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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, abril 06, 2012

Cristão ou não, aproveite o texto brilhante do mestre Santayana para refletir

 

Via Jornal do Brasil
A crucificação de Cristo, o suicídio e a rebelião em Atenas
“… mediante a Trilateral e o Clube de Bielderbeg, controlados, como se sabe, por meia dúzia de poderosas famílias do mundo. Esse projeto é o de dizimar, por todos os meios possíveis, a população, e transformar a Terra no paraíso dos 500 mil mais poderosos ricos e eleitos, em oposição à utopia cristã”.
Mauro Santayana
O homem que prenderam, interrogaram, torturaram, humilharam, escarneceram e crucificaram, na Palestina de há quase dois mil anos, foi, conforme os evangelhos, um ativista revolucionário. Ele contestava a ordem dominante, ao anunciar a sua substituição pelo reino de Deus. O reino de Deus, em sua pregação, era o reino do amor, da solidariedade, da igualdade.
Mas não hesitou em chicotear os mercadores do templo, que antecipavam, com seus lucros à sombra de Deus, o que iriam fazer, bem mais tarde, papas como Rodrigo Bórgia, Giullio della Rovere, Giovanni Médici, e cardeais como os dirigentes do Banco Ambrosiano, em tempos bem recentes. O papa reinante hoje, tão indulgente com os gravíssimos pecados de muitos de sua grei, decidiu, ex-catedra, que as mulheres não podem exercer o sacerdócio.
Ao longo da História, duas têm sido as imagens daquele rapaz de Nazaré. Uma é a do filho único de Deus, havido na concepção de uma jovem virgem, escolhida pelo Criador. Outra, a do homem comum, nascido como todos os outros seres humanos, em circunstâncias de tempo e lugar que o fizeram um pregador, continuador da missão de seu primo, João Batista, decapitado, porque ameaçava o poder de Herodes Antipas. Tanto João, quanto Jesus, foram, como seriam, em qualquer tempo e lugar, inimigos da ordem que privilegiava os poderosos. Por isso — e não por outra razão — foram assassinados, decapitado um, crucificado o outro.
Os homens sentem a presença do Absoluto quando as circunstâncias o negam
Um e outro tiveram dúvidas, segundo os evangelistas. João Batista enviou emissário a Jesus, perguntando-lhe se era mesmo o messias que esperava, e Cristo, na agonia, indagou a Deus por que o abandonava. Os dois momentos revelam a fragilidade dos homens que foram, e é exatamente nessa debilidade que encontramos a presença de Deus: os homens sentem a presença do Absoluto quando as circunstâncias o negam. João Batista sentia-se movido pela fé, ao anunciar a vinda do Salvador.
Era um ativista, pregando a revolução que viria, chefiada por outro, pelo novo e mais poderoso dos profetas. Ao saber que Cristo pregava e realizava milagres, supôs que ele poderia ser aquele que esperava, mas duvidou. Nesse momento, moveu-se pela esperança de que o jovem nazareno fosse o Enviado — o que confirmaria a sua fé. Cristo, na hora da morte, talvez levasse a sua dúvida mais adiante, e se perguntasse se a sua morte, que previra e esperara, serviria realmente à libertação dos homens — desde que salvar é libertar. O Reino de Deus, sendo o reino da justiça, é a libertação. Daí a associação entre essa felicidade e a vida eterna, presente em quase todas as religiões.
Na pregação de Cristo, a libertação começa na Terra, na confraternização entre todos os homens. Daí o conselho aos que o quisessem seguir, e ainda válido — repartissem com os pobres os seus bens, como fizeram, em seguida, os seus apóstolos, ao criar a Igreja do Caminho. Se acreditamos na vida eterna, temos que admitir que a vida na Terra é uma parcela da Eternidade, que deve ser habitada com a consciência do Todo. Assim, a vida eterna começa na precariedade da carne.
Quarta-feira passada — quando em São João del Rei, em Minas, a Igreja celebrou o Ofício das Trevas no rito antigo — um grego, Dimitris Christoulas, chegou pela manhã à Praça Syntagma, diante do Parlamento Grego, buscou a sombra de um cipreste secular, levou o revólver à têmpora, e disparou. Em seu bilhete de suicida estava a razão: aos 77 anos, farmacêutico aposentado, teve a sua pensão, reduzida em mais de 30%, ao mesmo tempo que se elevou brutalmente o custo de vida.
