As coisas que você possui, acabam possuindo você. Dissecando as relações de poder.
O poder não pertence à ninguém
O discurso sobre o poder como uma coisa única, localizado em um núcleo central de onde ele tudo controla, não conduz as pessoas a um verdadeiro conhecimento sobre este instrumento de nossas relações. Acreditar em um ponto central de onde o poder controlaria tudo é transformar uma característica interna dos indivíduos em um ser com existência própria.
Quando fala-se de poder, as pessoas pensam imediatamente a uma estrutura política, um governo, uma classe social dominante, o mestre frente ao escravo, isto não é de modo algum uma reflexão apurada sobre relações de poder.
Acreditar em uma morada fixa do poder é acreditar que ele é algo que se adquire por meio de investidura, isto é, o poder não seria uma capacidade natural dos indivíduos, mas é algo que recebemos em um determinado momento. Tal reflexão conduz à ideia de que certos indivíduos são, em tese, guardiões do poder.
Nas relações humanas, no ato de comunicar verbalmente, nas relações amorosas, institucionais ou econômicas o poder continua presente. De fato,qualquer a relação na qual um tenta dirigir a conduta do outro trata-se de relação de poder. Estas relações de poder são relações móveis, ou seja elas podem alterar-se, elas não são dadas de uma vez para sempre.
Poder é também toda relação que compromete o ser humano. Nessa ótica, toda ação do cotidiano, mesmo a menor e a mais banal, constitui uma relação de poder. Por exemplo: quando se orienta alguém na rua para encontrar um endereço ou a direção de uma loja, você induz a pessoa a tomar uma atitude, muitas das vezes, contrária a sua intenção inicial, essa atitude constitui uma relação de poder, que lhe foi garantido em confiança.
Tudo aquilo que você possui, ama, ou deseja acaba possuindo, de certa forma, um pedaço seu. E exerce poder sobre você. Como bem dito por Chuck Palanihuk no filme Clube da Luta:
“As coisas que você possui, acabam possuindo você.”
E esta é também uma relação de submissão de poderes.
O poder é um mecanismo dinâmico, enigmático, ao mesmo tempo visível e invisível, presente em toda parte, como numa espécie de rede que cada hora encontra-se em um lugar. Uma pessoa pode ter o poder em um momento e em outro já não ter mais, dependendo das circunstâncias que ela se encontra.
É preciso combater o poder?
A luta contra o poder é sempre difícil, porque temos sempre a sensação de que saímos vencidos desta luta e, mais, porque temos presente a ideia que nunca conseguimos atingir o poder. Deste modo, a busca pelo poder é instrumento de dominação dos corpos, que possui àquele que o deseja.
Essa situação dá a impressão que é a força do poder que nos torna a luta difícil, mas, na realidade, nosso problema é que o combatemos com as armas que a falsa ideia de poder nos fornece, ou seja, armas que consideram o poder onipotente, onisciente, único, possuidor de um titular. Tenta-se usualmente combater o poder com armas inadequadas, quais sejam, mais poder. Assim, caindo no jogo do poder e tentando combate-lo, apenas se fortalece a ideia subliminar de que o poder deva ser combatido com mais poder.
As instituições são as grandes responsáveis pela manutenção da falsa ideia de poder, pois podem valer do seu campo de influência, mantendo o status quo, sobrevivendo quase como um monstro invencível, representantes do sujeito absoluto, que é a falsa ideia de poder.
Entendendo a sua liberdade como indivíduo
Dependendo do nível de consciência do indivíduo, as relações de poder o incitaria a crescer até ao ponto de saber exercer sua liberdade e, considerando o indivíduo em sua maturidade, as relações se realizariam dentro de uma dimensão em que o indivíduo teria o espaço necessário para exercer sua liberdade e tomar sua própria decisão, em função de seu modelo de vida. Tudo isto sugere que o objetivo das relações de poder não seria jamais de manipular, mas uma troca de exercício de liberdade. Esta proposição implica certamente uma profunda consciência da situação dos dois lados ou de um só, mas a parte consciente deveria saber respeitar o degrau de não consciência da outra e ajudá-la a crescer.
Talvez, esse ponto de maturidade, de forma quase espiritual, nos remetem à outro trecho do filme Clube da Luta:
“Apenas depois que você perder tudo é que você esta livre para fazer qualquer coisa”.
Ou seja, compreender a sua liberdade perpassa em entender quão disposto você está de abdicar do poder e quando você acredita dever exerce-lo.
Dentro das relações de poder, pressupõe-se que as partes têm noção de duas coisas: primeiro que a liberdade de cada um é um elemento intocável pelo outro, segundo que o poder não deve ser utilizado para a manipulação, mas para o crescimento das pessoas. Assim, as relações de poder são experiências que os indivíduos fazem do exercício de sua liberdade.
Outra ideia significativa é o fato de que “as relações de poder são relações móveis”, isto significa que devemos ter uma clara consciência da autonomia de nossa liberdade, pois é tal consciência que impedirá a realização da tentativa de dirigir nossas condutas. Eis aí por que as relações de poder exigem uma consciência do compromisso social, isto é, a necessidade de todo ser humano ter consciência do potencial de sua liberdade, para ser capaz de fazer sua escolha dentro das relações de poder.
É importante atentar-se ao fato que toda relação humana é a um certo grau uma relação de poder. Nós evoluímos num mundo de relações estratégicas perpétuas, em uma rede infinita de poderes. Qualquer relação de poder não é má em si mesma, mas com certeza é um fato que comporta sempre perigos.
O mais importante talvez seja entender que o poder quando não é instrumento de evolução, é ilusão, é ego. Aproveitando para citar uma última vez Chuck Palahniuk:
“Você não é o seu emprego. Você não é quanto dinheiro você tem no banco. Você não é o carro que você dirige. Você não é o conteúdo da sua carteira. (…) Você é toda merda ambulante do mundo.”
Tirando toda besteira filosófica sobre ser e poder: tudo que você precisa está dentro de você. E isto é ser, não é poder.
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