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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, agosto 11, 2014

Marilena Chauí: Sucessivos governos tucanos são responsáveis pela crise da USP


A filósofa Marilena Chauí afirmou na último ontem (8), em aula magna sobre a greve de funcionários e professores da Universidade de São Paulo (USP), na zona oeste de São Paulo, que a crise financeira e administrativa da universidade é resultado da “metamorfose da instituição social pública em organização operacional”.
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Na visão de Marilena, este tem sido o principal objetivo do governo do estado de São Paulo, administrado pelo PSDB há 20 anos. A professora criticou os governos tucanos ininterruptos no estado, e lembrou que lideranças do partido, originado em uma dissidência do PMDB, já governavam o estado muito antes do PSDB vencer eleições.
“Comecemos com a entrada deles no poder no governo Franco Montoro (PMDB), seguido por Orestes Quércia (PMDB), Luiz Antônio Fleury Filho (PMDB), Mário Covas (PSDB), José Serra (PSDB) e Chuchu Beleza [Alckmin]. Eles estão aí faz 30 anos! Eu quero alternância de governo! É claro que eu quero, porque, no que diz respeito a nós, vamos ver o que foi que foi feito da educação do estado nesses 30 anos.”
A greve de funcionários e professores da USP dura 73 dias. No último domingo (3), as ocupações realizadas pelo movimento enfrentaram a reintegração de posse de áreas como o restaurante universitário, institutos de ensino e o Centro de Práticas Esportivas (Cepe USP) pela Polícia Militar. O reitor, Marco Antonio Zago, anunciou nesta semana o corte de ponto de trabalhadores grevistas.
Segundo Marilena, a crise na universidade começou a ser gestada ainda nos anos 70, quando a USP abandonou o modelo de instituição social humanista, inserida no universo político e voltada à comunidade, e passou a assumir uma formação rápida e voltada aomercado de trabalho. Um boom de parcerias da universidade pública com o mundo empresarial na década de 1980 e a expansão de instituições de ensino privadas consolidaram, nas décadas seguintes, um modelo de administração neoliberal. Nele, a USP tem status de organização administrativa que, com gestão de recursos e índices de produtividade, busca estratégias de desempenho e eficácia e se articula com outras instituições públicas de ensino superior por meio da competição.
“O modelo tecnocrático de gestão voltado à sociedade de mercado dirige a universidade da mesma forma que administra uma montadora de automóveis ou uma rede de supermercados. USP, Volks, Walmart, Vale do Rio Doce são todas administradas da mesma maneira, porque tudo se equivale”, explicou a filósofa.
O aumento de horas-aula, a diminuição do tempo para mestrados e doutorados, aavaliação de estudantes e docentes por meio da quantidade de publicações, colóquios e congressos realizados e a multiplicação de cursos voltados à formação técnica são, para Marilena, evidências de que a formação da universidade é regida por normas alheias ao conhecimento, e que contribuem para a degradação interna e pública da USP.
A professora ainda aponta a privatização de direitos sociais – estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 – por governos neoliberais, como o de Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002), como uma das principais razões para a privatização e crise do ensino público. “Os direitos sociais como saúde, educação, liberdade de expressão, religiosa e sexual foram transformados em serviços não exclusivos do estado, que podem ser vendidos e comprados, pelo ideal neoliberal do estado mínimo.”
As mudanças no sistema de gestão da USP se deram, de fato, em 1996, quando o estado de São Paulo, governado por Mário Covas (PSDB, 1995-2001), adotou a agenda de mudanças no ensino público recomendada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para a reestruturação das universidades da América Latina e do Caribe. O tratado federal havia sido assinado em 1994, por Itamar Franco, e passava a tomar corpo pelos governos estaduais. De acordo com Marilena, as normas do BID para financiamento aplicavam ao ensino superior os mesmos critérios utilizados em qualquer outro investimento: custo benefício, eficácia e operância e produtividade. As universidades privadas são indicadas pelo banco como modelo para as instituições públicas.
“As universidades privadas, além de serem prestadoras de serviços a governos democráticos, são ágeis em termos evolutivos, adaptam-se a ambientes conflitantes e fazem muito do que as universidades públicas paquidérmicas, excessivamente politizadas, nunca fizeram ou nunca conseguem fazer ao longo do tempo. Nós vivemos em um mercado competitivo, é assim que pensam as universidades privadas e, por isso, ganham o seu próprio dinheiro e regem-se de forma autônoma”, diz o documento.
O texto do BID é, na visão da filósofa, o que rege, até hoje, a atuação do governo tucano naadministração da educação pública do estado de São Paulo. Marilena ainda citou que os termos de gestão operacional estão evidenciados em uma carta da reitoria enviada aos docentes da USP em 21 de julho. Nela, Zago afirma buscar “um novo modelo de gestão compartilhada, de modernização e de priorização da vida acadêmica”, além de reforçar que o “comprometimento orçamentário está muito acima dos recursos disponíveis”.
“A autonomia universitária que o governo do estado de São Paulo busca nada tem a ver com o sentido sociopolítico de universalização do conhecimento voltado à sociedade. Ela está ligada à gestão de receitas e despesas, metas, indicadores de desempenho econtratos de gestão”, reforça a filósofa.
*EntreFatos

Escrito por: Redação

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