As medidas econômicas, ditadas pelo empregado do Goldman Sachs e servidor do Banco Central europeu, nomeado pelos banqueiros primeiro ministro da Grécia, Lucas Papademos, não só reduziram o seu cheque de aposentado, como o privaram dos subsídios aos medicamentos. Quero morrer mantendo a minha dignidade, antes que me veja obrigado a buscar minha comida nos restos das latas de lixo — escreveu em seu bilhete de despedida, lido e relido pelos que tentaram socorrê-lo, e que se reuniam na praça. “Tenho já uma idade que não me permite recorrer à força — mas se um jovem agora empunhasse um kalashinov, eu seria o segundo a fazê-lo e o seguiria”.
No mesmo texto, Christoulas incita claramente os jovens gregos sem futuro à luta armada, a pendurar os traidores, na mesma praça Syntagma, “como os italianos fizeram com Mussolini em Milão, em 1945”. O tronco do cipreste se tornou um painel dos protestos escritos. Em um deles, o suicídio de Christoulas é definido como um “crime financeiro”.
A morte de Christoulas, em nome da justiça, pode trazer nova esperança ao mundo, como a de Cristo trouxe
A morte de Christoulas, em nome da justiça, pode trazer nova esperança ao mundo, como a de Cristo trouxe. Não importa muito se ainda não foi possível construir o reino de Deus na Terra, e não importa tampouco que o nome de Cristo tenha sido invocado para justificar tantos e tão repugnantes crimes. No coração dos homens de boa vontade, qualquer que seja o seu calvário — porque todos os homens justos o escalam, onde quer que nasçam e morram — a felicidade os visita, quando comungam do sentimento de amor de Cristo pela Humanidade. Nesses momentos, ainda que sejam apenas segundos fugazes, habitamos o Reino de Deus.
Nunca, em toda a História, tivemos tanto desdém pela vida dos homens, como nestes tempos de ditadura financeira universal. Estamos vivendo vésperas densas de medo, mas dentro do medo, há centelhas de esperança. A morte do aposentado, quarta-feira de trevas, em Atenas, é, com toda a carga trágica de seu gesto, partícula de uma dessas centelhas.
Estamos cansados de sangue, mas o que está ocorrendo hoje — teorizem como quiserem economistas e sociólogos — é a etapa seguinte do grande projeto dos neoliberais, que vem sendo executado sistematicamente pelos que realmente mandam no mundo e que assumiram sua governança (para usar o termo de seu agrado), mediante a Trilateral e o Clube de Bielderbeg, controlados, como se sabe, por meia dúzia de poderosas famílias do mundo. Esse projeto é o de dizimar, por todos os meios possíveis, a população, e transformar a Terra no paraíso dos 500 mil mais poderosos ricos e eleitos, em oposição à utopia cristã.
Mas é improvável que os pobres, que são a maioria, não identifiquem seu real inimigo, e se sacrifiquem, sem resistência, ao Baal contemporâneo — esse sistema financeiro que acabou com a antiga sacralidade da moeda, ao emitir papéis sem nenhuma relação com os bens reais do mundo e com a dignidade do trabalho. A força da mensagem do nazareno deve ser retomada: os oprimidos — negros, brancos, muçulmanos, cristãos, budistas e ateus — devem compreender que os habitam o homem, e não animais distintos, destinados à violência em proveito dos promotores da barbárie.
Ao expirar, depois de torturado, ultrajado seu corpo, humilhado, escarnecido, Cristo se tornou a maior referência de justiça. Aos 77 anos, o aposentado grego, ao matar-se, transformou-se em bandeira que ameaça iniciar, na Grécia, novo movimento em favor da igualdade — a mesma ideia que levou Péricles a fundar o primeiro estado de bem-estar social da História, ao reconstruir Atenas, empregar todos os pobres, e dotar os marinheiros do Pireu do primeiro conjunto de casas populares da História.
Vinte séculos podem ter sido apenas rápido intervalo — um pequeno descanso da razão. 
*Gilsonsampaio

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