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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, fevereiro 25, 2014

Possível substituta de Feliciano, Érika Kokay diz que Brasil vive ataque contra o Estado Laico


A deputada Érika Kokay (PT-DF), candidata dos movimentos sociais à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Foto: Ascom

Preferida dos movimentos sociais e dos grupos LGBTT para assumir a cadeira de presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, posto que fora ocupado em 2013 pelo polêmico pastor Marco Feliciano (PSC-SP), a deputada federal Érika Kokay (PT-DF) é uma das mais ferrenhas defensoras das minorias em Brasília. 

Com uma retórica contundente e afiada, ela muitas vezes lembra a ex-senadora Heloisa Helena pela ferocidade da fala, o destemor na defesa dos Direitos Humanos e o discurso sempre muito adjetivado, embora com o tom de voz muitos tons de frequência abaixo da hoje vereadora alagoana. 

Para um desinformado que acompanha pouco o trabalho dos deputados em Brasília, ao primeiro ouvido é possível confundi-la não como alguém do partido do governo que está no poder há quase 12 anos, mas como uma parlamentar dita da “minoria barulhenta”, representada pelos deputados do PSOL. 

Líder do movimento que esvaziou a CDHM no ano passado após embate fratricida contra o ex-presidente-pastor, acusado de racismo e homofobia, ela não esconde que é sim, por vontade dos movimentos de base, candidata à presidência do colegiado, assim como no passado não escondeu as críticas ao PT, pela legenda ter rifado a presidência do grupo e entregado aos que ela chama de “fundamentalistas”. 

Segundo Kokay, a retomada pelo PT da comissão das minorias é o resgate de uma dívida do partido com os movimentos sociais e “liberta a comissão da lógica fascista que a aprisionou” em 2013.

A parlamentar admite erro estratégico do Partido dos Trabalhadores em ter aberto mão do colegiado ano passado, mas diz que a ação serviu para escancarar o que chama de “projeto político fundamentalista de poder”, que foi, segundo ela, “construído de forma subterrânea” e “pressupõe o rompimento da laicidade do Estado e a hierarquização dos indivíduos”.

“São ovos de serpente. Por isso, retomar a Comissão de Direitos Humanos significa enfrentar os ovos de serpente, enfrentar uma lógica fascista que hoje se expressa em vários momentos na sociedade brasileira”, afirma a parlamentar. 

Leia a entrevista completa com Érika Kokay, sindicalista, psicóloga, ex-bancária e eleita deputada federal pelo PT com 72.651 votos na última eleição no Distrito Federal: 

O que significa a retomada da presidência da Comissão de Direitos Humanos pelo PT, depois do desastre da gestão de Marco Feliciano?

A volta do partido liberta a comissão da lógica fascista e fundamentalista que a aprisionou. Essa retomada é a possibilidade de voltar a dialogar com o conjunto da sociedade. É importante não só para o PT, mas também para o Congresso Nacional, para a sociedade e para a Democracia. Nós não poderíamos permitir que a barbárie continuasse instalada de forma tão pomposa como se instalou ano passado. 

A sra nunca escondeu insatisfação com o PT por ter permitido a manobra do PMDB que jogou a CDHM nas mãos dos evangélicos. Foi um erro do partido? O que ficou de lição?

O PT errou. E é obvio que nós aprendemos em 2013 que há um projeto de governo que está em curso e que foi construído de forma subterrânea e se expressou de forma contundente na Casa em 2013. Ele pressupõe o rompimento da laicidade do Estado e a hierarquização dos indivíduos. É um movimento fascista. São ovos de serpente. Por isso, retomar a Comissão de Direitos Humanos significa enfrentar os ovos de serpente, enfrentar uma lógica fascista que hoje se expressa em vários momentos na sociedade brasileira, lamentavelmente. Seja na crítica contra as minorias ou na defesa aberta da violência na TV e nas redes sociais. 

A intenção do Bolsonaro (PP-RJ) de assumir a comissão foi real ou mais um factóide dele para chamar a atenção da mídia e ligar os holofotes em ano eleitoral?

Uma pessoa que defende a Ditadura Militar e as manifestações mais profundas e violentas da sociedade não deveria nem ter mandato parlamentar. Porque diversas vezes as posturas do deputado feriram o decoro parlamentar e feriram a Constituição, que nós dissemos que iríamos honrar, quando assumimos os nossos mandatos. Mas o deputado construiu de fato um movimento aliado com os fundamentalistas, que realmente representou um perigo para a sociedade brasileira. Mas que nós conseguimos impedir que eles fossem vitoriosos.

Depois desse imbróglio, os movimentos sociais, especialmente os movimentos LGBTs, querem a sra na presidência da comissão. Sua candidatura está posta? 

Nós vamos apresentar o nosso nome, mas temos a plena convicção de que qualquer nome que venha do Partido dos Trabalhadores cumprirá a missão necessária para o fortalecimento dos Direitos Humanos. Nós devemos fazer uma reunião do Núcleo de Direitos Humanos da Câmara para decidir quem será o nome. O grupo está reivindicando que um dos seus membros ocupe a presidência do colegiado. Tem vários nomes colocados além do meu, como o do Nilmário Miranda ou do Luiz Couto. Todos do PT.

Caso assuma a CDHM, a sra pretende tomar alguma medida contra o deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), que chamou índios, gay e quilombolas de “tudo o que não presta”? 

A coordenação da Frente Parlamentar de Direitos Humanos já tomou uma série de posições e vai denunciar a postura do parlamentar no Ministério Público e na Corregedoria da Câmara, porque a CDHM deve se oficializar apenas daqui quinze dias, logo depois do Carnaval. Mas essas declarações dele são inadmissíveis e expressões fascistas que afrontam a Constituição e a Democracia no Brasil. Elas representam quebra de decorro parlamentar e não podemos tratar como algo natural. É uma expressão de barbárie e não tem nada de inocente. É um discurso que afia as facas, estimulando a violência e a lógica de discriminação que o Brasil não pode mais suportar e fechar os olhos.

Rodrigo Rodrigues No Terra Magazine
*comtextolivre

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