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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, março 02, 2014

 Qual a diferença, na essência, entre o “alerta à nação” de Barbosa e a defesa dos justiceiros de Sheherazade?


Qual a diferença, na essência, entre o último discurso de Joaquim Barbosa no STF e a clássica defesa dos justiceiros proclamada por Rachel Scheherazade?

Bem pouca. Em ambos os casos está embutido um descrédito nas instituições, uma vontade de espalhar o pânico e a vontade de fazer justiça com as próprias mãos.

Barbosa se sentiu no dever de informar os brasileiros de que corremos perigo. “Sinto-me autorizado a alertar a nação brasileira de que este é apenas o primeiro passo. Esta maioria de circunstância tem todo tempo a seu favor para continuar nessa sua sanha reformadora. Essa maioria de circunstância formada sob medida para lançar por terra todo um trabalho primoroso, levado a cabo por esta corte no segundo semestre de 2012″, declarou.

Alerta? Primeiro passo para o quê? O bolchevismo? O aparelhamento do Supremo pelo PT? Ele sugere uma mudança na forma como os ministros do Supremo são indicados? Vale para ele, que foi indicação de Lula?

“Ouvi argumentos tão espantosos como aqueles que se basearam simplesmente em cálculos aritméticos e em estatísticas totalmente divorciadas da prova dos autos, da gravidade dos crimes praticados e documentados nos autos dessa ação penal”, disse.

“Ouvi até mesmo a seguinte alegação: ‘Eu não acredito que esses réus tenham se reunido para a prática de crimes’. Há duvidas de que eles se reuniram? De que se associaram? E de que essa associação perdurou por mais três anos? E o que dizer dos crimes que eles praticaram e pelos quais cumprem pena?”

Terminou com um lamento teatral: “Esta é uma tarde triste para o STF. Com argumentos pífios, foi reformada, jogada por terra, extirpada do mundo jurídico uma decisão plenária sólida, extremamente bem fundamentada, que foi aquela tomada por este plenário no segundo semestre de 2012.”

De alguma maneira, JB está em sintonia com os novos tempos, em que criminosos ou supostos criminosos são presos a postes por uma multidão inconformada com o estado das coisas. Ele berra, ele ofende, ele quer resolver na porrada, no grito.

Agora, como é um perdedor, o próprio Jornal Nacional destacou apenas a “tarde triste” de sua diatribe. JB decepcionou seus patrocinadores na Globo e os patrocinadores não têm espaço para cavalos mancos.

Deixando o STF, seu lugar pode ser numa bancada do SBT, alertando a nação sobre seja lá o que se passar por sua mente delirante, alimentado pela intolerância e a raiva eterna de tudo que não pode controlar. Uma Sheherazade um pouco mais fofa.

Kiko Nogueira
No DCM 
*comtextolivre

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