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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, outubro 26, 2011

"Lei de meios" argentina é inspiração ao Brasil

Coragem, Dilma! Democratize os meios de comunicação.Mire no exemplo de Cristina.


 

Lei das comunicações da Argentina pode ser inspiração para o Brasil, diz sociólogo

Cientista político e sociólogo argentino Atílio Borón explicando um pouco da política Argentina (Foto: Ramiro Furquim/ Sul21)       


Buenos Aires – O sociólogo e cientista político argentino Atílio Borón avalia que a reeleição de Cristina Kirchner em primeiro turno para a Presidência argentina decorre de políticas sociais e da articulação de novos atores políticos. O principal deles é a juventude, até então afastada da arena partidária, e que se aproximou de Cristina. Em entrevista,o professor da universidade de Buenos Aires ajuda a entender peculiaridades da vida política argentina. "Falar da Argentina de 2015 é como falar do Brasil de 2094. É uma política de uma dinâmica muito peculiar", sustenta. Ele lembra que, há pouco mais de um ano, uma vitória de Cristina era pouco provável.

Agora, a proximidade entre a presidenta e os movimentos sociais também tornam pouco provável o surgimento de uma alternativa política à esquerda. Esse movimento político, aliás, é outro dos trunfos governistas no processo eleitoral completado no domingo (23).

Sobre a Lei dos Meios, que muda as regras de funcionamento de rádios, TVs e restringe propriedade cruzada de veículos de comunicação, Borón afirma que seria necessário aprimorar o texto para atender à necessidade de emissoras pequenas. Mas deixa claro que considera positiva a medida por restringir o tamanho e a influência de grandes conglomerados de comunicação.


 
Por isso, ele faz uma sugestão à nação vizinha: "Para um país como o Brasil, seria ótimo que ocorresse o mesmo porque aí há uma concentração absurda dos veículos de comunicação. Quando a comunicação está concentrada, a democracia está frágil. Este é um axioma básico da ciência política".
Confira os principais trechos da entrevista.

 
Como se explica este triunfo tão grande de Cristina Kirchner?

 
Houve um conjunto de fatores objetivos que representam uma melhoria de questões básicas para o povo argentino. Um desempenho econômico mais do que razoável, ainda que eu não goste desse modelo econômico, sobre o qual tenho gravíssimas dúvidas. De todo modo, criou uma sensação de bem estar e um consumo significativo, então isso não poderia deixar de se traduzir em um apoio social muito forte para Cristina. É um dado indiscutível. Houve uma moderada distribuição de ingressos. Moderada. Mais ou menos na linha do Brasil. O Benefício Universal por Filho é na linha do Bolsa Família. E uma inclusão de setores sociais que estavam à margem, como o programa para beneficiados. Se somamos a isso outras políticas, como a retomada das reuniões anuais de negociações entre patrões e trabalhadores, isso cria uma boa sensação. Era muito difícil colocar-se contra isso.


 
O que não se examina é que a morte do esposo de Cristina (Néstor Kirchner) criou um fenômeno completamente novo, completamente inesperado, que foi a constituição de um ator político novo, muito importante e muito dinâmico, que é a juventude, que antes praticamente não tinha participação ativa na vida política argentina. Esse setor irrompe de maneira muito forte após o 27 de outubro (de 2010, data da morte de Néstor), e que dá um dinamismo absolutamente impensável à candidatura de Cristina. Ela soube capitalizar isso muito bem, facilitada pela burrice fenomenal dos opositores. É absolutamente incrível. Com um contexto econômico muito favorável, o apoio de vários setores é canalizado para Cristina. Diante da série de erros cometidos pela oposição e da falta de propostas, o resultado era esperado.

 
Aproveitou o vento favorável da economia mundial (até 2008), coisa que tiveram outros governos, mas não aproveitaram. Isso soube fazer Cristina. A renegociação da dívida, as brigas com os organismos internacionais ainda no governo de Néstor (como a solução para a moratória de 2001), tudo isso também criou uma imagem positiva.


 
O governo brigou bastante, mas acabou pagando a dívida.


