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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, setembro 27, 2013

MUJICA vou ter que experimentar maconha senão vão pensar que sou um careta

José Mujica está no centro do debate sobre drogas hoje no mundo. Diferentemente de seus companheiros de geração que trocaram a luta armada pelo poder institucional, Mujica não deixou seu passado de ativismo ultradisciplinado e hierarquizado turvar sua visão sobre o real: “muito pior que a droga e a dependência é o tráfico dela”, afirmou em entrevista concedida ao canal TVN. Divulgada apenas parcialmente pela televisão, ela foi depois cedida na íntegra para a revista chilena CAÑAMO, que publicou-a em sua edição de agosto.
Após criticar a proibição das drogas e criticar o posicionamento dos chefes de Estado sobre a questão – “somos meio covardes mundialmente, me parece. Os Estados não gostam de reconhecer o fracasso” – o presidente uruguaio defende a legalização da maconha e aponta seus consequentes dilemas, como a questão do cadastro estatal de usuários e a baixa aprovação nas pesquisas. Mas o principal vem ao final da entrevista, em trecho que transcrevemos na íntegra em tradução livre.
canamo capa
Entrevistador – Em relação a sua história pessoal, você que tanto gosta da natureza, da terra, não me respondeu muito bem no começo sobre a maconha em sua vida. Conheceu gente que fumasse, gente próxima de você?
Mujica – Não, não, não, não. Para nada, nunca tive nada a ver com esse bichinho nem nada, mas também não me espanta.

Entrevistador – Nem ao menos uma pessoa?
Mujica – Não, não, estive muito por fora da boemia intelectual. Eu me meti a mudar o mundo. Minhas amizades eram revolucionárias, clandestinas, fumadores de tabaco barato, de vestimentas severas e de vidas muito distantes das displicências intelectuais, porque lidávamos com muito perigo. E bom, nisso se foram meus anos de juventude. Mas não tome isso como uma visão crítica a outros jovens, não.

Entrevistador – Você já consumiu maconha alguma vez?
Mujica – Não, não consumi. Por acidente, pelas coisas que te expliquei, pela minha forma de vida. Vou ter que experimentar qualquer dia desses, porque vão pensar que sou um careta ou algo do tipo.

Entrevistador – Gostaria de provar então?
Mujica – Sim, provaria, como tantas outras coisas. Não tenho maior problema com isso.

Entrevistador – Hoje em dia você tem amigos que fumam maconha?
Mujica – Suspeito que sim, suspeito que sim. Nunca me disseram, mas suspeito que sim.
*coletivodar

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