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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, maio 09, 2012

Na Ditadura militares chegaram a usar métodos nazistas

claiduo_guerraEx-presa política, a jornalista Rose Nogueira, do Grupo Tortura Nunca Mais, considerou “estarrecedoras” as declarações de Cláudio Antônio Guerra no livro "Memórias de uma guerra suja". O ex-delegado do DOPS do Espírito Santo afirma que, sob ordens militares, incinerava corpos de militantes de esquerda em uma usina de açúcar em Campos dos Goytacazes (RJ).
É o Auschwitz do Brasil. Os militares usaram métodos nazistas, como a tortura, e agora vemos que houve também a incineração - disse Rose, referindo-se ao campo de concentração nazista na Polônia.
Para Rose Nogueira, as denúncias contidas no livro precisam ser investigadas com profundidade. Ex-presa da Torre das Donzelas, no Presídio Tiradentes, o mesmo onde ficou a presidente Dilma Rousseff por mais de três anos, Rose disse não conhecer o ex-delegado Guerra, que atuava principalmente no Espírito Santo e no Rio.
“Mas sempre soubemos que, no Espírito Santo, a coisa era muito pesada (contra os militantes de esquerda). Pelo que vimos desse livro, muita coisa coincide”, relata ela.
Sobre a usina Cambahyba, onde Guerra disse ter incinerado os corpos, Rose pede investigação:
“É preciso ir até essa usina. E, mais que isso, ela deveria se tornar um memorial, um grande museu sobre o que ocorreu lá”.
De acordo com Guerra, dez pessoas foram atiradas ao incinerador da usina, de propriedade de empresário Heli Ribeiro, hoje morto. O casal Ana Rosa Kucinski e Wilson Silva, João Batista e Joaquim Pires Cerveira, que foram presos na Argentina, os militantes da Ação Popular Marxista Leninista (APML) Fernando Augusto Santa Cruz e Eduardo Collier Filho, e os líderes do PCB David Capistrano, João Massena Mello, Luiz Ignácio Maranhão Filho e José Roman.
O ex-delegado Claudio Guerra, que chefiou o DOPS do Espírito Santo e participou da rede informações e investigações da repressão, afirmou ter recebido do Estado brasileiro carta branca para “julgar, torturar, matar e desaparecer com o corpo” dos militantes de esquerda. Guerra, que se prepara para virar pastor de igreja, é acusado de tortura, homicídios, formação de quadrilha, tráfico de drogas, roubo de armas e até de chefiar grupos de extermínio, além de responder a pelo menos duas condenações por assassinato.
Leia trecho do livro “Memórias de uma Guerra Suja”:
“Em nome da segurança do Estado brasileiro, os membros da comunidade de informações podiam tudo: perseguir, grampear, investigar, julgar, condenar, interrogar, torturar, matar, desaparecer com o corpo e alijar famílias do paradeiro de seus entes queridos. Não havia um código de ética, nem formal nem informal, que direcionasse nossas condutas. Tudo era permitido.
Essa foi a comunidade de informações em que eu transitei, e fui um eficiente membro, um matador implacável que ajudou a ganhar uma guerra da qual o povo não tomava conhecimento por causa da censura aos meios de comunicação.
Ninguém nunca soube, nem mesmo minha família, o poder que tive nas mãos.
Não tenho orgulho disso”.
*OCarcará 


Ditadura foi nazista


Frei Betto
Escritor, autor de Diário de Fernando %u2013 Nos cárceres da ditadura militar brasileira (Rocco), entre outros livros



A notícia é estarrecedora: militantes políticos envolvidos no combate à ditadura militar tiveram seus corpos incinerados no forno de uma usina de cana-de-açúcar em Campos dos Goytacazes, no Norte do estado do Rio de Janeiro, entre 1970 e 1980.O regime militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985 merece, agora, ser comparado ao nazismo. A revelação é do ex-delegado do Dops (polícia política) do Espírito Santo, Cláudio Guerra, hoje com 70 anos. 

