Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, fevereiro 22, 2014

Uma metamorfose ambulante: A identidade em tempos líquidos*



Por Cristiano Bodart

Quando Raul Seixas trouxe a música “Metamorfose ambulante”, em 1973, provocou em seus ouvintes uma reflexão bastante pertinente: o caráter metamórfico da percepção da realidade e, consequentemente, da identidade.

Raul, conhecido por sua oposição ao modo de vida da sociedade ocidental, questionou, por meio dessa música, a ideia de que precisamos ter um pensamento petrificado em relação a realidade social e, consequentemente, termos uma identidade fixa, imutável. Embora todos tenhamos identidades em mutações, a referida música nos provoca uma reflexão bastante interessante.


Um estudioso do tema “identidade”, Stuart Hall, nos indica que a identidade não é algo estático, tratando-se de “uma celebração móvel”, portanto “formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam”. Para esse estudioso, nós, em meio ao mundo moderno marcado por múltiplas influências, tendemos a assumir identidades variadas de acordo com o momento. Nossas identidades são construídas a partir da influência de nossas experiências sociais cotidianas. Como nossas experiências se dão em um fluxo contínuo, nossa identidade será uma “metamorfose ambulante”.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman bem apresentou em seu livro “Modernidade Líquida”, que vivenciamos um período de grande fluidez, marcado por rápidas mutações. Se a identidade é formada pelos contatos sociais que temos e este têm sido cada dia mais superficiais e transitórios, consequentemente estaremos sujeitos a sermos influenciados em nossa forma de pensar e agir, metamorfoseando nossa identidade.

A posição de Raul Seixas de optar por ter uma identidade metamórfica ambulante parece não ser uma opção no presente século, se é que era na década de 1970. Não há opção, somos uma metamorfose ambulante!

A identidade é o conjunto de tudo que eu vivencio como sendo eu em contraponto àquilo que percebo ou anuncio como não-eu. A identidade é marcada pela diferenciação em relação aos outros indivíduos. Porém, estando inseridos em um contexto social, acabamos influenciados por ele, o que nos torna, em certa medida, iguais. Estamos atrelados a um “universo social”, o que nos permite termos uma identidade social, étnica, religiosa, etc.

É importante mencionar que como não fazemos parte apenas de um grupo social e que podemos adquirir características desses diversos grupos, os quais estamos integrados, e essas características se manifestarão, ou não, em determinados contextos. Mais uma vez identificamos que somos uma metamorfose ambulante e que não temos uma “velha opinião formada sobre tudo”. Por ora, aponto essa reflexão em torno do tema identidade e, de antemão, peço que não estranhe se eu, amanhã, querer dizer “o oposto do que eu disse antes”… isso por que “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante”.


*cafécomsociologia

Nenhum comentário:

Postar um comentário