Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, agosto 17, 2013

Quando a condenação dos réus petistas atendia a interesses da oposição, não se ouviu uma única voz discordante

Domínio do fato no julgamento dos outros é refresco

Quando a condenação dos réus petistas atendia a interesses da oposição, não se ouviu uma única voz discordante

Paulo Moreira Leite
Os festejos promovidos pela oposição em função do emprego da teoria do domínio do fato para condenar os réus do mensalão ameaçam voltar-se contra os tucanos denunciados no propinoduto tucano.
Advogado do professor Luizinho na ação penal 470, secretário do Ministério da Justiça no período de Marcio Thomaz Bastos, Pierpaolo Bottini registrou em artigo no site Consultor Jurídico que há uma notável semelhança entre o tratamento dispensado aos réus condenados pelo mensalão e os primeiros suspeitos de receber propinas no escândalo da Siemens – o emprego da teoria do domínio do fato. 

Referindo-se ao indiciamento do ex-secretário de Energia Andrea Matarazzo pela Polícia Federal, Bottini, que reconhece méritos nessa jurisprudência desenvolvida pela Justiça alemã, mas lembra que ela possui determinados requisitos para que possa ser emprega em nome do bom Direito, fala que ela está sendo empregada de forma “extensiva demais.” 

É uma avaliação que reproduz críticas feitas durante a ação penal 470. 

Para o advogado, Matarazzo foi indiciado “com base expressa na teoria citada, pelo fato de ocupar o cargo e pertencer ao partido político governista (revelando a sapiência da velha máxima de que “pau que bate em Chico bate em Francisco”). 

Avaliando o que se passou na ação penal 470, Bottini registra: “Fica a impressão de que, em alguma medida, se utilizou da teoria como elemento de imputação de responsabilidade e não para distinguir entre autores e partícipes.” 

Muitos estudiosos desconfiam da teoria do domínio do fato exatamente porque ela serve para punições arbitrárias desde que não seja empregada com a cautela devida, ajudando a encobrir lacunas e fragilidades de uma denúncia. Resumindo a questão de forma simplificada, a crítica seria a seguinte: se nós sabemos que a corrupção não deixa recibo, a falta de recibo também não pode servir de argumento para uma condenação, certo? 

Certíssimo. 

Quando a condenação dos réus petistas atendia a interesses políticos da oposição, que pretendia tirar o máximo proveito do massacre de líderes do governo no julgamento da ação penal 470, não se ouviu uma única voz discordante. 

Não se falou em abuso, em politização da Justiça ou coisa parecida. 

As condenações foram aplaudidas em tom cívico e qualquer tentativa de contestação era rebatida como simples manobra diversionista, destinada a manter a impunidade de réus acusados “no maior escândalo da história.” 

As investigações sobre o propinoduto podem mostrar que domínio do fato em julgamento dos outros não arde, colocando os tucanos na difícil posição de esperar para si um benefício que negaram para os adversários. 

Dificilmente deixarão de pagar o preço pelo silêncio na hora em que seu gesto teria a nobreza de quem defende bons princípios mesmo quando eles contrariam seus interesses, recomendação oportuna do filósofo político Isaiah Berlin para políticos de todas as famílias. 

O artigo de Bottini mostra que, com o aval do STF, a moda pegou – e esse tipo de condenação pode tornar-se um padrão a ser seguido em casos semelhantes.

O tratamento diferenciado que se deu ao mensalão mineiro, que garantiu aos réus o direito de serem julgados em tribunais comuns, ajudou a criar uma primeira controvérsia na ação penal 470.

Uma mudança no julgamento da ação penal 470 poderia tornar mais aceitável a exibição de uma postura mais rigorosa na avaliação das provas contra os acusados do propinoduto, se e quando chegar a hora. 

As semelhanças devem parar por aqui, porém. 

Pelo menos em sua fase inicial, a denúncia contra o PSDB está mais clara do que o mensalão do PT. 

O esquema financeiro do PT foi denunciado por Roberto Jefferson, parlamentar que jamais apresentou provas muito robustas para sustentar o que dizia. Em depoimentos posteriores à Justiça, ele chegou a se desmentir e definiu o mensalão como “ criação mental.” 

Você pode até acreditar que o governo Lula queria “comprar votos” no Congresso e que desviou R$ 73 milhões do Banco do Brasil. Mas o fato é que não há provas de uma coisa nem de outra. Principal testemunha de acusação, Jefferson nunca esteve no coração do esquema, que conhecia pela participação numa de suas franjas, como partido aliado. 

Os documentos do caso, inclusive auditorias oficiais, contrariam várias condenações, o que tem levado juristas importantes a questionar o julgamento em seu conjunto. 

Ninguém sabe quais serão os desdobramentos do caso Siemens. É preciso ouvir o conjunto das testemunhas, buscar coerência entre as provas e, com certeza, dar a todo acusado o direito de demonstrar sua inocência.

Mas há uma diferença essencial na acusação, porém. Foi a empresa que está na origem do esquema de corrupção que resolveu confessar o que fez, por que fez, para que. Disse para quem pagou, para onde mandou o dinheiro, para quem e quando. Apresenta documentos, orientou as buscas em empresas que eram parceiras. A Siemens se autoincrimina – posição que dá inteira credibilidade a sua denúncia. Pelas leis brasileiras, com esse acordo de leniência ela se livra da acusação de cartel e seus executivos se livram da acusação de corrupção. A denúncia sobra para os outros.

Numa analogia, é como se Marcos Valério tivesse feito um acordo de delação premiada logo no início da investigação do mensalão – e pudesse reunir o mesmo conjunto de provas robustas -- recibos, documentos e emails -- que a Siemens exibiu. 

Essa é a questão.
*Amoralnato

Nenhum comentário:

Postar um comentário