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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, outubro 25, 2011

Esqueceram-se dos corruptores

A reportagem de capa da Veja (26/10) sobre a indignação contra a corrupção tem o mérito de constatar que o grande catalisador das manifestações realizadas em várias cidades brasileiras foi a reação da presidente Dilma Rousseff às primeiras denúncias graves de corrupção em seu ministério. A figura simbólica de presidente tem muita força em qualquer lugar, talvez mais ainda num país em que tanta coisa importante acontece de cima para baixo.
À luz dessa relação de causa e efeito, o confronto de ideias entre partidários e adversários das manifestações perde o sentido quando é cavalgado por, respectivamente, oposicionistas e situacionistas. Esses opinadores atribuem aos manifestantes inspirações e propósitos que eles não têm.
Lição do barão
A revista apresenta uma numerologia vazia. Primeiro, porque o cálculo do montante de corrupção é uma conta necessariamente falsa, já que corrupção é crime e, portanto, feita sem registro. Os números que se conhecem reportam-se aos casos investigados, pequena parte do todo. Segundo, porque não explica como chegou ao número de R$ 85 bilhões (2,3% do PIB) drenados anualmente pela corrupção. Menciona uma “estimativa” da Fiesp – cujas bases metodológicas são desconhecidas – de R$ 720 bilhões garfados em dez anos.
Terceiro, porque a tradução dos R$ 85 bilhões em obras e atividades que essa soma permitiria realizar é mera fantasia para ilustrar a reportagem. Como se fosse possível escolher uma só dessas opções e jogar nela todo esse inexistente dinheiro.
O mais curioso é, entretanto, um “esquecimento”: Veja não diz uma palavra sobre o papel decisivo de grandes empresas privadas na corrupção. Não são só os corruptos que ficam mais ricos. Os corruptores ficam ainda mais ricos. Cabe a frase com que o Barão de Itararé ironizava o dito de Augusto Comte segundo o qual cada vez mais os vivos são governadores pelos mortos: “Os vivos são cada vez mais governados pelos mais vivos”.
Mauro Malin
*Observatório da Imprensa
 

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