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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, setembro 15, 2010

Cidadânia sómente a verdade sem fins lucrativos






O Ad Hominem da Militância

Já é um clichê repetido à exaustão que a grande mídia tem sofrido um tranco duro durante esta década de disseminação do acesso à internet. Não quero aqui martelar outra vez este ponto, mas analisar, de forma breve, uma variação recente da resposta de alguns jornalistas ao processo que poderíamos chamar de “choque de transparência”.

Por Idelber Avelar

Já é um clichê repetido à exaustão que a grande mídia tem sofrido um tranco duro durante esta década de disseminação do acesso à internet. Não quero aqui martelar outra vez este ponto, mas analisar, de forma breve, uma variação recente da resposta de alguns jornalistas ao processo que poderíamos chamar de “choque de transparência”.

Trata-se do termo “militância”, sistematicamente usado por jornalistas para desqualificar as críticas recebidas pela grande mídia na internet. Em primeiro lugar, vale lembrar uma diferença entre os blogues, principais instrumentos de crítica da mídia na primeira metade da década, e o Twitter, plataforma de micro-publicações que adquire cada vez mais importância na internet brasileira. Muito pode ser dito aqui e existe gente mais qualificada que eu para falar dos aspectos técnicos da coisa. Limito-me a apontar o óbvio: por mais barulho que os blogues fizessem, era relativamente simples ignorá-los. Um blog opera em seu espaço próprio, que o jornalista da grande mídia, mesmo visitando, pode ignorar ou fingir ignorar. No Twitter, não. Cada jornalista e veículo de mídia possui seu próprio perfil, mas opera no mesmo ambiente que todos os outros tuiteiros. Uma avalanche de menções a alguém dificilmente poderá ser ignorada sem que se caia no ridículo. Por isso a ombudsman da Folha foi obrigada a dedicar a coluna inteira deste domingo ao #DilmafactsbyFolha. Teria ficado feio demais fingir desconhecimento de uma experiência tão impactante como aquela.

Posto que praticamente nenhum tuiteiro vive sem dar uma olhadinha na coluna das menções a seu nome, os jornalistas e a grande mídia começaram a ter uma ideia de como são percebidos. O autismo com que sempre se comportaram sofreu um duro golpe e a principal estratégia de desqualificação não tardou a se consolidar. Observando as últimas colunas dos Mervais, Cantanhêdes, Noblats, Leitões et caterva, dois dos substantivos mais repetidos são “militante” e “militância”. As críticas que recebem são colocadas na conta da militância enquanto eles, evidentemente, acreditam fazer “jornalismo”.

Como todas as outras observações supostamente neutras, esta também merece ser dissecada. Sabemos qual é o único grande partido brasileiro que tem “militantes”. PSDB, DEM, PMDB e congêneres não possuem “militantes”. Podem possuir funcionários, assessores, parlamentares, mas militante é coisa mais rara nessas agremiações. O mais curioso na desqualificação é que um militante é alguém que, por definição, faz política porque nela acredita. Um jornalista empregado por um grande grupo de mídia brasileiro é alguém que, por definição, e não importa quais sejam suas opiniões e integridade pessoais, está severamente limitado no que pode dizer, mesmo quando bloga ou tuíta em seu próprio nome. No entanto, uma enorme fração destes últimos se vê no direito de desqualificar fatos e argumentos apresentados por aqueles com o ad hominem “você é militante” (link via César). O argumento ad hominem, que desqualifica o interlocutor sem se ocupar do conteúdo do argumento, costuma ser o último refúgio de quem está em apuros numa discussão. Os jornalistas da grande mídia têm recorrido a ele com frequência impressionante.

Especialmente nos debates acerca do governo Lula e de seu antecessor, repete-se o mesmo paradigma com tediosa previsibilidade. Mostram-se números, dados, gráficos e fatos que ilustram o que sabe 85% da população brasileira: que o governo Lula foi muito melhor para o Brasil, e especialmente para os mais pobres, que seu antecessor tucano. Acossado pela comparação entre níveis de salário, de investimento, de relação dívida / PIB, entre o número de universidades construídas, vagas criadas para o ensino superior e empregos gerados nos dois governos, além de uma infinidade de outros etecéteras, o jornalista “isento” só consegue, num implícito reconhecimento de derrota no debate, resmungar: "eu faço jornalismo, você é militante".

Está cada vez mais bonito ver essa galera levar baile. Os “militantes”, pelo que parece, só estão começando.

*RevistaFórum

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