Segundo seu depoimento aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, no livro Memórias de uma guerra suja (Topbooks), no forno da usina Cambahyba – de propriedade de Heli Ribeiro Gomes, ex-vice-governador do Rio de Janeiro entre 1967 e 1971, já falecido –, foram incinerados Davi Capistrano, o casal Ana Rosa Kucinski Silva e Wilson Silva, João Batista Rita, Joaquim Pires Cerveira, João Massena Melo, José Roman, Luiz Ignácio Maranhão Filho, Eduardo Collier Filho e Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira.

Os militantes teriam sido retirados de órgãos de repressão de São Paulo – Deop e DOI-Codi – e do centro clandestino de tortura e assassinato conhecido como Casa da Morte, em Petrópolis. Cláudio Guerra acrescenta às suas denúncias que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ulstra, um dos mais notórios torturadores de São Paulo, teria participado, em 1981, do atentado no Riocentro, na capital carioca, na véspera do feriado de 1º de Maio. 

Se a bomba levada pelos oficiais do Exército não tivesse estourado no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, ceifando-lhe a vida, centenas de pessoas que assistiam a um show de música popular teriam sido mortas ou feridas. O objetivo da repressão era culpar os “terroristas” pelo hediondo crime e, assim, justificar a ação perversa da ditadura. 

Guerra aponta ainda os agentes que teriam participado, em 1979, da Chacina da Lapa, na capital paulista, quando três dirigentes do PCdoB foram executados. Acrescenta que a “comunidade de informação”, como eram conhecidos os serviços secretos da ditadura, espalhou panfletos da candidatura Lula à Presidência da República no local em que ficou cativo o empresário Abílio Diniz, vítima de um sequestro em 1989, em São Paulo, de modo a tentar envolver o PT.

Uma das revelações mais bombásticas de Cláudio Guerra é sobre o delegado Sérgio Paranhos Fleury, o mais impiedoso torturador e assassino da regime militar, morto em 1979 por afogamento. Tida até agora como um acidente, a morte, segundo o ex-delegado, teria sido“queima de arquivo”, crime praticado pelo Cenimar, o serviço secreto da Marinha. Guerra assume ter assassinado o militante Nestor Veras, em 1975, alegando que apenas deu “o tiro de misericórdia” porque ele havia sido “muito torturado e estava moribundo”.

Das notícias da repressão há sempre que de
sconfiar. Guerra fala a verdade ou mente? Tudo indica que o ex-delegado, agora travestido de pastor adventista, não se limitou, na prática de crimes, à repressão política. Em 1982, a Justiça o condenou a 42 anos de prisão pela morte de um bicheiro, dos quais cumpriu 10 anos. Em seguida mereceu 18 anos de condenação por assassinar sua mulher, Rosa Maria Cleto, com 19 tiros, e a cunhada, no lixão de Cariacica, em 1980. Ele alega inocência nos três casos, embora admita que matou o tenente Odilon Carlos de Souza, a quem acusa de ter liquidado sua mulher Rosa.

Espera-se que a presidente Dilma anuncie, o quanto antes, os nomes dos sete integrantes da Comissão da Verdade, que deverá apurar crimes e criminosos da ditadura. E investigar as denúncias do policial capixaba. Infelizmente a comissão ainda não será da Verdade e da Justiça. O Brasil é o único país da América Latina que se recusa a punir aqueles que cometeram crimes em nome do Estado, entre 1964 e 1985. O pretexto é a esdrúxula Lei da Anistia, consagrada pelo STF, que pretende tornar inimputáveis algozes do regime militar. 

Ora, como anistiar quem nunca foi julgado e punido? Nós, as vítimas, sofremos prisões, torturas, exílios, banimentos, assassinatos e desaparecimentos. E os que provocaram tudo isso merecem o prêmio de uma lei injusta e permanecer imunes e impunes como se nada houvessem feito? O nazismo foi derrotado há quase 70 anos, e ainda hoje novas revelações vêm à tona. Enganam-se os que julgam que a Lei da Anistia, o silêncio das Forças Armadas e a leniência dos três poderes da República haverão de transformar a anistia em amnésia. Como afirmou Walter Benjamin, a memória das vítimas jamais se apaga.
 
*Mariadapenhaneles 

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