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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, agosto 30, 2014

Empresa militar israelense tem contrato com universidade brasileira

Durante a ocupação da Reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), os estudantes elegeram como uma das reivindicações o cancelamento do contrato da universidade com a empresa israelense Elbit/AEL. Para entender o motivo desta luta, A Verdade publica o depoimento dado ao jornal por Maren Mantovani, militante internacionalista pelos direitos humanos e contra o massacre do povo palestino. Maren está no Brasil, entre outras coisas, para denunciar os crimes da empresa Elbit.
“Meu nome é Maren Montovani, trabalho pela campanha contra o muro na Palestina. Somos uma organização, na Palestina, que reúne os comitês populares dos locais afetados pelo muro que Israel está construindo. E, para quem não sabe, desde 2002, Israel constrói um muro alto de cimento em torno das cidades palestinas, dos campos de refugiados, para roubar toda terra e recursos naturais dos palestinos e deixá-los em guetos, sem possibilidade de ter uma vida digna; é uma espécie de apartheid. Então a gente está se mobilizando e lutando, a cada dia, contra esse muro, contra a ocupação e contra o apartheid israelense, não só para que acabe esta ocupação, mas também para que a maior parte dos refugiados palestinos possam voltar a suas casas e para que se acabe com este racismo e colonialismo que Israel é e representa.
Sou responsável pelas relações internacionais dessa organização. Procuramos a solidariedade dos povos do hemisfério sul. Todos estão sofrendo e lutando contra o colonialismo e o imperialismo. Minha presença aqui no Brasil e na parte sul do mundo é porque, hoje, este hemisfério – a América Latina e o Brasil, em particular – está se tornando o motivo de vida de Israel, no sentido de que Israel olha o Brasil como um mercado central capaz de financiar suas políticas criminosas. De fato, o Brasil é o 5º maior importador de armas israelenses, um dos mercados mais importantes para as multinacionais de lá.
Esta luta que estamos fazendo junto com os estudantes da UFRGS não é para nada periférico no enfrentamento a esse projeto colonial israelense que está matando o povo palestino. A América Latina tem uma luta em comum com a Palestina, porque Israel, há décadas, está armando a repressão e as ditaduras. Não tem ditadura da América Latina que não tenha sido apoiada por Israel, não há governo repressor que não tenha sido armado por Israel. As relações militares entre Brasil e Israel são relações contra os direitos e os interesses do povo brasileiro. Não é casual que as técnicas repressivas israelenses estejam sendo exportadas agora para os policiais brasileiros desde o golpe de 64.
Mas este contrato do qual quero falar, esta campanha contra a Elbit, já tem uma história. Em 2007, iniciou-se a campanha contra a Elbit, uma empresa israelense de tecnologia militar. É essa empresa que está construindo o muro na Palestina. Quem está produzindo as armas e bombas israelenses que estão matando os palestinos em Gaza e que também são exportadas? Essa tecnologia militar de repressão, de racismo e exclusão, em todo o mundo; o muro que os EUA estão construindo no México, quem está executando? A Elbit.
Então vamos adiante. Aqui, está construindo um satélite militar junto com as universidades do Rio Grande do Sul e o Governo do Estado. Esse acordo está sendo denunciado desde o início, por toda a sociedade e todos os partidos palestinos, como algo que diretamente financia a repressão do povo palestino. Este é apenas um dos contratos; o mais importante é perceber que esta é a primeira vez que uma empresa israelense está liderando um projeto estratégico militar no Brasil. Façam uma análise dessas relações militares entre Brasil e Israel e vocês vão ver que, de todo gasto militar que o Brasil faz agora com rearmamento, quase nenhum é para projeto militar que não tenha tecnologia israelense. Significa que vocês não têm mais soberania nacional, em nível de defesa.
Quem quer defender um Brasil forte e armado tem também que se dar conta de que este país é completamente dependente de Israel. Se Israel não der mais sua tecnologia ou mesmo manutenção, vocês não terão mais aviões militares, não terão mais os radares da marinha, etc. Então vocês não têm mais uma independência, nesse sentido. O Brasil, por exemplo, não pode mais vender suas armas à Venezuela e à Bolívia, pois a tecnologia dessas armas são da Elbit, e Israel proíbe o Brasil de vendê-las. Ao mesmo tempo, o Brasil quer desenvolver estratégias em conjunto com o Conselho Sul-Americano de Defesa. É fantástico, mas eu quero ver como fará isso, se não está desenvolvendo sua defesa autonomamente, e hoje é Israel quem pode decidir sobre essas questões estratégicas de defesa do Brasil.
O que estamos pedindo aqui não é nada revolucionário. É uma pauta que basicamente pede cumprimento do que é lei internacional. Na Constituição do Brasil diz claramente que os direitos humanos devem prevalecer nas relações internacionais – e a lei internacional é bastante clara, sobretudo no caso do muro e sobre quem o está construindo. Temos a decisão da Corte Internacional de Justiça, a qual, desde 2004, diz que não somente o muro é ilegal, mas que todos os Estados têm obrigação de não ajudar na sua construção e na manutenção da situação criada por ele.
Ora, se eu financio a empresa que está construindo o muro, estou ajudando a construí-lo, e essa é uma lógica basilar. Em 2007, por exemplo, o Governo da Noruega retirou todos os seus investimentos e acordos com a Elbit, e dez outros países fizeram a mesma coisa. Então, o que estamos pedindo, na verdade, não é a revolução, e sim que não se violem os direitos humanos que vocês já conquistaram. Portanto, tudo o que precisamos é que alguém tenha a coragem de dizer “não queremos contrato”. Assim, retiraremos estas universidades deste negócio sujo.
É evidente que este contrato não visa a um avanço tecnológico, e sim a uma política de morte, de repressão e de apartheid. Não se trata só de uma privatização da pesquisa universitária, mas da dependência de uma das empresas mais sujas que existem neste país. Se existe um governo que também não é revolucionário, mas é um pessoal social-democrático, que diz não querer trabalhar com esta empresa, eu espero que uma instituição como a UFRGS possa tomar pelo menos a mesma decisão, o mesmo posicionamento das Nações Unidas e do Governo da Noruega.
Para concluir, queremos agradecer toda a solidariedade que estamos recebendo. É muito lindo estarmos juntos nesta ocupação da Reitoria, porque se vê como as lutas se unem. Que a luta por uma universidade mais transparente e mais democrática, por uma universidade que seja dos estudantes e não das multinacionais, está conectada e encaixada perfeitamente com a luta do povo palestino. Juntos, vamos vencer, e obrigada novamente pela solidariedade!”
Felipe Aiub e Queops Damasceno, militantes da UJR, Porto Alegre
*AVerdade

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