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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, novembro 17, 2010

Semana da Consciência Negra na TV Brasil


Escola do MST recebe melhor nota do Enem

Por Altamiro Borges

Nos últimos dias, a mídia demotucana tem feito um grande alarde contra o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Devido a falhas lamentáveis em algumas provas, ela decidiu transformar o assunto na sua primeira bandeira de oposição ao futuro governo Dilma Rousseff. De quebra, ainda presta um serviço à poderosa indústria do vestibular e às faculdades privadas. O Grupo Folha, dono da gráfica que imprimiu as provas irregulares, é um dos que mais fustiga o Enem.

Com sua cobertura enviesada e manipuladora, a mídia omite fatos curiosos do Enem. Um deles, que ela nunca divulgaria, é que a Escola Semente da Conquista, localizada no assentamento 25 de Maio, em Santa Catarina, foi o destaque do Exame Nacional em 2009, conforme noticiado na página oficial do Enem. Ela ocupou a primeira posição no município, com nota de 505,69.

Semente da Conquista

Nesta escola estudam 112 filhos de assentados, de 14 a 21 anos. Ela é dirigida por militantes do MST e os professores foram indicados pelos próprios assentados do município de Abelardo Luz, cidade com o maior número de famílias assentadas no estado. São 1.418 famílias, morando em 23 assentamentos. A primeira colocação no Enem foi comemorada pelas famílias de sem-terra.

A mídia, porém, nada falou sobre esta vitória. Segundo o sítio do MST, “essa conquista, histórica para uma instituição de ensino do campo, ficou fora da atenção da mídia, como também é pouco reconhecida pelas autoridades políticas de nosso estado. A engrenagem ideológica sustentada pela mídia e pelas elites rejeita todas as formas de protagonismo popular, especialmente quando esses sujeitos demonstram, na prática, que é possível outro modelo de educação”.

“A Escola Semente da Conquista é sinal de luta contra o sistema que nada faz contra os índices de analfabetismo e êxodo rural. Vale destacar que vivemos numa sociedade em que as melhores bibliotecas, cinemas, teatros são para uma pequena elite... Mesmo com todas as dificuldades, a escola foi destaque entre as escolas do município. Este fato não é apenas mérito dos educandos, mas sim da proposta pedagógica do MST, que tem na sua essência a formação de novos homens e mulheres, sujeitos do seu processo histórico em construção e em constante aprendizado”.
*AltamiroBorges

Olurun Eke e a República incompleta


Ao incluir o Dia da Consciência Negra no calendário escolar, a lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, não propiciou apenas um resgate da história dos povos negros. Foi bem além. Ensejou a necessidade de um novo olhar sobre culturas que, ao contrário da postulação ocidental, não colocam a questão da Verdade, de conteúdos absolutos e inarredáveis, de essências escondidas atrás de formas ou aparências. Sua riqueza é de outra ordem. E talvez este seja o significado mais profundo do dia 20 de novembro: memória e resistência como possibilidades históricas.
Para os que estudam a cultura afro-brasileira, é importante registrar a dinâmica de suas origens. Nelas, observamos uma espécie de culto da forma pela forma, algo como a valorização das dimensões plásticas. Seus mitos, rituais, danças, jogos e orações não remetem a quaisquer referências que lhes sejam exteriores, não expressam “outra coisa”, não são aparências de uma essência. Portanto não podem ser “decifrados”, “interpretados” ou “descobertos”, como ainda pretendem algumas de nossas teorias da cultura, herdeiras do ranço etnocêntrico do velho colonizador.
É o que apreciamos na aparentemente inconciliável visão de mundo que parece existir em alguns poetas negros, como Solano Trindade (1908-1974). Em versos como “A minha bandeira/ É da cor de sangue/ Olurun Eke/ Da cor da revolução/ Olurun Eke”, há uma estranheza que parece apontar para ausência de sentido lógico. Pura ilusão. O que lemos são instantes culturais, sínteses de uma vida vivida, de um artista ao sentir a realidade trágica do que é ser negro, também no Brasil.
Na verdade, do ponto de vista dos afro-descendentes, as expressões artísticas são mais para serem percebidas sensorialmente, vistas com a Alma, do que para serem “entendidas”. Existe, portanto, uma defasagem entre aquilo que se quer dizer de um lado, e o que se consegue transmitir na realidade. É exatamente neste espaço que o negro brasileiro consegue criar as coisas mais bonitas de sua produção simbólica e de maior valor para sua negritude.
Ser negro no Brasil de 2010 é, culturalmente, assumir a Alma Popular: é pensar a partir do ponto de vista do povo. É, sobretudo, estabelecer sintonia ideológica com as classes sociais que foram exploradas durante nossos 510 anos de história. O grande saque que se iniciou com a invasão portuguesa, por causa do pau-brasil, continuou e prosperou até depois da Independência, sempre a beneficiar os brancos. Consolidou-se com a Abolição/Proclamação da República, e continua até os nossos dias.
No terceiro milênio, da perspectiva do negro, a paz, objetivo perseguido por toda a espécie humana, passa necessariamente pela resolução dos problemas que o grande saque, ocidental e cristão, criou para a negritude. No Dia da Consciência Negra, é preciso repudiar a História do Brasil como um suceder de arranjos, combinações, “jeitinhos” em que o conflito nunca aparece ou, se vem à tona, é considerado como “coisa externa à nossa gente”.
O processo de desestruturação do mito da “democracia racial” no campo teórico tem avançado muito nos últimos anos. Já no terreno social e da luta política, apesar das políticas públicas implementadas recentemente, o atraso ainda é considerável. Por isso, é necessário resgatar a memória histórica dos negros, em todos os tempos e sentidos. Olurun Eke, para que a República seja proclamada em definitivo.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior, colaborador do Correio do Brasil e do Jornal do Brasil.
*turquinho

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