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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, agosto 26, 2014

Europa começa a mudar enfoques da crise ucraniana

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Na foto: Piotr Poroshenko (foto de arquivo)

A crise ucraniana tem uma possibilidade de ser resolvida por via pacífica. Em 26 de agosto, será realizado um encontro multilateral entre os líderes da Rússia, Bielorrússia, Cazaquistão, Ucrânia e altos representantes da União Europeia.

Seria, porém, ingênuo supor que o caminho à paz seja seguido imediatamente. No entanto, o fato de conversações vem ilustrar sérias alterações nos enfoques do problema, assumidos agora por Kiev e outras capitais europeias.
O presidente Poroshenko está pronto a manter negociações com Moscou. Há algum tempo, ele preferia contatar, única e exclusivamente, com seus parceiros do Ocidente – a UE e os EUA. Diante disso, a Rússia era alvo de múltiplos ultimatos e provocações incessantes em forma de disparos contra a zona fronteiriça russa.
Mas o tempo de fanfarronadas passou. Kiev não consegue esmagar a resistência no Sudeste, enquanto a guerra fratricida vai inviabilizando a fraca economia ucraniana.
Uma tentativa de ultrapassar a crise à custa da UE fracassou. Um acordo de associação foi assinado, tendo criado muitos problemas. Os incentivos e benefícios fiscais, tarifas e princípios de interacção de Kiev com os países da União Aduaneira – a Rússia, a Bielorrússia, o Cazaquistão – serão revistos e cancelados. E essa é uma grande desvantagem. As vantagens existem só no papel, podendo ser palpáveis em um futuro distante.
Entretanto, Bruxelas deseja atenuar a tensão. Na reunião em Minsk Poroshenko será acompanhado pela baronesa Cathrine Ashton, alta representante da União para as Relações Exteriores e a Política de Segurança, pelo vice-presidente da Comissão Europa, comissário de energia, Guenther Oettinger, e o comissário de comércio, Karel Gucht. O seu objectivo comum é tanto ajudar Kiev, como receber garantias de não se envolver num abismo ao qual pode arrastá-los a Ucrânia. O presidente do fundo Politika, Viacheslav Nikonov, comenta:
“Os representantes europeus tentarão, com certeza, fazer recair o maior peso da economia ucraniana sobre a União Aduaneira, inclusive sobre a Rússia. É mais do que evidente que a UE não será capaz de carregar sozinha um pesadíssimo fardo chamado de “economia ucraniana decadente”. Para dizer verdade, a União nunca tentou fazê-lo. Parece-me que eles tentarão jogar um papel de solicitantes que atuem a partir das posições de força à luz das sanções antirrussas. Por outro lado, a UE já sentiu consequências das contramedidas russas relacionadas com à proibição à importação de alguns tipos de alimentos”.
Assim sendo, para a Rússia e outros membros da União Aduaneira, uma componente econômica das negociações tem sido muito importante. A operação punitiva contra a região de Donbass deve ser cessada imediatamente.
A catástrofe humanitária na região foi reconhecida por muitos políticos e organizações do Ocidente. Mas enquanto prosseguirem ataques de artilharia pesada, será impossível, por mais dinheiro que seja investido para o efeito, reconstruir o sistema de águas e esgotos, o fornecimento de energia eléctrica, padarias e hospitais demolidos.
Todavia, até hoje, os apelos de Poroshenko no sentido de alcançar a paz não se concretizaram, bem como as demais promessas das autoridades de Kiev. Em 17 de abril, os participantes do encontro em Genebra acordaram a urgente escalada da tensão no sudeste. Em foco estava a possibilidade de reforma constitucional, diálogo interétnico e a delegação de alguns poderes centrais para as regiões.
Mas nenhum desses pontos terá sido implementado. Mais tarde, após a tomada de posse, Poroshenko teria falado sobre uma nova Constituição e descentralização da Ucrânia. Hoje em dia, tudo fica na mesma.
Hoje, os parceiros da UE lembram a Kiev sobre suas promessas.
O vice-premiê da Alemanha, Sigmar Gabriel, disse que um conceito de federalização poderia ajudar a encontrar uma saída da situação de impasse. Disso falou também há dias Angela Merkel no âmbito da sua visita a Kiev. Em sua opinião, tal opção teria contribuído para o restabelecimento de paz no país.
E aqui não importará muito o nome – a descentralização do poder ou a federalização. O mais importante é fazer com que se respeitem os direitos de todos os ucranianos independentemente de nacionalidade, língua e religião.
No encontro de Minsk será possível chegar a uma solução consensual para estas questões. Claro que as partes estão dispostas a negociá-las, se necessário, por muito tempo. Mas o fato de Kiev e Bruxelas estarem prontas para as conversações com Moscou, Minsk e Astana demonstra que os políticos europeus estão mudando suas posições e atitudes para com muitos problemas pendentes.
*VozdaRússia

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