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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, agosto 27, 2010

Medo da Paz






MEDO DA PAZ


A PROPOSTA DE PAZ DAS GUERRILHAS

Laerte Braga

A posse do novo presidente da Colômbia trouxe uma conseqüência imediata ao processo político daquele país atormentado por uma longa guerra civil. FARC-EP (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército Popular) e agora o ELN (Exército de Libertação Nacional) – colocaram o ingrediente negociações, acordo de paz para por fim ao conflito que dura desde 1964.

O governo anterior de Álvaro Uribe recusou toda e qualquer proposta de negociação e pôs em prática uma violenta ofensiva contra a guerrilha como um todo, gerando em determinados momentos situações que extrapolaram os limites territoriais da Colômbia, como o bombardeio em território equatoriano contra um acampamento de estudantes de vários países latino-americanos onde estava Raul Reyes (então o segundo homem das FARC-EP).

Em sua última semana de governo Uribe acusou a Venezuela de abrigar guerrilheiros em seu território e de permitir que ali funcionassem campos de treinamento.

Juan Manuel Santos, sucessor de Uribe, foi ministro da Defesa e comandante das políticas repressivas tanto contra as guerrilhas, como contra movimentos sindicais e populares. Atropelado pelo antecessor não manifestou ainda de forma clara disposição para negociar com a guerrilha.

O Departamento antidrogas do governo dos EUA divulgou há cerca de dois anos documentos que vinculam a trajetória política de Álvaro Uribe ao traficante Pablo Escobar (boliviano), desde os tempos de prefeito de uma cidade no interior do país. Isso não impediu o governo do presidente George Bush, à época, de definir a guerrilha como movimento “terrorista”.

A Organização das Nações Unidas classifica as FARC-EP e o ELN como “movimentos insurgentes”.

Outra conseqüência que vai tornar o governo de Juan Manuel Santos num difícil exercício de sobrevivência foi a decisão da corte suprema da Colômbia, de considerar ilícitos os acordos firmados com os EUA para a instalação de bases militares no país. Segundo a corte suprema os acordos são nulos, pois não foram seguidos os preceitos constitucionais para que sejam validados.

Ou seja, não foram discutidos e aprovados pelo Congresso Nacional colombiano e outras instâncias de poder. Vale dizer que as bases norte-americanas na Colômbia são ilegais aos olhos da lei colombiana. Ou ainda que, na prática, significam ocupação militar de parte do território da Colômbia por uma nação estrangeira.

No governo de Belizário Betancur Quartas (agosto de 1982 a agosto de 1986) um acordo de paz foi celebrado entre a guerrilha e o governo central.

Transformadas em partido político as forças guerrilheiras elegeram vários prefeitos, vereadores, deputados departamentais, federais e senadores. Perto de três mil dentre os eleitos e seguidores das guerrilhas transformadas em partidos foram assassinados por forças militares e paramilitares, controladoras do tráfico de drogas no país.

O acordo foi jogado fora e ressuscitadas as forças de luta popular. Controlam, hoje, cerca de um terço do território da Colômbia, lugares de difícil acesso (as regiões de selva) e interferem diretamente em vários departamentos do país.

A eleição de um governo não submisso a Washington, o do presidente Chávez na Venezuela, transformou a Colômbia em país chave para os interesses dos EUA na América do Sul (como Honduras na América Central, onde está a maior base militar norte-americana em toda a América Latina, escola de golpes para oficiais de forças armadas latino-americanas). Essa condição aumentou ainda com a eleição de Evo Morales na Bolívia e Rafael Corrêa no Equador.

A posição dos governos brasileiro e argentino, os dois maiores países da América do Sul, de eqüidistância do conflito, mas presente na busca de negociações de paz (o que contraria os EUA), torna a Colômbia, praticamente, numa grande base militar pronta a intervir em qualquer canto dessa parte do mundo se assim o fizer necessário e em função de interesses de uma nação que é, cada vez mais, um conglomerado de empresas, bancos e grupos sionistas.

