Lula e Vargas na madrugada da partilha
Reproduzo, para que todos possam ter acesso, o belíssimo texto do sociólogo Gílson Caroni Filho, publicado na edição de hoje do Jornal do Brasil:
Nascido da tradição da Filosofia da História, o tempo lento, linear e previsível não costuma dar espaço para que surjam agitações trazidas por “eventos” desconstrutores de representações sedimentadas No entanto, quando constelações específicas condensam a vida, restituindo sua dimensão dialética, estamos, sem dúvida, diante de atos ou fatos inaugurais quase sempre originados na esfera política.
Quando o Senado aprovou a capitalização da Petrobras em até US$ 60 bilhões, o que ampliará a dimensão estatal da empresa, e o regime de partilha, que garante a exploração soberana das jazidas do pré-sal, a história se tornou presente no espaço. Ignorando o intervalo de 57 anos, a madrugada fria de 10 de junho de 2010 trouxe de volta o tema do petróleo como questão de soberania. Das brumas de 3 de outubro de 1953, Vargas voltou a sancionar a Lei 2.004, recriando a Petrobras, com o restabelecimento do monopólio do Estado para exploração do nosso mais valioso recurso natural. Da névoa seca do Planalto, Lula retomou a campanha de O petróleo é nosso, reinventando Brasília como capital da consciência histórica.
A decisão do Congresso representa derrota para o projeto de Serra e das petroleiras internacionais que lutaram até o fim para adiar votação, na expectativa de uma reversão do quadro político nacional, após as eleições de outubro. O novo marco regulador garante à Petrobras o papel de operadora única de jazidas gigantescas que podem conter até 50 bilhões de barris, segundo a Agência Nacional de Petróleo. Com isso, a estatal brasileira terá, no mínimo, 30% dos novos campos, mas poderá receber do Estado 100% de novas áreas sem licitação.
O próximo passo é a criação da Petro-Sal, uma empresa que vai assegurar a hegemonia pública completa no gerenciamento dessa riqueza. É a pá de cal no sonho privatizante dos interesses aglutinados em torno da candidatura tucana. Foi aprovado, ainda, o Fundo Social formado pela capitalização de receitas e royalties vinculados a investimentos em educação, ciência, tecnologia, meio ambiente, combate à pobreza e à desigualdade.
Ao contrário do consórcio neoliberal que o antecedeu, o governo petista lega às gerações futuras um passaporte de emancipação social, em vez de dívidas, crise e alienação de patrimônio público.
É a reiteração de uma estratégia de desenvolvimento econômico e social que rompe com os padrões anteriores. Assistimos à implantação crescente de políticas industriais e tecnológicas voltadas para o parque produtivo brasileiro, respondendo aos desafios impostos pela conjuntura econômica internacional e às exigências de um sólido mercado interno. Se antes a ação econômica instrumentalizou a política, fazendo dela um meio de coerção para a maximização dos fins acumulativos, agora, após oito anos de governo democrático-popular, a institucionalidade democrática inverteu os termos da equação.
Antes mesmo que o sol nascesse, Lula, elegantemente, se despediu de Vargas. Quem assistiu à cena improvável, jura que o Angelus Novus, de Paul Klee, sorriu satisfeito. Nas suas costas não havia mais ruínas.
Le Monde: herdeira de Lula se projeta no mundo
Enquanto a mídia brasileira se esforçou para desqualificar a visita de Dilma à Europa, onde está sendo recebido por chefes de Estado e de governo, o jornalismo sério do Le Monde a tratou com deferência em matéria sob o título “De Paris, a herdeira de Lula se projeta sobre a cena internacional.”
Lula é hoje, possivelmente, o político mais popular do mundo e respeitado em todos os continentes. Em sua visita à Europa, Dilma procura mostrar que é a candidata de Lula e que vai levar além um projeto de crescimento com distribuição da riqueza.
“O Brasil está vivendo um momento muito especial, podemos passar da condição de país emergente para a de uma nação desenvolvida”, explicou ela ao jornal francês. Isso, supondo-se que durante a próxima presidência (2011-2014) seja mantida uma taxa de crescimento de 5,5% a 6% ao ano.
O Le Monde destacou a criação de 14 milhões empregos nos oito anos do governo Lula e apontou como desafio para o país desenvolver um ensino de qualidade. “A integração das regiões pobres do Nordeste e do Norte exige uma mão de obra mais qualificada, seria preciso uma escola técnica em cada cidade com mais de 50 mil habitantes”, disse Dilma. O jornal lembrou que o atual governo brasileiro dobrou o número de escolas técnicas existentes e criou quatorze universidades.
“O Brasil não se tornou um grande produtor de alimentos só por causa da qualidade de seus solos e das virtudes de seu clima, mas porque nossa excelência em matéria de pesquisa agrícola permitiu que escolhêssemos os cultivos adequados”, acrescentou Dilma. “Da mesma forma, imensas jazidas de petróleo em águas muito profundas sob uma crosta de sal [pré-sal] foram descobertas graças à competência da empresa pública Petrobras”.
O Le Monde destaca que para superar o ponto de estrangulamento da infraestrutura, o governo Lula lançou em 2007 um amplo programa de aceleração do crescimento (PAC). Além disso, Dilma Rousseff foi apresentada pelo chefe do Estado como “a mãe do PAC”, por sua responsabilidade na gestão de todo o programa.
O jornal destaca que Dilma não se deixa abalar quando se mencionam as relações do presidente Lula com Raúl Castro ou Mahmoud Ahmadinejad. “Não se faz diplomacia interferindo nas questões internas de outros países. As ameaças, o isolamento ou as sanções não levam a nada de construtivo”, disse ela sobre Cuba e a recente iniciativa da Turquia e do Brasil na questão nuclear iraniana.
Segundo o Le Monde, Dilma Rousseff aproveitou a Copa do Mundo para se projetar no cenário internacional. “Foi em Paris que a candidata do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, designada pelo Partido dos Trabalhadores (PT, esquerda) para a eleição presidencial (cujo primeiro turno está marcado para 3 de outubro), assistiu à primeira partida da equipe do Brasil, na terça-feira (15). Ela vestia a camisa verde-amarela da Seleção.”
do Tijolaço
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