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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, novembro 27, 2010

Enquanto o Rio avança São Paulo retrocede:

Enquanto o Rio avança São Paulo retrocede:

Sob regimento da época da ditadura, USP ameaça expulsar 21 estudantes

A Universidade de São Paulo está movendo um processo administrativo contra estudantes que participaram da ocupação da Reitoria, em 2007, e da Coordenadoria de Assistência Social (Coseas), em março desse ano. 

Por André Rossi
[26 de novembro de 2010 - 17h38]
A Universidade de São Paulo (USP) está movendo um processo administrativo contra 21 estudantes que participaram da ocupação da Reitoria, em 2007, e da Coordenadoria de Assistência Social (Coseas), em março desse ano. A instituição intimou todos a prestarem depoimento; quatro foram ouvidos no último dia 23 e os dezessete restantes serão ouvidos no próximo dia 30.

Os estudantes são acusados de infringirem o artigo 247 do decreto nº 52.906, datado em 27 de março de 1972, que integra o Regimento Geral da USP, o “Antigo Regimento”, que proíbe “praticar ato atentatório à moral e aos bons costumes”, “perturbar os trabalhos escolares e a administração da universidade” e “atentar contra o nome e a imagem da universidade”. Caso sejam condenados, a punição para os alunos vai de uma advertência verbal à eliminação permanente – expulsão. Eles serão julgados por uma comissão sindicante composta por professores e outros funcionários da instituição, que julgam casos de transgressão ao regimento interno.
O decreto nº 52.906 foi redigido durante o Regime Militar pelo ex-diretor da USP Luís Antônio Gama e Silva, então ministro da Justiça e, além disso, redator do Ato Institucional número 5. Porém, em contrapartida à revogação do AI-5, em 1978, o decreto do “Antigo Regimento” que sustenta as acusações da USP contra os estudantes ainda vigora, com punição para quem “promover manifestação ou propaganda de caráter político-partidário, racial ou religioso, bem como incitar, promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares; afixar cartazes fora dos locais”.
Em 2007, alunos da USP ocuparam o prédio da Reitoria da universidade reivindicando a revogação dos decretos assinados na posse do então governador José Serra (PSDB) - que quebravam a autonomia administrativa das universidades -, a contratação de professores e ampliação no número de moradias. E em março deste ano, o Conjunto Residencial da universidade, o CRUSP, também foi palco de ocupação por parte de alunos que pleiteavam um maior número de vagas para estudantes de fora de São Paulo.
Gustavo Seferian, advogado, estudante de História e pós-graduando em Direito do Trabalho na USP, soube do caso por meio de seu orientador da pós, o professor e jurista Jorge Luiz Souto Maior, e se envolveu como advogado de defesa dos estudantes que ocuparam o Coseas. Para ele, o regimento da USP não segue na esteira do atual sistema jurídico brasileiro. “Muito embora o regimento ainda tenha validade, ele está fora do contexto das mudanças promovidas pela Constituição de 1988. Ele não compatibiliza com o sistema jurídico brasileiro na sua completude, que respeita o pluralismo político e o direito à livre expressão política”, disse. “Está claro que o sistema avisa punir os alunos por conta de suas atuações políticas”, completou.
Sobre a possibilidade de expulsão permanente dos estudantes processados, Seferian acredita que a decisão pode representar um retrocesso para a luta pela democracia nas universidades do país. “Caso isso venha a acontecer, vai representar um grande retrocesso não só para o movimento estudantil como para as instituições públicas, inseridas em um país norteado por um regime democrático de direito, e a USP tem um papel simbólico nessa luta”, declarou.
Para Nathalie Drumond, diretora do Diretório Central dos Estudantes da USP (DCE/USP), a ação da Comissão Sindicante tem como objetivo conter o movimento estudantil. “A intenção da Comissão é incriminar a ação dos estudantes que realmente querem melhorias para a universidade. A Reitoria está recorrendo a leis do regime militar para conter o movimento estudantil”, diz.
De acordo com a assessoria da USP, os processos, que correm de maneira sigilosa, visam autuar os 21 alunos infratores por supostos danos ao patrimônio público durante a invasão da Reitoria, orçados em R$ 300.000,00; e por violação de documentos sigilosos da Divisão de Promoção Social do Coseas sobre alunos que fizeram requerimento de bolsa.
Um ato de apoio aos estudantes que irão prestar depoimento está previsto para o dia 30, às 12h, em frente ao prédio da Reitoria.
*RevistaForum

