Os massacres do Egito nos ensinam muita coisa. A mais importante delas é
o risco de arruinar a democracia quando se a substitui descuidadamente
por uma suposta “voz das ruas”. A demoracia é um regime baseado numa
teoria de Estado já milenar, e que, apesar de seus incontáveis defeitos e
contradições, revelou-se mais estável e progressista que todas as
outras. E a base da democracia é o direito de cada um, não só nas ruas,
mas nos campos, na beira dos rios, nas montanhas longínquas, ou mesmo
apenas impossibilidade de sair de casa por alguma razão, de ter o mesmo
direito à opinião e o mesmo peso em decisões políticas do que um
manifestante acampado diante da casa do governador.
E aí, quando eles acham que a voz das ruas pode favorecer os seus
interesses, eles dão uma pirueta conceitual e afirmam idiotices como “a
voz das ruas ser a expressão da vontade do cidadão”, como fez Merval
hoje em sua coluna.
Eu cito sempre Merval, quero deixar claro, porque ele é o porta-voz dos
interesses daqueles que mandam na Casa Grande, dos mesmos que sempre se
locupletaram com nossa miséria e subdesenvolvimento, a começar pela
família Marinho. Merval é um lacaio deles.
E também porque é absolutamente chocante que, em pleno século XXI,
vejamos a nossa grande mídia defendendo, despudoramente, teses
linchatórias.
Está me parecendo que tudo é planejado. A grosseria de Joaquim Barbosa
visa intimidar os outros juízes, como ele já fez na primeira fase do
mensalão. Como imaginar as delicadas Carmen Lúcia e Rosa Weber
enfrentando uma besta fera truculenta como esse homem?
Estaria certa a ex-ministra Ellen Gracie, quando reagiu assustada ao
saber da nomeação de Barboas e disse: “Vai vir para cá um espancador de
mulher?”
A crítica da imprensa à Barbosa é mascarada e maquiavelicamente
preparada para fazê-lo parecer o “justiceiro do povo”. Tão grosso e tão
justo! Como bons filisteus, eles criticam sua truculência de dia, mas a
festejam à noite, entre risos e copos de uísque.
Alguns nem fingem. Merval acusa hoje, criminosamente, o ministro Lewandowski:
“desde o início do julgamento [Lewandowski] denota a intenção de retardá-lo ao máximo”
Isso não é acusar um ministro de fazer chicana?
A repreensão da Casa Grande midiática aos maus modos de Joaquim Barbosa
visa parecer, deliberadamente, a crítica de um inglês pedante à maneira
desleixada de Robin Wood se vestir. Só que Wood roubava dos ricos para
dar aos pobres. Barbosa quer prender um punhado de pobres para agradar
aos ricos. Sim, pobres. Pizzolato é pobre e sem poder. José Genoíno é
pobre e sem poder. Os publicitários condenados já devem estar hoje
empobrecidos e, definitivamente, não tem e nunca tiveram poder. Entre os
réus do mensalão, estão secretárias subalternas, sem dinheiro e sem
poder, condenadas a décadas de prisão, porque o STF tem de cumprir o
teatro organizado pela Globo, de prender “poderosos”…
Prender José Dirceu, sem prova nenhuma, acusando-o do crime capital de
fazer política, ganhar eleições e lutar pela governabilidade, será uma
dulcíssima vingança para os donos da mídia. Mas ele também não tem
dinheiro ou poder. Quando teve poder, era um poder alcançado via
sufrágio universal. Era um poder imantado de democracia e soberania
popular. Não era um poder amealhado com a venda do Brasil a interesses
estrangeiros nem com a entrega de nossa democracia à sanha de ditadores,
como é o poder da Globo. Um poder que lhe permitiu acumular uma fortuna
hoje avaliada em 52 bilhões de reais!
Mas a Globo, com apoio de seus coxinhas de estimação, chama Pizzolato,
um homem pacato que nunca exerceu cargo importante no PT, nunca foi
influente no governo e jamais foi rico, de “réu poderoso”; e ameaça o
STF com uma revolução egípcia se não prendê-lo. Diante da “voz das ruas”
e dos editoriais raivosos, quem se importará com o sofrimento de sua
família, não é? Um pequeno sacrifício humano aqui e ali não vai fazer
mal a ninguém… Como diria Barbosa, em entrevista recente, ele é
“personagem menor”…
Sem argumentos, os donos da mídia estão apelando, assim como Barbosa, à
truculência, à ameaça. Enquanto Barbosa violenta o direito de um de seus
pares de expor seu voto, e o calunia publicamente, diante das câmeras
da TV Justiça, a Globo e seus satélites sabotam o direito à informação
de seus leitores, usando concessões públicas que ganharam no regime
militar para defender seus interesses politicamente reacionários e
financeiramente escusos.
Por: Miguel do Rosário
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