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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, agosto 22, 2014

O Amarildo americano e as esperanças para um mundo menos desigual

Nos últimos dias, a cidade norte-americana de Ferguson, no Estado do Missouri, tem vivido a rotina de intensa mobilização e protesto, após o jovem negro Michael Brown ser alvejado e morto por um policial. Ele estava desarmado, mas isso não impediu o disparo de seis tiros.
O início dos protestos, com o chamado “Don’t shoot me” (Não atirem em mim – foto abaixo), foi marcado por situações semelhantes às ocorridas por aqui – tiro, bomba e policiais sem identificação, fatos estes que continuam ocorrendo. No entanto, alguns detalhes sociais e geopolíticos tornaram o caso tão rumoroso a ponto do Presidente Barack Obama vir a público condenar a truculência policial e dar razão à causa da manifestação.
michael brown
As diferenças entre os EUA e o Brasil no aspecto do racismo começa nos meios de poder. Em que pese ambas comunidades negras sofrerem com a discriminação, os norte-americanos, ao contrário do Brasil, tiveram mais acesso à condição econômica, ainda que precariamente. Matar um negro lá mobiliza mais o poder econômico do que matar um negro aqui. No caso de Brown, pouco tempo depois se tornou capa e editorial dos maiores meios de comunicação no país.
amarildoAmarildo, por exemplo, poderia ser tratado como o Michael Brown Brasileiro, pela repercussão que teve comparado a outros assassinatos. Entretanto, embora seu caso fosse igualmente ou mais absurdo ao americano, muito teve que se gritar na Rua para que ao menos virasse tema de pauta, pois é desinteressante do ponto de vista dos meios brasileiros de poder, um negro desaparecer em uma viatura. Em uma busca pela internet, precisa procurar muito para encontrar alguma autoridade que se pronunciou sobre o desaparecimento do pedreiro, em que pese intensa campanha de denúncia em redes sociais.
Da mesma forma, dificilmente uma morte de um negro brasileiro por um policial venha a mobilizar e pautar mudanças, enquanto os donos do poder continuarem julgando-a desinteressante. Nesse sentido, tiveram vários outros que comoveram, mas não pautaram o sistema político – Cláudia, arrastada pela viatura, ou Douglas, personagem do “Porque você atirou em mim?”.
A desigualdade entre negros e brancos atrasa e barra o combate ao racismo. O acesso do negro norte-americano ao poder econômico o permite a realizar ações impossíveis por aqui. Um exemplo recente é o filme “12 anos de escravidão”, o qual denuncia duramente o racismo e genocídio histórico perpetrado por colonizadores brancos. Ao passo que o vídeo lá obtém visualização mundial, o outro lado da história, mais sombrio e sangrento, começa a ser contada e um importante passo rumo à sociedade mais justa é dada.
De outro lado, a indústria cinematográfica revela a outra face que torna o caso Michael Brown mais rumoroso. No contexto geopolítico, tudo que acontece nos EUA é mais alardeado do que se acontecesse no Brasil. Em outras palavras, a atenção midiática mundial é maior lá, país que domina culturalmente os demais. Esses dados são interessantes para desvendar, por exemplo, como Brown é impactante e coloca todas os governos do mundo assistindo apreensivamente os desdobramentos do caso.
Considerando essa série de fatores, ao passo que o genocídio negro se torna pauta mundial, há esperanças de que negros por aqui parem de sumir todos os dias, ou, no mínimo, quando isso acontecer, que ninguém mais durma até que possamos todos viver em harmonia.
Dont shoot me
Foto Amarildo: Fernando Frazão/Agência Brasil
 *AdvogadosAtivistas

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