A criminalização da política na USP


Vi o Mundo


por Conceição Lemes
Na próxima terça-feira, às 13h,  quatro alunos que participaram da greve de 2007, quando houve a ocupação do prédio da Reitoria, vão depor no processo administrativo aberto pela Universidade de São Paulo, que visa a expulsá-los.
Na mesmo dia,  às 18h, estudantes, funcionários e professores uspianos farão, no prédio da História, um ato suprapartidário contra a criminalização da política na USP. As três entidades representativas participarão: Diretório Central dos Estudantes (DCE), Associação dos Docentes (Adusp) e do Sindicato dos Trabalhadores (Sintusp). Também representantes dos processados, professores da USP, Unicamp e Unesp.
“A USP contribuiu muito para o Brasil remover o entulho autoritário herdado da legislação da época da ditadura militar, porém não removeu o entulho autoritário dos seus estatutos”, denuncia Ricardo Musse, professor de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. “Nos últimos quatro anos houve crescente criminalização da política na universidade. Coincidiu com a chegada de José Serra (PSDB) ao governo do Estado de São Paulo.”
Vinte e um alunos estão ameaçados de expulsão. Além dos quatro de 2007,  há 17, da ocupação da Coseas (Coordenadoria de Assistência Social), em março de 2010, para reivindicar melhores condições de moradia. O processo administrativo contra os alunos ficou pronto na semana passada.
“Todos nós fomos surpreendidos com essa informação, até porque havia um acordo com ex-reitora, a professora Suely Vilela, de que não haveria punições pela ocupação e greve de 2007. Além disso, tem a questão do Coseas e do Sintusp, bem mais graves”, afirma o aluno Ricardo Maciel. “Por coincidência, a universidade deixou para divulgar só agora, quando as aulas estão quase no fim e a possibilidade de mobilização é menor. Tudo isso soa  perseguição política contra quem se antepõe de maneira mais enfática ao projeto encampado pela administração da USP.”
A USP está utilizando um decreto de 1972, portanto, gerado em plena ditadura militar para punir alguns alunos. Para outros, a USP está tirando os acontecimentos do contexto político, pedindo a punição por delitos como briga e depredação.
O jurista Fábio Konder Comparato, professor emérito da Faculdade de Direito da USP, condena: “Eu não diria que o uso da legislação da ditadura é uma volta ao passado, porque todas as grandes instituições deste país, inclusive as universidades, têm longa e inabalada tradição oligárquica. Para que os ‘donos do poder’ continuem mandando, todos os meios são bons”.
O acordo a que se refere o estudante Ricardo Maciel, foi afiançado por cinco professores: Paulo Arantes, Francisco de Oliveira, João Adolfo Hansen, Luiz Renato Martins e István Jancsó (falecido). Há, segundo os professores, um documento assinado.
O professor Comparato põe o dedo na ferida: “Não saberia dizer se o compromisso assumido pela ex-reitora foi para valer, ou simplesmente para aparecer, segundo outra inabalada tradição brasileira”.
“NEM NA ÉPOCA DA DITADURA MILITAR ISSO HAVIA ACONTECIDO”
O fato é que alunos, funcionários e professores estão com medo de se manifestar politicamente, receando perseguição e punição.
“Outro dia uma colega que iria assinar um trabalho conosco pediu para tirar o nome dela na última hora”, exemplifica Musse. “Como estava ainda no estágio probatório, sentiu-se em risco.”
Essa semana houve eleição para o Sintusp. Foi proibida a colocação de uma urna no prédio da Reitoria.
“Agentes da guarda universitária da USP agrediram violentamente representantes do Sindicato, mesários e representantes das chapas em uma tentativa brutal de impedir a instalação na urna no prédio da reitoria”, informa o site do Sintusp. A urna acabou instalada na portaria principal do prédio.
“A eleição para composição da nova diretoria do Sindicato dos Trabalhadores da USP ocorre a cada 3 anos, e nunca houve tamanha repressão por parte da reitoria da Universidade de São Paulo”, prossegue a nota no site do Sintusp. “Nem mesmo na época da ditadura militar.”
A propósito, em 9 junho de 2009, por determinação do então governador José Serra, a tropa de choque invadiu o campus da Cidade Universitária para dispersar manifestação de alunos e professores em apoio à greve dos funcionários da USP. A polícia atirou balas de borracha, bombas de efeito moral e gás de pimenta contra os manifestantes.
“Nem na época da ditadura militar”, relembra Musse, “isso havia acontecido.”

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