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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, junho 16, 2010

Fenômeno de Massa



O futebol e a política

Por Mauro Santayana

As massas sempre demonstraram seu imenso poder. Sua força foi analisada por grandes pensadores do
século passado, como foram Ortega y Gasset, em seu ensaio profético de 1930, La rebelión de las masas; Elias Cannetti, com Mass und Macht; e Serge Tchakhotine, em Le viol des foules par la propagande politique. Todos eles, de uma ou de outra forma, mostram como as massas podem atuar, em certas circunstâncias, como um só indivíduo. Ortega chama a esse indivíduo hombre-masa. Do ponto de vista filosófico, com todo respeito por Ortega, o melhor ensaio é o de Cannetti, ao identificar massa e poder: quem aglutina as massas e as sabe conduzir manobra o seu poder, como Hitler. Partindo da práxis, da experiência real, dos instrumentos totalitários da propaganda, o melhor ensaio é o do biólogo, psicólogo e agitador político russo Tchakhotine. Seu livro foi publicado em francês em 1938, quando o mundo estava entre três ideias básicas: o nazifascismo teuto-italiano, o socialismo marxista e a democracia capitalista-liberal anglo-americana.

Ortega publicou seu livro bem antes, em 1930, e seu grande mérito foi o de analisar a globalização dos anos 20, que levaria à depressão e à guerra, mas remontar o início dessa massificação do indivíduo ao começo da época moderna, ou seja, ao Renascimento e à Descoberta da América. Seu pensamento seria retomado, em seguida, pela Escola de Frankfurt e, de maneira magistral, por Marcuse em One-dimensional man, em 1964 – ano crucial para os brasileiros.

Podemos resumir esses três estudos em uma advertência: a de que a sociedade industrial capitalista tende a anular a individualidade, ao criar e manter uma massa universal uniforme e conformada. Uma massa de indivíduos que “pensa” estar exercendo sua liberdade de escolher, de pensar e de decidir. Não importa qual seja a sua bandeira. O que importa – como diz Cannetti – é que ela tremule como uma labareda.

Há 52 anos, quando “o mundo descobriu o Brasil”, conforme lema divulgado nestes dias, eu dirigia pequeno jornal diário, em Governador Valadares (que continua circulando até hoje). Havíamos perdido Copas anteriores e, de forma crucial, a de 1950, contra o Uruguai, no Maracanã.

Foi uma festa imensa, porque teve o gosto da recuperação do orgulho nacional. O Brasil, que havia perdido Vargas, quatro anos antes, e que começava a recuperar-se com o governo de Juscelino, explodiu diante da genialidade de dois meninos do povo, Garrincha e Pelé (nesta ordem, em meu juízo). Jornal do interior é, acima de tudo, jornal de opinião, e eu redigia rodapé de primeira página. Nele, moderei o entusiasmo geral, ao lembrar as terríveis dificuldades que o Brasil vinha encontrando para realizar o projeto de desenvolvimento de Vargas, naquele terceiro ano de Juscelino no poder.

Neste meio século conseguimos dar um grande salto econômico. A vitória de 1958 deve ter contribuído, e muito, para que o mineiro cumprisse a meta de avançar, conforme o slogan, 50 anos em 5. Vendo os fatos com tanto tempo de intervalo, sentimos a interação entre o entusiasmo popular da vitória com o esforço de desenvolvimento naquela segunda metade do governo. Infelizmente, no pleito de 1960, houve um demagogo que conseguiu dominar as massas, eleger-se, enveredar pela sedução totalitária e, com sua renúncia irresponsável, abrir caminho a duas décadas de ditadura.

Para manter a força positiva das massas, faltam os líderes sensatos. Para perdê-las, bastam os demagogos alucinados.

do JB

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