Empresa militar israelense tem contrato com universidade brasileira
Durante
a ocupação da Reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), os estudantes elegeram como uma das reivindicações o
cancelamento do contrato da universidade com a empresa israelense
Elbit/AEL. Para entender o motivo desta luta, A Verdade publica o
depoimento dado ao jornal por Maren Mantovani, militante
internacionalista pelos direitos humanos e contra o massacre do povo
palestino. Maren está no Brasil, entre outras coisas, para denunciar os
crimes da empresa Elbit.
“Meu nome é Maren Montovani, trabalho pela
campanha contra o muro na Palestina. Somos uma organização, na
Palestina, que reúne os comitês populares dos locais afetados pelo muro
que Israel está construindo. E, para quem não sabe, desde 2002, Israel
constrói um muro alto de cimento em torno das cidades palestinas, dos
campos de refugiados, para roubar toda terra e recursos naturais dos
palestinos e deixá-los em guetos, sem possibilidade de ter uma vida
digna; é uma espécie de apartheid. Então a gente está se mobilizando e
lutando, a cada dia, contra esse muro, contra a ocupação e contra o
apartheid israelense, não só para que acabe esta ocupação, mas também
para que a maior parte dos refugiados palestinos possam voltar a suas
casas e para que se acabe com este racismo e colonialismo que Israel é e
representa.
Sou responsável pelas relações
internacionais dessa organização. Procuramos a solidariedade dos povos
do hemisfério sul. Todos estão sofrendo e lutando contra o colonialismo e
o imperialismo. Minha presença aqui no Brasil e na parte sul do mundo é
porque, hoje, este hemisfério – a América Latina e o Brasil, em
particular – está se tornando o motivo de vida de Israel, no sentido de
que Israel olha o Brasil como um mercado central capaz de financiar suas
políticas criminosas. De fato, o Brasil é o 5º maior importador de
armas israelenses, um dos mercados mais importantes para as
multinacionais de lá.
Esta luta que estamos fazendo junto com os
estudantes da UFRGS não é para nada periférico no enfrentamento a esse
projeto colonial israelense que está matando o povo palestino. A América
Latina tem uma luta em comum com a Palestina, porque Israel, há
décadas, está armando a repressão e as ditaduras. Não tem ditadura da
América Latina que não tenha sido apoiada por Israel, não há governo
repressor que não tenha sido armado por Israel. As relações militares
entre Brasil e Israel são relações contra os direitos e os interesses do
povo brasileiro. Não é casual que as técnicas repressivas israelenses
estejam sendo exportadas agora para os policiais brasileiros desde o
golpe de 64.
Mas este contrato do qual quero falar,
esta campanha contra a Elbit, já tem uma história. Em 2007, iniciou-se a
campanha contra a Elbit, uma empresa israelense de tecnologia militar. É
essa empresa que está construindo o muro na Palestina. Quem está
produzindo as armas e bombas israelenses que estão matando os palestinos
em Gaza e que também são exportadas? Essa tecnologia militar de
repressão, de racismo e exclusão, em todo o mundo; o muro que os EUA
estão construindo no México, quem está executando? A Elbit.
Então vamos adiante. Aqui, está
construindo um satélite militar junto com as universidades do Rio Grande
do Sul e o Governo do Estado. Esse acordo está sendo denunciado desde o
início, por toda a sociedade e todos os partidos palestinos, como algo
que diretamente financia a repressão do povo palestino. Este é apenas um
dos contratos; o mais importante é perceber que esta é a primeira vez
que uma empresa israelense está liderando um projeto estratégico militar
no Brasil. Façam uma análise dessas relações militares entre Brasil e
Israel e vocês vão ver que, de todo gasto militar que o Brasil faz agora
com rearmamento, quase nenhum é para projeto militar que não tenha
tecnologia israelense. Significa que vocês não têm mais soberania
nacional, em nível de defesa.
Quem quer defender um Brasil forte e
armado tem também que se dar conta de que este país é completamente
dependente de Israel. Se Israel não der mais sua tecnologia ou mesmo
manutenção, vocês não terão mais aviões militares, não terão mais os
radares da marinha, etc. Então vocês não têm mais uma independência,
nesse sentido. O Brasil, por exemplo, não pode mais vender suas armas à
Venezuela e à Bolívia, pois a tecnologia dessas armas são da Elbit, e
Israel proíbe o Brasil de vendê-las. Ao mesmo tempo, o Brasil quer
desenvolver estratégias em conjunto com o Conselho Sul-Americano de
Defesa. É fantástico, mas eu quero ver como fará isso, se não está
desenvolvendo sua defesa autonomamente, e hoje é Israel quem pode
decidir sobre essas questões estratégicas de defesa do Brasil.
O que estamos pedindo aqui não é nada
revolucionário. É uma pauta que basicamente pede cumprimento do que é
lei internacional. Na Constituição do Brasil diz claramente que os
direitos humanos devem prevalecer nas relações internacionais – e a lei
internacional é bastante clara, sobretudo no caso do muro e sobre quem o
está construindo. Temos a decisão da Corte Internacional de Justiça, a
qual, desde 2004, diz que não somente o muro é ilegal, mas que todos os
Estados têm obrigação de não ajudar na sua construção e na manutenção da
situação criada por ele.
Ora, se eu financio a empresa que está
construindo o muro, estou ajudando a construí-lo, e essa é uma lógica
basilar. Em 2007, por exemplo, o Governo da Noruega retirou todos os
seus investimentos e acordos com a Elbit, e dez outros países fizeram a
mesma coisa. Então, o que estamos pedindo, na verdade, não é a
revolução, e sim que não se violem os direitos humanos que vocês já
conquistaram. Portanto, tudo o que precisamos é que alguém tenha a
coragem de dizer “não queremos contrato”. Assim, retiraremos estas
universidades deste negócio sujo.
É evidente que este contrato não visa a um
avanço tecnológico, e sim a uma política de morte, de repressão e de
apartheid. Não se trata só de uma privatização da pesquisa
universitária, mas da dependência de uma das empresas mais sujas que
existem neste país. Se existe um governo que também não é
revolucionário, mas é um pessoal social-democrático, que diz não querer
trabalhar com esta empresa, eu espero que uma instituição como a UFRGS
possa tomar pelo menos a mesma decisão, o mesmo posicionamento das
Nações Unidas e do Governo da Noruega.
Para concluir, queremos agradecer toda a
solidariedade que estamos recebendo. É muito lindo estarmos juntos nesta
ocupação da Reitoria, porque se vê como as lutas se unem. Que a luta
por uma universidade mais transparente e mais democrática, por uma
universidade que seja dos estudantes e não das multinacionais, está
conectada e encaixada perfeitamente com a luta do povo palestino.
Juntos, vamos vencer, e obrigada novamente pela solidariedade!”
Felipe Aiub e Queops Damasceno, militantes da UJR, Porto Alegre
*AVerdade
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