Em vários momentos o governo brasileiro conseguiu intervir nos conflitos entre Colômbia e Venezuela, antecipando-se à costumeira prerrogativa de Washington de decidir qualquer assunto na América Latina. Essa intervenção serviu para frustrar tanto tentativas de golpes contra Chávez, como ações criminosas do governo Uribe.

A guerrilha não é o único problema de grande monta na Colômbia. A presença de forças paramilitares ligadas ao latifúndio e ao tráfico (são os verdadeiros controladores da produção, refino e exportação de cocaína) gera perto de mil assassinatos de lideranças civis por ano e milhares ao longo de todos esses anos de luta política, de guerra civil, criando um inferno como definido pela senadora Piedad Córdoba, uma das principais defensoras de negociações com a guerrilha e opositora das políticas de confronto direto do ex-presidente Uribe.

A não ser feitos midiáticos, ou seja, produzidos pela mídia privada em países da América Latina, a debilidade da guerrilha, anunciada em prosa e verso é uma falácia. Nos oito anos de mandato de Uribe não foi possível eliminar nem as FARC-EP e nem o ELN, contrariando todo o “noticiário oficial” vendido pela mídia privada. Nem mesmo o assassinato de líderes dos movimentos, em operações coordenadas pela inteligência norte-americana.

A Colômbia é hoje a grande colônia dos EUA na América Latina.

A paz não interessa às elites colombianas. São elas que controlam os “negócios” num país com profundas desigualdades sociais. São elas as grandes beneficiárias do narcotráfico, são elas as donas dos grandes cartéis da droga.

Uma espécie de Chicago dos tempos de Capone multiplicada a uma potência determinada, que resulte no tamanho da Colômbia, ou da Colômbia dirigida pelo chamado governo central.

A preocupação com o narcotráfico não é a maior de norte-americanos e nem das elites colombianas.

O controle da América do Sul, o monitoramento de governos considerados hostis como os da Venezuela, Equador e Bolívia e independentes, como os do Brasil e da Argentina, esse sim, é o objetivo maior. A Colômbia é estratégica para as tentativas de transformar a Amazônia no paraíso dos EUA, ou abrir caminho para o chamado cone sul, onde se localiza o quinto maior aqüífero subterrâneo do mundo, o Guarani, além de uma das maiores colônias de imigrantes palestinos também em todo o mundo.

Se não há um isolamento efetivo da Colômbia por parte dos demais países latino-americanos, há um distanciamento das políticas totalitárias de Uribe, tanto quanto uma expectativa dos dias futuros do governo Santos.

A aposta norte-americana, por exemplo, na eleição de um candidato de direita no Brasil, José Serra, esvai-se a cada dia e torna o principal país latino-americano, hoje com ares efetivos de potência mundial, num obstáculo a esses interesses do conglomerado empresarial e terrorista EUA/Israel.

Organizações de direitos humanos em todo o mundo têm feito sistemáticas denúncias contra as políticas opressoras e bárbaras das forças armadas e policiais da Colômbia.

Há prêmios em dinheiro estipulados pelo governo central por guerrilheiro morto e isso leva militares e policiais a assassinarem camponeses em regiões no interior do país, apresentando-os como guerrilheiros.

Há disputas entre as quadrilhas que formam os grupos paramilitares pelos “negócios” da droga e em torno de tudo isso, um consentimento tácito dos EUA, tanto à época de Bush, como agora com Obama, por essa situação.

O desafio de um acordo de paz efetivo na Colômbia não passa pelos Estados Unidos e muito menos pela OEA – Organização dos Estados Americanos -, controlada por Washington.

É um desafio para o povo colombiano – desejoso de paz, do fim da guerra civil – e dos povos dos países latino-americanos.

Como se vê, algo difícil de se materializar em curto prazo.

O que está em jogo são os bilhões de dólares dos “negócios” da droga e esses estão encastelados no palácio do governo, nas forças armadas e forças policiais, nas elites formadas por banqueiros, latifundiários e grupos industriais, todos controlados de perto ou de longe por interesses de semelhantes nos EUA.

