Mídia transformou office-boy de bicheiro em mosqueteiro da ética
Demóstenes
Paulo Nogueira
Diário do Centro do Mundo
Paulo Nogueira
Diário do Centro do Mundo
A imprensa operou uma mágica em Demóstenes Torres: transformou
rapidamente um político paroquial e inexpressivo numa personalidade
nacional.
Demóstenes, para ganhar uma cobertura extraordinária de jornais e
revistas, seguiu a receita clássica: falou o que os outros queriam
ouvir. Basicamente, um discurso arquiconservador enfeitado por uma
pregação moralista em que o governo era combatido pela ótica da
corrupção.
Com isso, Demóstenes se tornou uma presença ubíqua, previsível e maçante
na mídia. Ele se juntaria a um coral conservador do qual fazem parte
articulistas como Merval Pereira, Ali Kamel, Marco Antonio Villa, Luiz
Felipe Condé e Arnaldo Jabor. Todos eles falam, essencialmente, a mesma
coisa, frases como que extraídas dos discursos de Ronald Reagan e
Margaret Thatcher nos anos 1980. (Curioso que a nenhum deles ocorra
fazer, já com a distância que vinte anos permitem, o balanço da obra que
Reagan e Thatcher legaram aos Estados Unidos, ele, e ao Reino Unido,
ela: declínio econômico acrescentado de uma elevação notável da
desigualdade social. Cada um de seu lado do Atlântico, os dois criaram o
que um economista americano chamou, num livro recente, de Nanny State ao contrário – Estados-Babás para os ricos.)
É vital que haja microfones para o pensamento conservador. Mas onde o
contraponto para ajudar o leitor a formar opinião? Hoje, esse
contraponto está praticamente confinado à internet no Brasil. Até por
razões econômicas – o consumidor de notícias que não se sente
representado é sinônimo de perda de circulação e de audiência – é
imperioso para a indústria da mídia brasileira a retomada do equilíbrio
perdido. O Deus Mercado, para usar uma expressão cara ao
conservadorismo, demanda isso. Os leitores — eu incluído — ficarão
felizes.
Demóstenes floresceu exatamente num ambiente de perda de pluralidade de
idéias na mídia brasileira. Picaretas aparecem assim, porque a filtragem
fica rala. Basta dizer coisas como as que Demóstenes dizia, e seu
celular vai tocar, chamado por jornalistas que precisam de frases para
preencher textos com idéias preestabelecidas. Das entrevistas
telefônicas a convites para participar de programas na Globonews ou
escrever colunas é um passo. (Numa rápida pesquisa que fiz, vi que
Demóstenes tinha até uma coluna no blog de Ricardo Noblat, das
Organizações Globo.)
Demóstenes pertencia claramente à categoria dos conservadores de
conveniência. Espertalhões como ele sabem como atrair os holofotes, e se
adaptam às circunstâncias. Se para conseguir espaço ele tivesse que
adotar uma retórica de esquerda, com certeza Demóstenes andaria com um
chaveiro de Marx no bolso e repetiria frases de Lenine. Homens como ele
têm uma única ideologia: a do dinheiro.
Demóstenes usou a imprensa, com motivos pecuniários, para se promover.
Foi usado por ela, por motivos ideológicos. E quem perdeu nisso foi o
Brasil: é nociva para a democracia a crença de que todo político é
corrupto. E é difícil fugir dessa conclusão ao ler a história de
Demóstenes.
Há uma espécie de justiça poética no fato de que a notícia mais
importante da política brasileira em muitos anos tenha nascido não da
mídia — mas da Polícia Federal. Para a qual seguem aplausos de pé.
Clap, clap, clap.
*esquerdopata
Nenhum comentário:
Postar um comentário