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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, fevereiro 25, 2014

"Metade dos documentos de posse de terra no Brasil é ilegal"

Grilagem

"Metade dos documentos de posse de terra no Brasil é ilegal"

A afirmação é do geógrafo Ariovaldo Umbelino, para quem o programa Terra Legal permitirá que terras do patrimônio público ocupadas ilegalmente se transformem em propriedade privada
por Marcella Lourenzetto — 

João Paulo Brito
Ariovaldo
Ariovaldo: "há diversas formas de burlar a lei. Em São Félix do Xingu, quase 100% dos documentos do cartório têm que ser anulados."
O geógrafo, pesquisador e professor da USP Ariovaldo Umbelino fala sobre a situação de propriedades que utilizam terras retiradas do patrimônio público ilegalmente, os famosos casos de grilagem, e também se diz contrário ao programa “Terra Legal” do Governo Federal.
“Nós temos no Brasil hoje um numero elevadíssimo de escrituras onde não há fazendas”, comenta o geógrafo. Ele explica que no país existe um número alto de fraudes na documentação de terras, principalmente em municípios com importância econômica, como em São Félix do Xingu, no Pará, que possui o segundo maior rebanho de carne bovina do país.
No começo de 2012, o geógrafo integrou um grupo que realizou um comparativo entre o processo de retomada das terras devolutas do portal do Paranapanema, em São Paulo, com o que estava acontecendo em São Félix do Xingu. Advogados da Faculdade de Direito do Pará também participaram do projeto e o pesquisador liderou a equipe que foi a campo analisar a situação da região.
“Nós verificamos que, na realidade, praticamente 100% dos documentos legais do cartório têm que ser anulados, porque são falsos. A corregedoria do Pará anulou todas as escrituras registradas no cartório de registro de imóveis de São Félix do Xingu”, afirma. E também indaga: “Ninguém é dono das terras mais. Bem, dono do papel. Mas quem está lá na fazenda hoje?”.
Umbelino alerta que o problema não é uma situação isolada ao norte do Brasil. Atualmente ele enfrenta a mesma realidade em outros estados do país. “Isso tem em todos os municípios do Brasil. Estou fazendo esse trabalho lá em Minas Gerais, em Riacho dos Machados, é a mesma coisa. Metade dos documentos é ilegal”, afirma.
Programa Terra Legal
O programa é uma iniciativa do Ministério de Desenvolvimento Agrário que visa promover a regularização fundiária de ocupações em terras públicas federais situadas na Amazônia Legal. Teve início em 2009, durante o governo Lula e, de acordo com o Governo Federal, a meta se baseia em legalizar as terras ocupadas por cerca de 300 mil posseiros. Com o projeto, o governo também busca reduzir o desmatamento, ampliar as ações de desenvolvimento de forma sustentável na região e reduzir os casos de grilagem.
Entretanto, para o geógrafo, não é bem isso o que acontece. Ariovaldo acredita que as medidas provisórias propostas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que autorizam a doação de porções de terras públicas e aceleram os processos de regularização das propriedades, permitem a legalização de mil e quinhentos hectares. Para ele, isso é um ato inconstitucional e que também contribui na legalização dos grilos. “O direito a legitimação de posse só pode ser feito para cinquenta hectares. Como eu elevo para mil e quinhentos? Estou ferindo a Constituição”, diz.
Ele ainda afirma que há formas de burlar a lei: “Coloco mil e quinhentos no nome de um filho, depois mil e quinhentos no nome de outra filha, e legalizo dez mil, vinte mil hectares”. Umbelino defende que há o princípio baseado na ilegalidade e outro baseado na justiça social. “Quem tem terra não tem que ter mais terra”, conclui.
*Cartacapital 

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