Sim, é um governo muito obediente ao capitalismo. Isso sempre foi muito claro. Fizeram o mesmo que fez Lula (no Brasil). O Fundo Monetário Internacional exigiu que pagassem, eles pagaram. É muito simples. A proposta de Cristina é um capitalismo racionalmente organizado, com capitalistas nacionais. Muitas vezes, na tentativa de organizar o capitalismo o que teve lugar foi a concentração monopólica, já que a organização favorece o monopólio. Na Argentina, a economia é uma das mais estrangeirizadas da América Latina. Por mais que se queira um capitalismo sério e nacional, resulta debochado e transnacional. Ela terá de tomar alguma decisão neste sentido.

Há um modelo de desenvolvimento claro sendo buscado pela presidenta, em sua visão?

Utilizou-se muito a expressão “aprofundar o modelo”, mas isso não tem muito sentido porque as coisas boas que fez o kirchnerismo foram contra o modelo econômico neoliberal. Mas é um modelo que ainda tem muito peso sobre a economia argentina. A lei que regula o sistema financeiro é da ditadura, que é de Martínez de Hoz (José Alfredo Martínez de Hoz, ministro da economia de 1976 a 1981, durante o período autoritário; a legislação em questão é de 1977). Temos uma carta orgânica do Banco Central feita por Domingo Cavallo (ministro de Carlos Menem, de 1991 a 1997), ou seja, ultraliberal. Temos uma carga tributária ultraregressiva, mais do que no Brasil. De maneira que o modelo econômico terá de ser revisado muito profundamente. Ela vai precisar disso porque os programas de inclusão social sustentados até agora com o superávit da balança comercial agora vai tendo menos fontes de financiamento.

Economica e politicamente, como conduzir a relação com o setor agrícola?


 
O agro é uma fonte fundamental de riqueza argentina. Não pode cair em uma briga absurda com o setor. Tem de brigar pelo que vale a pena, e não por uma questão como a que originou a grande discussão que houve em 2008 e 2009 (quando houve risco de desabastecimento por causa de protestos de organizações do agronegócio contra parte dos alimentos exportados pelo país passaram a ser retidas pelo Estado). Estou totalmente de acordo com aplicar retenções, mas não se pode aplicar a mesma retenção a um senhor que tem 40 hectares de soja e a outro que tem 5.000 hectares. É absurdo. Foi um erro muito grave. E não tiveram a flexibilidade de reagir a tempo. Em grande parte porque Néstor era muito intransigente. Ela tem mais "cintura tática" que Néstor. Ele era muito corajoso, mas às vezes é preciso dar um passo atrás para dar dois adiante. Vai ter de melhorar a relação com o agro, aplicar os impostos que precisa aplicar... Mesmo assim, a relação deve melhorar.

Convém diminuir a dependência da economia em relação a este setor?


 
Sim. Se ela avança em uma política de industrialização e de desenvolvimento regional vai diminuir essa dependência. Uma das maneiras de diminui-la é ter uma estrutura tributária mais equilibrada. Quando se capta bem os impostos à população, capta de onde é mais fácil. E pela via das retenções.


 
Em que o kirchnerismo se assemelha ao peronismo clássico?

O peronismo é um movimento muito ambíguo. Aí cabe tudo – Peron de 1940 e 1950, menemismo dos anos 1990, o kirchnerismo... Este é um "peronismo do século 21". O peronismo nunca teve uma matriz ideológica muito definida em termos de gestão econômica e política. Evidentemente que os governos de Néstor e de Cristina são absolutamente peronistas. A continuidade mais importante é a preocupação com o destino dos setores mais pobres da população argentina, uma preocupação que às vezes dá lugar a políticas corretas, outras não. Uma preocupação que se manifesta sempre no campo da retórica. Desenvolveram mais políticas sociais que outros governos da Argentina. Têm uma atitude em termos de política externa de se ver mais independente das pressões dos Estados Unidos, diferentemente de Menem, que pendia com muita força para a direta. Têm mais vocação latino-americana do que Menem – aliás, esse é um ponto do peronismo clássico. Obviamente que há um aggiornamento (atualização) pela conjuntura. E há descontinuidades. Perón era muito mais estatista do que são Néstor e Cristina, e portanto a intervenção era muito mais forte.


