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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, outubro 09, 2015

economistas ligados ao PSDB escancararam os interesses por trás da tentativa de interromper o mandato da presidenta Dilma

"Os liberais não gostam do povo"

Por Joana Rozowykwiat, no site Vermelho










Na última semana, economistas ligados ao PSDB escancararam os interesses por trás da tentativa de interromper o mandato da presidenta Dilma Rousseff. Para o professor do Instituto de Economia da Unicamp, Marcio Pochmann, a agenda que os tucanos querem aplicar no Brasil, em caso de golpe, é antipovo e representa o desmonte do Estado brasileiro. “É o retorno a um país voltado para apenas dois quintos da população”, diz ao Vermelho.



“Os liberais não gostam, infelizmente, do povo – sobretudo da população mais pobre. Acreditam que o povo não cabe no país, que os pobres têm que ficar de fora. Portanto, defendem políticas antipopulação, contra os trabalhadores”, critica o economista, ex-presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea).

Em artigos de opinião e em um seminário realizado na semana passada, os tucanos aproveitaram o cenário de crise para ressuscitar velhas teses – que, de tão impopulares, vinham sendo mascaradas nas últimas campanhas eleitorais.

Privatizações, fim da política de valorização do salário mínimo, revisão da estabilidade para funcionários públicos, mudanças na legislação trabalhista e fim de todas as vinculações constitucionais obrigatórias. Estas são algumas das medidas defendidas por personagens como o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, e a ex-diretora do BNDES no governo de Fernando Henrique Cardoso, Eliane Landau.

As sugestões, avalia Pochmann, “fazem parte do mesmo receituário, que vem desde o final dos anos 1980, e parte delas já foi, inclusive, encaminhada”, durante os governos do PSDB. “Depois de 2002, essa agenda, de certa maneira, não foi aprovada pelas urnas, embora continue a haver uma campanha importante nos meios de comunicação, com críticas referentes ao Estado, buscando encontrar viabilidade para o retorno dessa pauta”, afirma o economista.

De acordo com ele, no quadro atual de crise econômica e enfraquecimento do governo, a direita encoraja o retorno desse discurso derrotado nas últimas quatro eleições. “Há um compromisso de fé [dos liberais] em acreditar que o Estado brasileiro segue sendo o problema do país. Mas a experiência que se acumulou, de 2002 para cá, mostra que o Estado não foi problema, pelo contrário, tem sido a solução. Vemos sinais de que é possível, através de políticas públicas sobretudo, enfrentar os problemas que o Brasil acumulou historicamente, como desigualdade, desemprego, a questão da inclusão social”, defende.

A favor do capital

Nesta entrevista ao Vermelho, Pochmann comentou alguns dos pontos do programa resgatado pelo PSDB. Em texto opinativo divulgado em O Estado de S.Paulo, Armínio Fraga propõe, por exemplo, mudanças nas regras trabalhistas. Segundo o professor da Unicamp, trata-se de trazer ao debate, mais uma vez, medidas que só prejudicam o trabalhador.

Durante o seu governo, Fernando Henrique Cardoso trabalhou para flexibilizar a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), encaminhando ao Congresso projeto que alterava o artigo 618 da CLT e deixava vulneráveis direitos dos trabalhadores, entre eles férias e 13º salário. Eleito em 2002, Lula solicitou o arquivamento o projeto que tramitava no Senado e impediu o retrocesso.

“Agora [o projeto] é retomado. Isso é tornar a flexibilidade das contratações abaixo da CLT. Quer dizer, a CLT deixa de ser o piso mínimo de regulação do mercado de trabalho, possibilitando contratações abaixo do salário mínimo, abaixo das regras gerais que hoje conhecemos”, explica Pochmann.

De acordo com ele, em um mercado de trabalho como o brasileiro, com situações ainda muito desiguais, essa liberalização aprofundaria problemas, promovendo o rebaixamento das condições de trabalho e das remunerações. “É trazer ao Brasil um retrocesso em relação aos avanços que o país conseguiu, de elevação da participação dos salários a nível nacional. Essas propostas certamente interessam ao capital e são por demais penalizadoras dos trabalhadores.”

Saúde e educação na berlinda

A Constituição de 1988 estabelece determinados compromissos em relação ao gasto público, percentuais mínimos a serem investidos em áreas estratégicas, como saúde e educação. Os economistas do PSDB, no entanto, acreditam que todas essas vinculações constitucionais devem acabar.