A proposta das FARC-EP e agora do ELN (último movimento guerrilheiro fundado por Chê Guevara), ambas, com certeza, serão desqualificadas e dificultadas pelo governo Santos, mesmo porque Juan Manuel Santos, até que consiga superar as barreiras criadas por Uribe, o poderoso chefão e de quem foi ministro, não preside a Colômbia, tem o título simbólico de presidente. Pode a qualquer tempo e hora ser varrido do mapa, como foi Zelaya em Honduras, se contrariar os “donos”.
para publicação no Diário da Liberdade
http://redecastorphoto.blogspot.com/2010/08/proposta-de-paz-das-guerrilhas-o-medo.html

Oliver Stone: A América Latina quer falar a uma só voz


O novo documentário de Oliver Stone, “A sul da fronteira”, narra o aparecimento de uma série de governos progressistas na América Latina, a sua busca de transformação social e política no continente e a crescente independência de Washington.

Embora não se possa meter tudo no mesmo saco, como Oliver Stone faz com a promoção dos governos Kirchner a progressistas, quer o filme “A Sul da Fronteira” quer esta entrevista são contributos para romper o cerco da central de desinformação comandada por Washington. Além de Stone, Tariq Ali, co-roteirista do documentário, também é ouvido na entrevista. Confira.
Roberto Navarrete:
Você fez três filmes sobre a América Latina, dois deles sobre Fidel. O que o levou a fazer este novo documentário sobre a América Latina?
Oliver Stone: Não te esqueças, além disso, de “Salvador” em 1986. Foi sobre El Salvador, na América Central, uma tragédia. De forma que voltei. Gosto da América Latina, vejo a América do Sul como o setor socialmente mais débil nesta situação.
Como cineasta, tendo a fazer filmes sobre as pessoas que não recebem tratamento justo. Creio que o que se está a passar está mal. Conheci Chávez em 2007, depois voltei em 2008 e ele disse-me: “não fique só com a minha versão, vá falar com os meus vizinhos”. Fiz isso com uma pequena equipe, e estivemos com sete presidentes em seis países.
Perguntava-me: porquê tanta confusão? Porque fazemos tanto barulho com o Chávez? Algo cheira mal em tudo isto. Quando os Estados Unidos mostram tanto zelo por destruir alguém, como já sucedeu várias vezes na América do Sul e na América Central, é evidente que há uma motivação. Estamos à procura dessa motivação.
Roberto Navarrete: Os principais meios de comunicação dos EUA foram bastante críticos com o seu filme. Isso o surpreendeu?
Oliver Stone:
Não, estou surpreendido por termos sido capazes de chegar onde chegamos. Conseguimos a distribuição em salas de cinema e depois se verá se na televisão. As pessoas vão ver o filme. Haverá sarilho em perspectiva, porque quando o New York Times diz “não vejam este filme” está fazendo lobby contra ele.
Tariq Ali: Isso pode ter também um efeito contrário. Muita gente vai dizer: “Pela forma como estão a falar, quer dizer que há aqui algo de interessante”. Anima as pessoas a irem ver.
Roberto Navarrete: É mais preocupante quando a opinião de meios considerados liberais, como o “Village Voice”, foi tão negativa.
Oliver Stone: O “Village Voice” esteve durante anos a fazer isso. Para mim, não é uma organização liberal, mas pseudo-liberal. Pode-se discutir bastante sobre o que é ser liberal ou progressista nos Estados Unidos.
Roberto Navarrete: É como o “The Guardian” aqui em relação à Venezuela?
Tariq Ali: O correspondente do “The Guardian” na Venezuela vive num bairro residencial a leste de Caracas e os seus relatórios sobre a vida na Venezuela são totalmente enviesados.
Roberto Navarrete: Você parece fascinado pelo carisma dos caudilhos da América Latina, como Fidel Castro e Hugo Chávez. Mas a América Latina é também o berço de grandes movimentos sociais que durante muito tempo têm lutado pela mudança. Como vê a relação entre os dois, por um lado os dirigentes e por outro lado os movimentos sociais?
Tariq Ali: Estes líderes não estariam no poder se não fosse pelos movimentos sociais. Existe um vínculo entre os dois. Os movimentos sociais na Bolívia ajudaram a criar o Movimento para o Socialismo, partido de Evo Morales que o catapultou para o poder.
