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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, fevereiro 23, 2014

         SENTIR-SE OFENDIDO

Rodrigo César Dias
SENTIR-SE OFENDIDO

Os religiosos vivem ofendidos com as zombarias dos ateus, mas eles nunca se perguntam se as suas crenças e suas práticas ofendem os outros. Por isso, vou enumerar os casos em que eu me sinto ofendido pela religião – casos relacionados apenas ao estupro.
Eu me sinto ofendido quando vejo Deus ensinando, em Deuteronômio (22,23-24), que, se uma mulher for estuprada e não gritar, ela e o agressor devem ser levados à porta da cidade e apedrejados até a morte.
Eu me sinto ofendido quando o papa vem ao Brasil e os católicos saem às ruas para saudá-lo, porque a Igreja Católica é uma instituição que sabidamente acoberta predadores sexuais. E quem sai às ruas para reverenciar o chefe dessa instituição, quer admita ou não, ajuda a financiar moralmente a pedofilia clerical.
Eu me sinto ofendido quando os evangélicos tentam associar a pedofilia à homossexualidade, porque isso é um desserviço à sociedade, na medida em que sabota a profilaxia necessária para evitar novos casos de abuso sexual. Se todo agressor sexual é um homossexual, por que uma mãe deveria desconfiar de um Joseph Frietzl, que era heterossexual?
Eu me sinto ofendido quando um espírita sugere que uma criança foi molestada nesta vida porque numa vida passada ela própria foi uma violadora. Para mim, isso não passa de uma tentativa refinada de transferir a culpa para a vítima, tática muito usada por estupradores. Qual a diferença entre dizer que uma mulher foi violentada porque usava uma saia curta e dizer que uma criança foi molestada porque em outra vida ela cometia crimes sexuais?
Eu também me sinto ofendido quando um mulçumano de setenta anos se casa com uma menina de nove para imitar o exemplo do profeta Maomé, e quando, num ritual judaico de circuncisão, um rabino enfia a boca no pênis mutilado de um recém-nascido para sugar-lhe o sangue.
Agora eu pergunto a todos esses que, sentindo-se ofendidos com galhofas ateístas, julgam-se no direito de prender, censurar, processar e decapitar: posso pagar a ofensa de que sou vítima empregando os mesmos métodos que vocês usam? Se sim, a quem devo prender? A quem devo processar? De quem devo tentar extorquir uns trocados? A cabeça de quem devo separar do tronco? Que corpos devo explodir? 
*http://www.euracional.com.br/index.php/religiao/item/135-sentir-se-ofendido

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