Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, novembro 27, 2010

“O Congresso e a Justiça não geram receita, portanto não podem gerar despesas.”

Maria Conceição alerta Dilma para a política externa econômica


A 1a Conferência do Desenvolvimento, que termina nesta sexta-feira (26), em Brasília, prestou uma homenagem aos 80 anos da professora e economista Maria da Conceição Tavares. Em retribuição, a professora fez uma palestra sobre Macroeconomia para o Desenvolvimento para um público que a aplaudiu de pé ao final de sua fala. Pontuada por palavras no superlativo, a economista defendeu para o governo Dilma Rousseff uma preocupação especial com a política externa econômica.
Maria da Conceição alerta Dilma para política externa econômica
“Pedimos um caminho duro de seguir: eu quero que distribua, mas não quero que a indústria vá para o espaço”, afirmou a economista.
“O que precisa, na opinião dela – opinião muito aplaudida pela platéia –, é cortar despesas irrelevantes como salários dos juizes e deputados. “O Congresso e a Justiça não geram receita, portanto não podem gerar despesas.”
Ela manifestou confiança na presidente eleita, a quem definiu como alguém de “coragem, sensibilidade e competência, que navegará nessas águas complicadas, principalmente no primeiro ano”, avaliou.
“Tenho muita fé na presidente, mas uma coisa é saber, outra é operar – não sei se a proporção de forças dos industriais pesam tanto quanto a dos banqueiros”, lembrando que “para sair dessa encrenca (crise econômica mundial), agora mais do que nunca, não dá para deixar para o mercado ou a divina providência. A solução é humana e de todo o governo”, enfatizou.
A economista acredita que até o fim dessa década vamos erradicar a miséria e nos aproximar dos países desenvolvidos, mas “para que isso ocorra não podemos fazer coisas que abortem essas intenções.” Ela admitiu que a macroeconomia está em estado cataléptico e é preciso estar atento para que as políticas adotadas pelos demais países não prejudiquem o desenvolvimento das nações que dele precisam.

Evitar contaminação
Para que o Brasil não seja contaminado pela crise econômica de 2008/2009, que colocou na insolvência os países da Europa, Maria da Conceição sugere que o governo Dilma Rousseff faça o controle de capitais. “O controle quantitativo”, explica, acrescentando que “deve aumentar o compulsório, controlar o crédito, mas não puxar as taxas de juros, porque é ineficiente e piora a situação.”
Ela lembrou que esta sugestão já foi dada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) que admitiu que “a situação está tão preta que é preciso controlar capitais”. Ela elogiou a formação da equipe econômica anunciada pela presidente eleita, “formada de gente discreta, que não são vedetes, que vão colaborar para não fazer uma política para lá e outra para cá”, em crítica velada a disputa entre Henrique Meirelles, no Banco Central e Guido Mantega, na Fazenda, durante o Governo Lula.

Santo de barro
Também admitiu que a presidente eleita tem razão quando diz que vai baixar a taxa de juros lentamente e o câmbio devagar. E usou o ditado “cuidado com o andor que o santo é de barro”, para afastar a possibilidade de algum choque econômico.
Ela elogiou a posição do Brasil, dizendo que ao contrário dos países da Europa, não é nada catastrófica. No entanto, destacou que “não quero que se fique esperando sentado até o G20 resolva a nova ordem mundial. Está uma desordem e vai continuar uma desordem”, afirmou, dizendo que a posição do governo internamente deve ser a mesma adotada nos fóruns internacionais.
“O Brasil pode e deve falar nos fóruns internacionais com autonomia e agir para dentro com autonomia, que é o que se quer de um país soberano”, afirmou. Segundo a professora, a defesa soberana do Brasil tem que se basear na política cambial e balanço de pagamento, senão, não conseguiremos ter o desenvolvimento sustentável desejado, anuncia Maria da Conceição.

Caminho duro
Disse que “o eixo social está correto, mas se não cuidar da parte cambial não conseguiremos fazer política industrial e tecnológica, vamos regredir na industrialização, que é o contrário do desenvolvimento”. Ao mesmo tempo lembrou que não acredita que apenas o crescimento da indústria represente distribuição: “você pode crescer a 7% e não distribuir porcaria nenhuma.”
E explicou: “Pedimos um caminho duro de seguir: eu quero que distribua, mas não quero que a indústria vá para o espaço. Não dá para recuar no econômico”, disse, destacando que o Brasil não deve copiar modelos macroeconômicos que atrapalhem o seu desenvolvimento.
E apontou como outra decisão importante a ser adotada pelo governo o corte no gasto não produtivo. O que precisa, na opinião dela – opinião muito aplaudida pela platéia –, é cortar despesas irrelevantes como salários dos juizes e deputados. “O Congresso e a Justiça não geram receita, portanto não podem gerar despesas.” E, indignada, indagou porque não pode subir o salário mínimo.
Para ela, o governo tem que estar atento para fazer política macroeconômica. Como o dólar se desvalorizou e os produtos brasileiros de exportação são cotados em dólar, subiu tudo, e os fornecedores são os mesmos que abastece o mercado interno. Essa é a contradição do câmbio, disse, lembrando que “a saída para atacar a inflação não é subir a taxa de juros, porque a inflação é de custo e não de demanda, a subida da taxa de juros tira a possibilidade de desenvolvimento.”

Homenagens
Após a fala da economista, seguiram-se as homenagens. Ricardo Bielschowsky, da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), fez um apanhado da vida profissional da economista, destacando os argumentos e análises econômicas construídos ao longo dos anos e disse que ela tem ainda o mérito de se afastar do tecnicismo e conseguir mostrar a situação econômica a todos. Disse ainda que ela serviu de referência a várias gerações de economistas e que “reforça o nosso orgulho de ser brasileiro”.
Raphael de Almeida Magalhães, membro do Conselho de Orientação do Ipea, também fez elogio à professora, enfatizando todas as contribuições dadas ao longo da vida profissional para reduzir as injustiças sociais, tendo sempre se colocado em favor dos mais pobres.
Em seguida, houve o lançamento do livro Leituras Críticas sobre Maria da Conceição Tavares, da Fundação Perseu Abramo. Organizada por Juarez Guimarães, a obra apresenta artigos de Ricardo Bielschowsky, Emir Sader, José Carlos de Souza Braga, Maurício Borges Lemos, além de uma aprofundada entrevista com a própria economista que elucida pontos de seus pensamentos, assim como conclui a linha narrativa pela qual percorrem os demais autores. Uma sessão de autógrafo da economista entusiasmou o público.
De Brasília
Márcia Xavier

Nenhum comentário:

Postar um comentário