Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, abril 12, 2012

A praia Girón da mídia golpista

Por Emir Sader, no sítio Carta Maior:

A mídia latino-americana sempre foi golpista. Representante das oligarquias do continente, dirigida por um punhado de famílias (todo país tem seus Frias, Mesquitas, Marinhos, Civitas), sempre esteve envolvida nos golpes militares contra a democracia no continente, do lado dos EUA.

Se a OEA foi chamada por Fidel de Ministério das Colônias dos EUA, a SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) é seu Ministério de Comunicação para as Colônias. Sempre coordenou a ação da mídia nos golpes militares e nas campanhas contra os governos democráticos do continente.

Antes mesmo da campanha que levou Getúlio ao suicídio, em 1954, e derrubou Perón em 1955, a mídia já tinha sido participante fundamental no sangrento golpe na Guatemala, em 1954, que levou esse país a se tornar, nas décadas seguintes, naquele que sofreu os maiores massacres em um continente cheio de massacres.

Há exatamente 10 anos atrás a mídia venezuelana mobilizou e convocou um golpe militar contra Hugo Chávez. O movimento chegou a ter sucesso imediato, uma TV escandinava pode produzir "A revolução não será televisionada”, documentário já tornado um clássico do cinema de documentário sobre a América Latina. O presidente da Fiesp de lá foi nomeado presidente da ditadura que pretendia se instalar e era saudado, no Palácio Presidencial, pelos chefes da Igreja católica, pelos donos das empresas de comunicação, pelos dirigentes dos partidos de direita, enquanto Hugo Chavez era levado por militares para uma ilha e pressionado para assinar sua renúncia.

Assim que soube do golpe, o povo desceu maciçamente às ruas, dirigiu-se ao Palácio, derrubou as grades e entrou no prédio. Assiste-se nesse momento, no documentário, os chefes do golpe fugirem rapidamente pelas portas laterais do Palácio, enquanto o povo penetra nele.

As TVs e rádios golpistas simplesmente deixaram de dar notícias e passaram a projetar desenhos animados. O fugaz presidente golpista tentou enganar a CNN dando entrevista como se estivesse ainda no Palácio Presidencial, mas o próprio entrevistador lhe disse que sabia que ele já estava num quartel, fugindo. A nem veja, nem leia, eufórica, deu mais um “furo”: sua edição da semana saiu, no sábado cedo, com a notícia do golpe que teria derrubado Hugo Chavez como a grande matéria de capa. (Nenhum meio tradicional de comunicação brasileiro, todos com DNA de golpistas, recordou os 10 anos do golpe fracassado na Venezuela.)

Embora houvesse já ma doutrina e um acordo dos governos do continente de se oporem aos golpes militares, sentiu-se o silêcio ou a cumplicidade, e salvo Cuba, nã houve protestos contra a derrubada de um presidente legalmente eleito no continente. O povo venezuelano fez justiça com suas próprias mãos e recolocou Hugo Chávez na presidêcia do pais, para a qual tinha sido eleito por seu voto.

O golpe de 11 de abril de 2002 foi, para a mídia golpista latino-americana, o que a também fracassada invasão de Praia Giron foi para o imperialismo norteamericano: sua primeira grande derrota, que demonstrou que o povo do continente não a aceitar mais que ela pusesse e tirasse governantes no continente. Que agora é o povo quem decide seu destino na América Latina.
*Miro

Nenhum comentário:

Postar um comentário