 
Na retórica, Néstor usou o “povo” desde 25 de maio de 2003 de uma maneira muito …


 
Isso é próprio do peronismo. É uma marca do peronismo interpelar constantemente o povo. Isso é muito estranho para a cultura brasileira, é surpreendente. Mas aqui é a tradição política. Não é só o peronismo. O radicalismo também tinha este tipo de vocação.


 
O radicalismo se esgotou?

Fica como um pequeno partido distrital, com alguma força em alguns distritos do país, mas já não é uma alternativa de poder. Deixou de ser alternativa já em 2001, com a queda de (Fernando) De la Rúa, e agora o confirmou. É um partido minoritário. Tem uma representação parlamentar importante, de 42 deputados, mas não têm um líder e não têm um projeto.


 
Já surgiu um projeto alternativo?


 
Falta muito. É um dos grandes problemas que vamos ter o de formar um projeto alternativo superador do kirchnerismo. Vai ter de haver porque o kirchnerismo vai precisar fazer frente a uma crise internacional muito forte, e vai precisar de novas ideias para fazer frente à crise. Não se pode acreditar que estejamos blindados.

Como os movimentos sociais se identificaram tanto com o kirchnerismo?


 
O conjunto social não está em condições de criar alternativas, porque os movimentos estão muito identificados com o kirchnerismo neste momento. Há conflitos latentes no movimento obrero (de trabalhadores). Este, aliás, é um movimento que diferencia Cristina do movimento peronista clássico. O peronismo sempre teve o movimento obreiro como coluna vertebral. Cristina, não. Foi um movimento muito inteligente, aliás. Vinha dizendo que Cristina não poderia apresentar-se publicamente ao lado de Moyano (Hugo Moyano, secretário-geral da CGT, maior central sindical argentina), que é um dos personagens mais desprestigiados da vida política argentina. Ela foi se desprendendo de Moyano e do movimento sindical. Vários dirigentes foram sendo presos. Isso vai criar um foco de tensões muito grande. De todo modo, este movimento sindical não vai se prestar à construção de um novo projeto, sobretudo a um projeto socialista. É um movimento muito identificado com o capitalismo.


 
A aproximação aconteceu por conveniências mútuas. Quando Kirchner de certo modo se separa do Partido Justicialista, o apoio que tinha era do movimento trabalhador. Cristina, ante a emergência de novos setores sociais que aparecem, não tem por que depender tanto de Moyano. Estabelece uma relação direta com as bases. É um movimento muito interessante com o qual ela ganha muito autonomia.

O prefeito de Buenos Aires, Maurício Macri, pode ser um concorrente conservador para 2015?


Há que se esperar. Este é um país muito diferente do Brasil. Falar da Argentina de 2015 é como falar do Brasil de 2094. É uma política de uma dinâmica muito peculiar. Faz 13 meses – não mais do que 13 meses – que as perspectivas de reeleição de Cristina eram muito baixas. Esta é uma coisa que quem estuda a política argentina sempre assinala: as formas como se movem as variáveis do conjunto político e econômico são imprevisíveis. Um dia se está em cima, no outro se está em baixo. São mutações muito fortes. Neste contexto, pode-se dizer que faz falta um projeto alternativo.

Como a Lei de Meios pode transformar a democracia argentina?

Estão aí as liminares judiciais (que tentam impedir que a legislação aprovada em 2009 entre em vigor). De toda maneira, a lei requer complementação para haver um apoio econômico do Estado às organizações populares que não têm dinheiro. Este é um problema muito sério. Recebo constantemente cartas de veículos comunitários dizendo que provavelmente a rádio terá de fechar. Com a lei atual, é preciso contratar locutores. Pagá-los significa um esforço que não se pode atender. O governo precisa pensar melhor sobre esse tema. Mas é um grande passo adiante. Para um país como o Brasil, seria ótimo que ocorresse o mesmo porque aí há uma concentração absurda dos veículos de comunicação. Quando a comunicação está concentrada, a democracia está frágil. Este é um axioma que básico da ciência política.

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