estão na mesma situação”, afirma Kim. Outra senhora sentada no parque se desespera: “Estou com fome; não preciso de respeito, não preciso de honra, só quero fazer três refeições ao dia”.
Muitas idosas que não admitem vender o corpo para sobreviver comentem suicídio. Foi o caso de uma viúva, de 78 anos, que chocou a população: em vez de tirar a própria vida em casa, silenciosamente, como muitos sul-coreanos o fazem, a mulher fez de sua morte um ato final de protesto público contra uma sociedade que a abandonou. Ela bebeu pesticida durante a noite em frente à Prefeitura de Seul, após ter suspensos seus benefícios de assistência social, afirmando que não precisavam mais sustentá-la, agora que seu genro havia encontrado emprego. “Como podem fazer isso comigo?”, perguntava no bilhete de suicídio encontrado pela Polícia. “Uma lei deveria servir ao povo, mas ela não me protegeu”, dizia o bilhete.
As taxas de suicídio entre pessoas com mais de 65 anos subiram para 4.378, em 2010, contra 1.161 em 2000.
Mais uma cruel consequência do capitalismo
A situação da população da Coreia do Sul se agravou a partir de 1997 com a grave crise do capitalismo que abalou o Leste da Ásia, atingindo principalmente Coreia do Sul, Tailândia, Malásia e Indonésia.
Porém, o período crucial foi depois do programa de ajustamento imposto pelo FMI em troca de um financiamento de 54 bilhões de dólares. O país, então, empreendeu um conjunto de reformas. A maioria das empresas públicas foi privatizada, e as empresas privadas foram liberadas para despedir os trabalhadores em função da conjuntura de crise. Milhares de trabalhadores ficaram desempregados, o que levou a não poderem mais arcar com o sustento de seus pais.
Então, num parque onde essas senhoras deveriam passear, sentar nos bancos rodeados de árvores para ler um livro, conversar com as amigas, ou simplesmente sentir o calor do sol no corpo ou o pinicar da neve no rosto, elas são obrigadas a se despir da sua dignidade, do acalento espiritual que a idade propicia, para uma realidade que as leva a viver uma vida desregrada, agressiva, devastadora, um estupro físico e social na dura escolha entre a prostituição ou a morte.
Denise Maia, Rio de Janeiro
*AVerdade

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