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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, junho 09, 2010

De ôlho na Soberania Nacional







Estrangeiros ampliam o controle sobre terras e empresas



O grupo Maeda é uma das mais tradicionais empreitadas do agronegócio no Brasil. Fundada por uma família de imigrantes japoneses há 80 anos, em Ituverava (SP), a empresa foi uma das primeiras a plantar algodão no Cerrado, ainda nos anos 1970, e se destacou mundialmente por conseguir integrar todas as etapas de sua cadeia – da produção de sementes até o processo de fiação. O Maeda tornou-se ainda, nos últimos anos, um dos maiores produtores de soja do País. Ocupando uma área de mais de 100 mil hectares nos estados de Goiás, Mato Grosso e Bahia, a empresa faturou 300 milhões de reais no ano passado.

No dia 27 de maio, muitos participantes do setor surpreenderam-se com a notícia de que a família Maeda vendeu o controle da companhia para a Arion Capital, fundo de investimento controlado pelo bilionário Enrique Bañuelos – grande expoente da bolha imobiliária da Espanha. O investidor chegou ao Brasil há menos de dois anos e provocou rebuliço no setor imobiliário ao promover fusões e criar uma das maiores incorporadoras do País, a Agre, recentemente vendida. Longe de ser um episódio isolado, a compra do Maeda pela Arion Capital revela uma tendência: cada vez mais, investidores de outros países desembarcam no Brasil com o objetivo de apostar no agronegócio – o movimento tem sido tão forte que levou o Congresso Nacional a discutir uma forma de limitar a compra de terras por estrangeiros.

Em nenhuma outra cadeia esse movimento é tão claro como no setor de cana-de-açúcar. Nos últimos meses, o mercado testemunhou uma verdadeira avalanche de fusões e aquisições bancadas pelo capital externo. No fim do ano passado, a multinacional americana Bunge arrematou cinco usinas do Grupo Moema por 1,5 bilhão de dólares, triplicando sua capacidade de moagem e assumindo o posto de terceiro maior produtor de açúcar e álcool do País. Em setembro, a francesa Louis Dreyfus Commodities comprou o controle da Santelisa Vale, criando a segunda maior companhia do setor em todo o mundo. Este ano, a holandesa Shell uniu-se à Cosan, maior empresa de álcool e açúcar do mundo, e formou uma gigante com faturamento estimado em 40 bilhões de reais.

Há ainda grupos indianos, como a Shree Renuka Sugars, que negocia a compra do controle acionário do grupo Equipav, gigantes do petróleo como a britânica BP, e fundos de investimento como o Clean Energy, que captam recursos no exterior para investir em usinas no Brasil.

É quase consenso que o processo de incorporação da agroindústria brasileira de cana-de-açúcar pelo capital internacional está apenas no meio do caminho. Segundo dados da Datagro, maior consultoria de açúcar e álcool do Brasil, a participação dos estrangeiros na moagem de cana era de apenas 4% em 2003. Essa fatia saltou para 12,4% em 2008, 23,2% em 2009, e já está em 25,6%. Até 2020, metade do mercado deve estar nas mãos de investidores de fora. A tendência é de que a concentração do setor também cresça, na mesma velocidade. “Hoje, temos 179 grupos econômicos controlando 457 usinas no País. Em 15 anos, vamos ter não mais que 50 ou 60 grupos”, estima Plínio Nastari, presidente da Datagro.

Muitas usinas brasileiras endividaram-se de modo excessivo entre 2006 e 2008, quando o setor experimentou um boom de investimentos, e se viram em situação complicada quando a crise financeira estourou. Com problemas de caixa, muitas empresas tornaram-se alvo fácil de multinacionais e grandes investidores estrangeiros. “A crise financeira fragilizou as empresas de capital nacional e familiar, muitas das quais tinham problemas de gestão, questões societárias mal-resolvidas e problemas de sucessão”, observa Nastari.

O interesse dos investidores estrangei-ros pelo agronegócio é turbinado pelas- perspectivas em relação ao futuro dos biocombustíveis. Na safra atual, quase 60% da cana produzida no Centro-Sul será destinada à fabricação de etanol. “Esta indústria é cada vez mais uma indústria de energia e cada vez menos uma indústria de alimentos. E o mercado global de energia é muito maior do que o de alimentos”, explica Nastari. Segundo ele, apenas o setor sucroalcooleiro terá de investir 75 bilhões de dólares nos próximos dez anos. “Ainda há muito valor a ser capturado nesse setor, que nem de longe está otimizado”, defende.

O mesmo movimento também ocorre no Centro-Oeste e no Nordeste do País, regiões em que predomina o cultivo da soja. Nos últimos cinco anos, uma legião de empresas estrangeiras, financiadas por fundos de investimento, começou a produzir em áreas isoladas como o enclave entre Maranhão, Piauí e Tocantins (que ficou conhecido pelo acrônimo Mapito) e o oeste baiano. Ao menos 20 grupos estrangeiros exploram essas novas fronteiras agrícolas. São empresas como as argentinas El Tejar e Los Grobo que, juntas, controlam uma extensão de terra de aproximadamente 160 mil hectares no Brasil e 900 mil hectares em toda a América do Sul. A Adecoagro, empresa controlada pelo bilionário George Soros, já produz commodities em 340 mil hectares de terra distribuídos entre Brasil, Argentina e Uruguai.

Algumas dessas empresas, como a BrasilAgro e a Tiba Agro, especializaram-se em comprar terras de baixo custo – áreas de pastagens degradadas ou que foram desmatadas por produtores que não tiveram capital suficiente para produzir nelas – com o objetivo de valorizá-las e vendê-las por um preço muito mais alto. A Tiba Agro, empresa desconhecida até meses atrás e que já teria captado mais de 300 milhões de dólares em fundos americanos e europeus, afirma possuir um estoque de 320 mil hectares de terra – área duas vezes maior do que o município de São Paulo – em Mato Grosso, Bahia e Piauí. “Lá fora, diferentemente do que acontece no Brasil, é muito forte a percepção de que há uma escassez de recursos naturais, como terra. Daí o enorme interesse em investir nisso”, afirma Fernando Jank, diretor-geral da Tiba Agro.

Por causa da escalada dos preços do petróleo e as discussões sobre o aquecimento global, governos de todo o mundo têm incentivado a produção de combustíveis agrícolas nos últimos anos. Os Estados Unidos, por exemplo, devem destinar neste ano 116 milhões de toneladas de milho para a produção de etanol. O volume equivale a quase 80% de toda a safra de grãos do Brasil, estimada em 146 milhões de toneladas.

“A discussão de que esses biocombustíveis podem restringir as áreas de alimentos para uma população mundial em forte crescimento impulsionou o sentimento de que há uma escassez de terras no mundo, e que o Brasil é o único país politicamente estável capaz de oferecê-las”, observa a analista de terras da consultoria AgraFNP, Jacqueline Bierhals. A especulação imobiliária fez o valor das fazendas disparar, especialmente nas novas fronteiras agrícolas. Segundo estimativas da AgraFNP, nos últimos 36 meses, o preço médio das terras agricultáveis subiu 54% no Maranhão, 70% no Piauí e 68% no Tocantins.

do Carta Capital

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