“Isso tornaria o orçamento, a cada ano, passível de ser orientado em função de interesses daquele momento, desconstituindo um compromisso com questões-chave da sociedade brasileira, como saúde, educação, segurança. Então, em função de uma crise, de alguma dificuldade da economia, certamente essas áreas terminariam sendo as mais afetadas com corte de recursos”, analisa Pochmann.

Retrocesso ao século 19

Na linha de pregar a redução do papel do Estado, os tucanos defendem a revisão de todo o capítulo econômico da Carta, proposta considerada pelo ex-presidente do Ipea como a mais ousada entre as demais.

Segundo Pochmann, a capacidade de intervenção do Estado na economia ganhou mais impulso nos anos 2000, com o maior papel das políticas públicas voltadas para a sociedade, como é o caso, por exemplo, da participação da Caixa Econômica Federal na realização dos programas Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida; do Banco do Brasil nofinanciamento da agricultura e do Banco Nacional do Desenvolvimento no fortalecimento do setor privado, das empresas nacionais.

“Tudo isso certamente vai desaparecer, se por ventura vierem a ser viabilizadas proposições como essas [do PSDB], porque tudo dependerá do setor privado. O crédito, as possibilidades de fazer política pública, tudo dependerá dos bancos nacionais privados e, inclusive, dos estrangeiros”, diz o economista.

Para ele, trata-se de uma tentativa de desmonte do Estado brasileiro. “É uma regressão do grau de civilidade no qual o Brasil conseguiu, nesse século 21, avançar. É um retrocesso à sociedade do século 19, ou, se quisermos, a uma sociedade dos dois quintos”, complementa.

Mais desigualdade

Com o objetivo de rebater a pregação calorosa que tucanos fazem das privatizações, Pochmann lembra o saldo das desestatizações ocorridas nos anos 1990, sob a batuta de Fernando Henrique. “Tivemos, por exemplo, cerca de 500 mil trabalhadores demitidos do setor público e tivemos uma desnacionalização, porque empresas estatais foram vendidas ao capital estrangeiro.”

Segundo ele, não se trata de pregar a estatização por si só, mas de defender que o papel do Estado é importante e estratégico em uma sociedade como a brasileira, ainda subdesenvolvida e desigual. “O enfrentamento desse quadro passa pelo Estado e, à medida que você tira o Estado, torna-se cada vez mais latente a situação que a gente já conhece. Medidas que avançam na privatização aprofundam o subdesenvolvimento brasileiro, pois favorecem determinados setores da economia e não outros”, afirma.

Patrimonialismo

Outra medida incluída na cartilha do PSDB é a revisão da estabilidade do emprego no setor público. Para Pochmann, isso retiraria do Estado o papel que ele tem na construção de uma burocracia voltada para atender às demandas da sociedade, promove a descontinuidade das ações e abre portas para o favorecimento político.

“Isso tornará o emprego público vulnerável. As pessoas poderão ser demitidas à medida que mudem os governos. Hoje você já tem os chamados cargos de confiança, espaços que os governos têm quando assumem o poder. Com a retirada da estabilidade, o que pode ocorrer é que, quando ganhe um governo, ele demita todos os funcionários e contrate novos, especialmente os identificados com seus interesses políticos e econômicos”, prevê. “É a volta do patrimonialismo no Brasil.”

Exclusão social

No receituário tucano para controlar a crise, cabe também o fim da atual política de valorização do salário mínimo. O professor da Unicamp lembra que tal diretriz tem ajudado a incluir parcela da população, fazendo com que o poder aquisitivo dos mais pobres aumente acima dos demais salários e elevando o piso de renda da população. Acabar com ela seria, portanto, mais uma mendida “antipopulação”.

“Do golpe de 1964 até os anos 1990, tivemos um período de profunda redução do poder aquisitivo do salário mínimo. E nos anos 2000, houve uma recuperação desse poder aquisitivo, que se tornou inclusive um instrumento importante na elevação da renda, no combate à pobreza e à desigualdade”, diz.

O professor avalia, contudo, que é importante que a oposição de direita deixe claras suas ideias: “venda das estatais, desnacionalização mais uma vez do parque produtivo e a aplicação de políticas que aprofundarão as desigualdades e a exclusão”, resume.

Ao encerrar a entrevista, Marcio Pochmann alerta para os riscos de o país perder conquistas importantes dos últimos anos. “Possivelmente haverá retrocessos, na medida em que o governo não consiga se manter compromissado com as expectativas que foram vitoriosas nas eleições do ano passado, seja por uma incapacidade de conduzir políticas nesse sentido, seja por um golpe que retire o governo que foi eleito democraticamente em 2014.”

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