Como os BRICS podem mudar geopolítica do mundo
Um jovem pesquisador brasileiro sustenta: EUA e Europa querem
minar a aliança das periferias, porque não aceitam dividir poder global
Oliver Stuenkel (na foto abaixo) fez parte da delegação brasileira para o fórum acadêmico Track II,
em preparação para a Cúpula de Nova Délhi para líderes do Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS), que aconteceu na quinta
feira.
Stuenkel é especializado nas relações do Brasil com a Índia, mas também
foca mais amplamente suas pesquisas nos BRICS. Ele é atualmente
professor de Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas, em São
Paulo. Também coordena um blog chamado Post Western World, que olha como as potências emergentes estão mudando o mundo.
Abaixo, estão partes de minha entrevista com Stuenkel, na qual ele
lança luz sobre o Brasil e as perspectivas e desafios que os BRICS
enfrentam. Ele também contraria aqueles que dizem que os BRICS falharam.
Oliver Stuenkel |
Oliver Stuenkel: Ser parte dos BRICS é muito importante por que o
conceito tem implicações geopolíticas. O país é visto como uma ameaça
potencial aos poderes estabelecidos. E o Brasil tradicionalmente tem
estado distante das áreas e temas mais importantes do mundo. Nunca fora
visto antes como uma ameaça potencial, ou um país poderoso, com
impacto relevante na situação global. Mas ser parte dos BRICS muda esta
percepção, em algum grau. A aliança faz do Brasil um ator muito mais
importante, na perspectiva europeia e norte-americana.
Penso que há, no Brasil, uma grande consciência de que ser parte dessa
aliança, ou grupo, pode permitir participar, por exemplo, no debate
sobre a emergência da Ásia. Isso é importante porque, até a inclusão da
África do Sul, os BRICS eram basicamente três países (China, Rússia e
Índia) que fazem parte da massa territorial da Eurásia. O Brasil é
muito distante deles, geograficamente. Combinado com o fato de que
Rússia, Índia e China se conhecem há muito tempo, isso contribuiu para o
fato que, até a África do Sul se juntar, o Brasil manter-se como um
estranho. A inclusão dos sul-africanos ajudou os BRICS a assumirem
dimensão global, capaz de representar mais continentes. Também fez com
que o Brasil se sentisse menos excluído.
A China ultrapassou os Estados Unidos, como maior parceiro comercial
do Brasil. A relação do Brasil com os BRICS tornou-se mais importante
que a relação com os Estados Unidos, ou até mesmo o Mercosul?
Stuenkel: É difícil responder isso, mas o governo brasileiro
continua a focar na sua própria região. Existe um forte reconhecimento,
no Brasil, de que o país sempre será parte da América do Sul e de que
os laços econômicos e políticos com essa região sempre serão uma
prioridade. No que diz respeito aos Estados Unidos, acredito que há uma
divisão na liderança brasileira. Durante o governo Fernando Henrique
Cardoso, a maioria dos políticos diriam que os EUA eram absolutamente
uma prioridade. Mas agora, com os governos de Rousseff e Lula, existem
pessoas tentando equilibrar as duas. Acredito que o Brasil nunca
escolher entre os BRICS ou os Estados Unidos – sempre haverá um certo
equilíbrio.
Você acredita que os Estados Unidos e a Europa prefeririam que os BRICS fracassassem?
Stuenkel: No lado norte-americano, acho que existe um interesse
forte em reduzir os laços entre o Brasil e o resto dos BRICS. Acredito
existir um entendimento claro de que o fortalecimento destas relações é
problemático… Repare que há muito poucas alianças poderosas no mundo
sem nenhuma participação europeia ou norte-americana. Os BRICS são a
única. E esse não é o interesse dos Estados Unidos.
Você vê evidências de interesses poderosos tentando dividir os BRICS?
Stuenkel: Existem esforços, nos Estados Unidos, para enfraquecer
as relações entre o Brasil e os outros países do BRICS. Vemos isso na
mídia. É muito difícil encontrar hoje qualquer comentarista
norte-americano ou europeu que fale que o BRICS pode ser algo bom, a
ser apoiado. A visão dos comentaristas e acadêmicos norte-americanos e
europeus sobre o BRICS é muito mais cética que a Índia, por exemplo —
onde há um novo grupo de pensadores emergindo.
Qual o maior desafio que o BRICS enfrenta?
Stuenkel: Articular uma visão comum, para mostrar ao resto do
mundo que é uma aliança poderosa, que pode construir uma visão clara do
que quer… Também acho que os BRICS precisam ser mais inovadores,
porque agora estão sendo comparados a experiências passadas como o G7 e
mesmo a União Europeia e OTAN. Muitas pessoas dizem “os BRICS não se
parecem com a UE ou com a OTAN – por isso, vão falhar”. Acredito que o
verdadeiro desafio para é pensar fora do padrão, considerar novas
ideias, criar algo que nem existe ainda e não entrará em xeque quando
algum problema bilateral entre seus membros aparecer.
Se forem capazes de fazer isso, quais serão os resultados?
Stuenkel: Se os BRICS forem capazes de falar com uma só voz em
qualquer situação que envolva assuntos globais, vão se converter
imediatamente em construtores de agenda e numa voz muito poderosa, que
nem os Estados Unidos, nem a União Europeia poderão ignorar. Seria a
primeira vez que teríamos uma alternativa séria à narrativa das
potências estabelecidas sobre como ver o mundo. O controle do discurso
global pelos norte-americanos ainda é bastante forte, porque os países
emergentes não são capazes de articular uma visão alternativa nesse
ponto. Os BRICS podem mudar isso.
Algumas pessoas dizem que os BRICS já falharam, por não terem estabelecido narrativa e visão unificadas. Você concorda?
Stuenkel: Não. Acho que existe, nos Estados Unidos e na Europa,
interesse em assegurar que os BRICS não estabeleçam uma narrativa.
Muitas análises que procuram criar uma imagem de que o BRICS são
incapazes de encontrar essa visão comum. É bastante natural que países
que começaram a se reunir formalmente há apenas quatro anos ainda
tenham problemas a resolver. Nunca chegará o dia em que concordem em
tudo, assim como a União Europeia e a OTAN não concordam em tudo.
Por que alguém que vive fora dos países do BRICS deveria se importar
com eles, ou com o fato de se encontrarem anualmente como um grupo?
Stuenkel: Porque os BRICS têm o potencial de se tornarem uma voz
muito importante. Não é possível resolver as mudanças climáticas, nem
lidar efetivamente com a instabilidade financeira global, sem eles. Se
estes cinco países disserem: “temos uma posição comum quanto às
mudanças climáticas”, isso será de importância crucial para a próxima
cúpula sobre o tema, e para o próprio debate global.
Onde você vê os BRICS em 2030?
Stuenkel: Em 2030, das quatro maiores economias do mundo, três
serão países do BRICS. Eu acho que isso irá mudar fundamentalmente o
mundo.
Gabriel Elizondo, correspondente da Al Jazeera no Brasil Tradução: Daniela Frabasile
No Outras Palavras
*comtextolivre
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