Os grandes movimentos sociais contra o FMI na Venezuela, que levaram ao massacre do “Caracazo” em que três mil pessoas morreram, deram origem a Chávez. Os mesmos movimentos se produziram no Equador e no Paraguai. Por isso, não vejo uma grande divisão. Cada um depende do outro.
Essa brecha existe em grande parte no Ocidente, onde os movimentos sociais se extinguiram por não terem sido capazes de lograr fosse o que fosse. Os movimentos sociais já quase não existem na Europa Ocidental. Em países como a Itália, que teve enormes movimentos sociais, já desapareceu tudo. Na América do Sul, uma das razões porque perduraram é porque conseguiram algo, não uma grande mudança, mas algumas reformas estruturais no sistema.
Oliver Stone: Acrescentaria o seguinte: não só gosto dos caudilhos ou homens fortes, que não são o mesmo que ditadores, já que no caso de Chávez ele foi evidentemente eleito, como admiro muito Néstor Kirchner, um intelectual com vontade de fazer alguma coisa, porque os intelectuais tendem a perder a sua força de vontade.
Kirchner foi suficientemente forte para levar a cabo uma reforma baseada no seu próprio pensamento sobre a reforma econômica. É para mim um brilhante exemplo de herói. Ele mesmo o disse no documentário: “O meu amigo Hugo deve pensar num sucessor”, porque quando tudo assenta num só homem, pode chegar a ter um efeito contra-producente e creio que este é o problema que Hugo vai enfrentar no futuro. Aparece demais nas notícias. É demasiado controverso. Então, centram a discussão em Hugo Chávez, em vez de fazerem uma discussão sobre as posições de direita e de esquerda na América Latina.
Roberto Navarrete: No teu filme, também há uma entrevista com Lula, que não tem a mesma política de esquerda que os outros, mas que em termos de política internacional, integração da América Latina, é muito importante. Pareceria que algumas pessoas de esquerda tendem a perder de vista o panorama geral sobre para onde vão as coisas no continente.
Oliver Stone:
Sim, é por isso que os incito e digo às pessoas: pensem no contexto geral. Alguns perdem-se nas miudezas e acabam comendo-se uns aos outros.
Roberto Navarrete: Por que você acredita que uma pessoa como Chávez tem tão má imagem nos Estados Unidos, enquanto presidentes como Uribe, supostamente envolvido em problemas de paramilitarismo, relacionado com o tráfico de drogas na Colômbia e em violações dos direitos humanos numa escala sem precedentes na América Latina, é apresentado com uma boa imagem na imprensa?
Tariq Ali: Isso deve-se a que a Colômbia e Uribe são aliados dos Estados Unidos, trabalham com eles, participaram em ações iniciadas pelos Estados Unidos na região e isso sempre foi assim. Sempre foi assim no passado. Por que derrubaram Allende? Por que apoiaram Pinochet? Essa mesma política, hoje de maneira diferente, continua no entanto em curso.
Odeiam Chávez, não apenas porque os ataca frontalmente, mas também além disso por ser o presidente eleito do país com as maiores reservas de petróleo do continente, significando o petróleo muito para eles. Como muitos dos jornalistas dizem, se Chávez estivesse no Paraguai, não o odiariam tanto. Mas a razão porque o odeiam é por estar utilizando o petróleo e contra eles e por estar a dar acesso ao petróleo a outras repúblicas bolivarianas.
Os cubanos conseguiram aguentar-se fazendo um intercâmbio de petróleo por médicos. Odeiam-no porque quebrou o isolamento dos cubanos e permitiu que se ajudem uns aos outros, porque agora a América Latina quer falar a uma só voz. É isso que este filme mostra, isso não tinha sucedido nunca antes. Pela primeira vez, os líderes que não estavam de acordo uns com os outros uniram-se e disseram aos Estados Unidos: basta, já chega e não recuamos.
* Roberto Navarrete é editor de www.alborada.net, sitsite sobre política, meios de comunicação e cultura na América Latina.
Fonte: odiario.info

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