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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, maio 10, 2013

Ustra cita Dilma e diz que lutou contra o terrorismo e cumpria ordens

Ex-dirigente do DOI-Codi leu declaração perante Comissão da Verdade, mas se nega a responder perguntas
‘Com uma espécie de vara de marmelo na mão, ele me batia. Outros vinham e me davam telefone’, diz vereador sobre tortura por Ustra
Brilhante torturador
O coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, que dirigiu o DOI-Codi em São Paulo, disse nesta sexta-feira à Comissão da Verdade que lutou contra o terrorismo e que, se não fosse sua luta, a ditadura do comunismo estaria imposta até hoje e ele teria ido para o paredão. Ustra fez uma declaração inicial e disse que não responderia perguntas, mas decidiu replicar algumas delas. Na sua fala inicial, Ustra diz que combateu mais de 40 organizações de esquerda, "entre elas quatro em que atuou a atual presidente da República".
— Lutamos contra o terrorismo. Eles atacavam quartéis, roubavam armas, incendiavam rádio patrulhas e explodiram dezenas de bombas — disse Ustra. — Enfrentei várias organizações de esquerda, entre elas quatro nas quais a atual presidente da República atuou — disse.
Ustra disse também que foi um militar exemplar, que nunca assassinou ninguém ou torturou e que cumpriu ordens.
— Quem deveria estar sentado aqui é o Exército Brasileiro. Não eu. Nunca fui um assassino.
O militar lembrou que recebeu a mais alta condecoração do Exército, a Medalha do Pacificador. Também em depoimento nesta sexta-feira, o ex-servidor do DOI-Codi de São Paulo e ex-sargento Marival Chaves assegurou que Ustra, então capitão, comandava as torturas na repressão. Marival afirmou que Ustra era "senhor da vida e da morte", escolhia quem iria viver ou morrer.
Vereador relata ter sido torturado por Ustra com choques
Mais cedo, o vereador de São Paulo Gilberto Natalini (PSDB) contou na Comissão da Verdade que foi torturado pessoalmente por Ustra, em 1972, nas dependências do DOI-Codi, na capital paulista. Então estudante de Medicina, Natalini ficou dois meses preso. Ele contou que fazia poesias que tinham também como conteúdo temas ligados à democracia e à repressão. Ustra decidiu, então, torturá-lo da seguinte maneira, segundo ele:
— O Ustra mandou me despir, me colocou em pé numa poça d´água numa cela e com aqueles fios de choque pelo meu corpo. Chamou para testemunhar vários agentes e soldados e exigiu que eu declamasse minhas poesias. Durante horas, ele, com uma espécie de vara de marmelo na mão, me batia. Outros vinham e me davam telefone (tapa com as mãos nos ouvidos) e muito eletrochoque — disse Natalini, que se emocionou em alguns momentos em seu depoimento.
Depoimento de Ustra termina em bate-boca
A audiência de Ustra terminou em confusão e bate-boca na plateia. A discussão ocorreu no final da sessão, quando o presidente da comissão, Cláudio Fonteles, perguntou a Ustra se era verdade que torturou o vereador Gilberto Natalini no Doi-Codi e o obrigou, durante a tortura, a declamar poesias de sua autoria. Fonteles, então, aproveitando a presença de Natalini na plateia, perguntou a Ustra se aceitava uma acareção, o que ele negou.
— Não faço acareação com terrorista — respondeu Ustra, exaltado.
Neste momento, Natalini levantou na plateia e gritou que não era terrorista e disse que “o senhor que é bandido”, se dirigindo a Ustra. Em outra cadeira no público, um senhor saiu em defesa de Ustra e chamou Natalini de terrorista. Esse senhor que defendeu Ustra não quis se identificar. Ele estava acompanhado do general da reserva Rocha Paiva, um crítico da Comissão da Verdade. O senhor não respondeu se era militar, mas usava um broche com desenho de um canhão, e também um símbolo igual segurando a gravata.
Antes do depoimento de Ustra, Cláudio Fonteles disse que o depoimento do coronel seria uma oportunidade para que ele se defenda:
— Estamos dando a ele uma oportunidade de se defender, de contar o que sabe. Se ele se cala, está ensejada a presunção de culpa — disse Fonteles.
O conselheiro afirmou que a comissão deverá subsidiar o Ministério Público com informações em eventual recurso par derrubar decisão da Justiça que assegurou a Ustra seu silêncio.
— Qual a situação de Ustra hoje? É um anistiado. Ou seja, não corre risco de ser réu nem de ser condenado. E, por isso, não tem como se autoincriminar. Então não cabe seu silêncio em sua defesa. É o que vamos levar ao Ministério Púbico — disse Fonteles.
*comtextolivre

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