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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, setembro 08, 2013



Da preferência ao Racismo

Por Sara Joker para as Blogueiras Negras
Conviver em família pode nos ensinar como o preconceito é uma construção cultural que aparece no discurso de pais, mães e outros familiares, construindo “preferências” e “gostos” que de pessoais não tem nada.
Não acredito que esses familiares sejam seres humanos ruins que, de caso pensado, planejam educar crianças na base do ódio à diferença. Essas pessoas foram também criadas dessa forma e reproduzem coisas, na maioria das vezes, sem pensar no que falam.
Quando vemos essas “preferências” em famílias de negrxs entendemos como o discurso não é pensado, apenas reproduzido. Como explicar a uma mulher negra que alisa seu cabelo desde quando se conheceu por gente (há mais ou menos 80 anos) que sua neta prefere ter o cabelo alto, armado, não aceita nem passar um “creminho para abaixar”? Sim, essa é a luta mais complicada, tentar fazer pessoas boas, que não batem e não xingam, entender que certas atitudes são racistas, mesmo sem querer ser.
Uma mãe negra e evangélica, que proíbe seu filho de jogar capoeira não é x opressorx. Essa mulher é tão oprimida quanto seu filho. Ela aprendeu que a cultura de seus ancestrais é danosa. Essa mulher, além disso, alisa o cabelos de sua filha e seu próprio cabelo. Seria mais fácil trançá-lo, mas sempre ouviu que “cabelo ruim” trançado dá piolho. Estica o cabelo da menina e raspa o cabelo do menino. Ambxs crescem compreendendo que, para conseguir bons empregos, terão de não mostrar seus cabelos crespos.
Foto: Adipositivity
Foto: Adipositivity
Também é em casa que aprendemos que precisamos “embranquecer” nossxs filhxs. Porque casar com um negro se eu posso dar um “cabelo bom” axs futurxs filhxs. Aí criamos o típico clichê de negras que só buscam brancos. Não é maldade, nem sempre o preconceito existe em pessoas más (um conceito muito subjetivo, inclusive), às vezes absorvemos o que nos é ensinado. Quantas vezes eu fui veículo para disseminar frases e comportamentos racistas e só compreendi o que fiz agora, que milito contra o racismo. Assim como já fui veículo de ideias machistas, transfóbicas, homofóbicas, gordofóbicas e não percebi até pouco tempo atrás.
A militância vem de tentar fazer de nós mesmxs e pessoas “comuns” entenderem que coisas cotidianas podem ser demonstrações de racismo e não apenas “preferências”. Infelizmente uma mulher que “prefere seu cabelo liso” pode não estar fazendo essa escolha livre de todo o discurso racista, por mais militante que seja. Não podemos nos ofender com dicas e toques de colegas de militância, devemos repensar nossas preferências para que elas se encaixem com a nossa luta.
*http://blogueirasnegras.org/2013/09/06/da-preferencia-ao-racismo/

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